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Sexta-feira, 9/6/2006
Relativismos literários
Paulo Polzonoff Jr

Lendo o que um amigco escreveu sobre um poeta desses aí, me toquei de que vivemos dias pouco exuberantes em matéria de literatura. Não é novidade, é claro. Mas esta constatação óbvia me fez perceber que talvez nossa percepção do que é bom ou ruim seja afetada por esta produção medíocre. A pergunta que me faço é: será que o romance bom de hoje é mesmo bom ou ele só é bom porque seus semelhantes são ruins?

Esta pergunta põe em dúvida muitas de minhas leituras recentes. Não estou querendo, aqui, desdizer o que disse. Estou apenas duvidando de mim mesmo, o que é um exercício intelectualmente saudável. Pergunto-me se não baixei meu padrão de qualidade em nome de uma espécie de bem-estar coletivo, isto é, em nome de uma sensação de que não vivo tempos medíocres. É como se, inconsciente, eu achasse que um só livro (ou dois ou três) fosse capaz de absolver toda uma geração.

E aqui já vislumbro outro problema: é justo ter parâmetros absolutamente altos, canônicos? À primeira vista, me parece que sim. Mas, na prática, isso se mostra muito, mas muito difícil mesmo. Ter como parâmetro os livros canônicos põe praticamente toda a produção contemporânea em xeque. Para não citar Shakespeare e Cervantes, nem tampouco Machado de Assis, digo que nada do que se escreve hoje em dia se compara a Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, na prosa, e João Cabral e Bandeira em poesia.

E agora? A solução me parece ser a de diminuir as expectativas e, conseqüentemente, analisar a produção contemporânea por parâmetros menores. Mas daí me deparo com dois problemas secundários, um de ordem moral e outro de ordem prática. Ora, será honesto recomendar um livro para um leitor dizendo que, bem, se tanto o escritor como o leitores não fossem azarados o suficiente para nascer nesta época, o livro seria uma porcaria e o leitor não teria de lê-lo? Ou, invertendo o raciocínio mas mantendo o produto: o livro é bom porque tanto o escritor quanto o leitor têm a "sorte" de terem nascido numa época mais rasteira, superficial.

Não me sinto muito bem com nenhuma das duas opções, mas me parece ser impossível fugir delas. Novamente aqui exponho a dúvida: será justo analisar qualquer (qualquer!) livro dos muitos que abarrotam as vitrines das livrarias tendo em vista o que já foi publicado e é reconhecidamente considerado obra-prima? Isto é: perto de um Marques Rebelo ou mesmo um Lima Barreto (para nos atermos às referências nacionais), que valor tem um Rubem Fonseca ou um Dalton Trevisan? E perto deles, que valor terá Daniel Galera ou André Sant'Anna, só para citar dois autores jovens bastante elogiados hoje em dia?

Estas perguntas se tornam ainda mais complexas quando me deparo com uma verdade assustadora, mas que não pode ser omitida: os romances ingleses e norte-americanos vivem uma fase absolutamente exuberante, se comparada com a produção nacional. Recentemente, tenho feito muito isso: no meio de um livro de um autor americano ou inglês, falo para mim mesmo: não há nada comparável a isso sendo escrito no Brasil. E não há mesmo!

O resultado desta investigação toda é um enorme e enfeitado ponto de interrogação. Então temos dois pesos e duas medidas, um para a literatura nacional e outro para a estrangeira? Um para a literatura contemporânea e outro para a literatura canônica? Estamos sendo indulgentes demais com nossos autores ou nosso gosto literário se tornou superficial?

Não sei. Não sei mesmo. Só sei que sinto um gosto ruim na boca ao constatar que muitos dos livros que li e para os quais reservei um cantinho especial na minha estante, se lidos à luz dos Grandes, não passam de historietas primárias. O que me assusta é perceber que, em muitos casos, nem é preciso recorrer aos Grandes para reduzir a produção contemporânea ao que ela é: nada. Às vezes basta que recorramos aos Médios.

Este texto já está cheio de perguntas, mas não resisto a mais uma: então será que tudo é relativo? Shakespeare só se discutem em termos do próprio Shakespeare, Chaucer, Cervantes e Montaigne e Luis Vilela só se discute em termos de Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Autran Dourado e Moacyr Scliar? O que aconteceria se misturássemos estes dois grupos e discutíssemos Rubem Fonseca à luz de Cervantes - ou mesmo de Balzac ou Voltaire?

Para ser sincero, eu tenho muito medo do relativismo, mas também tenho medo da verdade nua e crua, que é a de que a segunda metade do século XX, bem como este início de século XXI, não produziu praticamente nada que possa ser comparado com as obras de Faulkner ou Céline ou Joyce ou Borges ou Hemingway ou. Sinto-me tentado a, daqui para frente, ser mais cruel e - por que não?! - mais justo e menos indulgente, e jamais considerar um livro bom só porque ele o é se comparado ao companheiro de geração. Eis aqui novamente o meu temor: o de ser incapaz de reconhecer entre os meus qualquer coisa de aceitável.

Isso sem falar nas comparações com o que está sendo feito nos Estados Unidos e na Inglaterra. Já disse e repito: não há nenhum livro de um escritor brasileiro contemporâneo que tenha qualidades remotamente parecidas com as de um Reparação, de Ian McEwan. Como é que se sai, afinal, deste beco sem saída?

Tendo sempre para o lado da justiça, por mais cruel que ela seja. Indulgência, sinceramente, não faz parte da minha personalidade. Sinto que é preciso aumentar os parâmetros ou, daqui a pouco, estaremos dando certificado de qualidade a carne precocemente estragada. O que não me deixaria dormir tranqüilo. De jeito nenhum.

Nota do Editor
Texto publicado originalmente no site do autor em 19 de maio de 2006.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 9/6/2006

 

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