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Segunda-feira, 22/5/2006
O Código Da Vinci em tela plana
Marcelo Miranda

Ataques da Igreja Católica, greve de fome, cabeça a prêmio, tentativa de censura, processo por plágio, enigmas, o mistério de Jesus. O caminho que o livro O Código Da Vinci (Sextante, 2004, 480 págs.) vem trilhando desde que foi lançado no começo da década daria um filme por si só. O autor Dan Brown vendeu por US$ 6 milhões os direitos de adaptação do best-seller que já foi traduzido para 44 idiomas e teve até o momento mais de 45 milhões de exemplares vendidos no mundo. Uma mina de ouro que Hollywood não tardou a assumir. E o filme, alardeado por todo tipo de confusão possível em meio ao seu lançamento, já está em cartaz em 500 salas de exibição brasileiras.

O Código Da Vinci O longa-metragem, dirigido por Ron Howard, teve pré-estréia de gala no último dia 17 de maio, na abertura do 59º Festival de Cannes (França), maior e mais importante de todos os eventos cinematográficos. A recepção foi das mais mornas: jornalistas e críticos torceram o nariz, houve risos e vaias durante a projeção e muita gente saiu reclamando - normalmente, mesmo tipo de gente que já não era adepta do livro de Brown e seguiu o mesmo gosto ao tomar contato com a visão de Howard. Obviamente que isso não fará a menor diferença para a bilheteria de O Código Da Vinci. Antes mesmo da estréia, mais de 20 mil ingressos já tinham sido vendidos antecipadamente apenas no Brasil.

A superprodução da Columbia Pictures orçada em US$ 125 milhões chega repleta de controvérsias. Sob ataques da Igreja, do grupo Opus Dei (espécie de repartição do Vaticano que defende os conceitos cristãos de forma conservadora e ortodoxa) e de fiéis em geral, o filme vem ganhando destaque justamente por conta dessa algazarra em torno de seu lançamento. Por aqui, o deputado federal Salvador Zimbaldi (PSB-SP) tentou na justiça barrar a estréia no país. Alegou que o filme "agride a liberdade de crença", o que seria inconstitucional. Censura? Em entrevista a veículos de comunicação, Zimbaldi disse que "não há censura neste caso, mas sim defesa da verdade. O direito de um termina onde começa o de outro". Conta outra, deputado.

Na Índia, um grupo participante do Fórum Social Católico decretou greve de fome em protesto ao lançamento, e um membro ofereceu US$ 25 mil pelo autor do livro, Dan Brown, vivo ou morto. Em diversos outros países, como China e Tailândia, o filme ou está proibido ou teve cenas cortadas. Muçulmanos da Rússia pediram a autoridades que embargassem a produção em solo nacional, comparando a visão sobre Jesus de Dan Brown às caricaturas de Maomé que causaram recentes choques diplomáticos em Estados do Oriente Médio. Antes da primeira exibição pública em Cannes, uma freira britânica se postou em frente ao Palácio onde acontecem as exibições e, com uma cruz enorme e recitando versos da Bíblia, buscou desanimar as pessoas a entrarem para assistir ao filme. Desde A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, não se via reação tão forte a uma realização do cinema americano.

E qual o motivo de tanta discórdia? Ironicamente, pela razão inversa ao que ocorreu com A Paixão de Cristo. Se este reafirmava crenças sobre o sacrifício de Jesus Cristo e toda a sua flagelação antes de morrer, devido à ortodoxia da crença de Gibson de que o filho de Deus esteve na Terra única e exclusivamente para se entregar de corpo e alma aos seus filhos, O Código Da Vinci é uma ficção policial que se sustenta na tese de que Jesus não foi o santo apregoado pela Bíblia. Ele teria se casado com Maria Madalena e tido uma filha. Após a crucificação, Madalena, que originalmente seria de família de elite, teria se mudado para a França e ajudado a perpetuar sua descendência de sangue nobre ao longo dos séculos. Uma seita, denominada Priorado de Sião, seria a responsável por manter as provas do segredo intactas e evitar que cristãos conservadores as destruíssem. E a organização Opus Dei estaria disposta a tudo - inclusive a mentir e matar - para colocar as mãos nesse mistério.

Como todos sabem, mexeu com religião, política ou futebol, mexeu com vespeiro. Não é a primeira vez que um filme causa rebuliço por tocar em temas mais delicados dentro do cristianismo. Em 1988, A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, teve dificuldades até mesmo para ser finalizado, devido às insinuações de que o filho de Deus teria sido um homem comum que se descobriu o salvador da humanidade, mas decidiu não assumir essa responsabilidade de imediato, preferindo viver um romance com Maria Madalena, beber e conversar com o amigo Judas. Destino parecido teve o francês Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, que três anos antes foi para o limbo da censura por modernizar a história da mãe de Cristo a uma realidade pobre e profundamente melancólica. O então presidente José Sarney proibiu a estréia do filme no Brasil alegando "ofensa à religião católica". Em 1999, a comédia Dogma, de Kevin Smith, causou alarde ao brincar com "regras" da Igreja e colocar uma descendente de Jesus como prostituta e Deus encarnado na figura da cantora Alanis Morissetti. Políticos e fiéis se posicionaram contra a produção, que estreou e não fez tanto barulho quanto se esperava.

Porém, caso O Código Da Vinci, o livro, tivesse vendido irrisoriamente, ninguém se lembraria dele. Com milhões de exemplares, ganhou a tal adaptação de peso no cinema, e obviamente não iria passar incólume. Por mais que o enredo da conspiração criada por Brown tenha lances simplistas, resoluções apressadas, ganchos narrativos sem maiores propósitos exceto "segurar" a trama por mais algumas páginas e jeitão de que foi mesmo escrito para consumo rápido, o autor vem recebendo ódio de todos os lados só por questionar a fé católica - desde os mais fundamentalistas, como chefes de igrejas, até escritores que o acusaram de plagiar obra alheia, no caso, um livro sobre o Santo Graal, que Dan Brown teria utilizado no seu trabalho sem dar o crédito.

O Código Da Vinci No filme, o simbologista Robert Langdon e a criptógrafa Sophie Neveu são interpretados pelo queridinho americano Tom Hanks e por Audrey "Amélie Poulain" Tatou. A dupla é protagonista e responsável por desvendar os vários enigmas que surgem no caminho a partir da morte do curador do Museu do Louvre, assassinado na principal galeria de arte do local - aliás, a equipe de filmagem teve acesso direto a salas do museu para algumas cenas-chave. Ainda no elenco, estão nomes importantes, como Ian McKellen e Jean Reno, além do britânico Paul Bettany, elogiado em Cannes pela encarnação do albino Silas, um dos enviados do Opus Dei para ajudar na obtenção do "maior segredo de todos os tempos".

Se a versão em filme de O Código Da Vinci fará sucesso semelhante ao do livro, é difícil saber. O marketing vem sendo pesado. Há, inclusive, rumores de que o departamento de publicidade da Columbia estaria espalhando boatos e colocando lenha na fogueira de discussões com o intuito de levar mais e mais curiosos para assistirem à aventura no cinema. Esse boca-a-boca funcionou com A Paixão de Cristo, que arrecadou mais de US$ 200 milhões apenas nos EUA. Pode funcionar de novo.

Nota do Editor
Leia também "Perseguindo o Código Da Vinci".

Marcelo Miranda
Juiz de Fora, 22/5/2006

 

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