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Terça-feira, 30/5/2006
Entre os novos autores, uma artista
Rafael Lima

Num movimento de renovação literária, como o que ora origina este especial, é natural que as atenções se voltem para os autores, no final das contas os atores principais desta encenação, mandando para o buraco negro da memória editores e revisores. Não é injustiça; se os revisores das reportagens gonzo de Hunter S. Thompson - Ivan Lessa lembra que os contos de Jorge Amado chegavam à redação da revista Senhor com cada erro sensacional - ou os editores de Jack Kerouac foram de grande valia na preparação dos respectivos textos, nenhum deles ficou para a História. Entretanto, se editores e revisores são claros sobressalentes num processo editorial, há uma profissão cujo talento influi demais para ser considerado acessório no processo de unificar uma suposta geração literária: o programador visual. O que define a identidade visual, a primeira que se nota. E se ainda restam dúvidas sobre o talento ou a capacidade da assim chamada geração que é foco deste especial, não fica nenhuma sobre sua apresentação, quando se sabe que ela está a cargo de Mariana Newlands.

Não é exagero; inúmeros exemplos se espalham: a Editora do Autor poderia ter dez Paulos Mendes Campos, vinte Sérgios Portos e trinta Fernandos Sabinos e ainda assim correria o risco de não marcar presença sem a inovadora programação visual de Eugênio Hirsch; o mesmo pode ser dito para os discos de bossa nova da Elenco. Qualquer apreciador de tipografia sabe que a fonte ressucitada por Bea Feitler para o logotipo do hebdomadário Pasquim, em 1969, seria usada até gastar na década que se seguiu. A Companhia das Letras não teria estabelecido uma respeitabilidade tão sólida, a partir do começo dos anos 1990, sem valorizar suas capas, chegando a produzir tiragens com detalhes pintados à mão. Portanto, se Victor Burton tem papel fundamental ao nivelar por cima a qualidade das capas de livros brasileiros, estaria nas mãos de Mariana Newlands a unidade gráfica da nova literatura. E que mãos.

Designer gráfica, ilustradora, fotógrafa e arquiteta de informação, visitar seu portfolio é um deleite para qualquer um que almeje ter um mínimo de sensibilidade estética: a expressão "de mão cheia" soa insuficiente para descrever os talentos múltiplos dessa artista visual. Dona de um traço solto e delicado, cheio de espontaneidade (à la Jules Feiffer), curiosamente semelhante ao de sua xará, a grande ex-ilustradora do JB Mariana Massarani e versátil, indo do infantil ao grave com grande elasticidade, Mariana Newlands parece incapaz de realizar qualquer trabalho sem cobrir com um ar de delicadeza, elegância e um jeito singelo, fruto do convívio em meio à natureza circundante, da contemplação do simples que o converte em belo, luz que se espalha pela areia das praias, molduras de janelas coloniais e entre as folhagens da mata - basta ver suas fotos - não fosse ela, e faça o favor de se mandar daqui agora quem se incomoda com bairrismo, uma legítima carioca da gema, daquela estirpe que só faz desejar para quem não é daqui: aquele abraço...

Coincidência ou exiguidade do mercado editorial, coube a ela dar rosto a alguns dos principais projetos que têm revelado novos autores, como as coletâneas de contos Rio Literário e Contos sobre Tela ou a capa do terceiro e recém-lançado livro de Daniel Galera, Mãos de Cavalo (só por reunir os dois um marco dessa geração). Não é a única programadora visual em cujos cuidados os novos textos ficaram; há que se lembrar do multi-instrumentista Joca Reiners Terron (editor, escritor, capista e faz-tudo no seu selo, Ciência do Acidente), ou de Guilherme Pilla, que conferiu respeitabilidade às diminutas edições da Livros do Mal com um projeto arrojado - mas só Mariana parece capaz de colocar todo mundo debaixo de seu guarda-chuva, de bolar uma identidade ao mesmo abrangente e inconfundível, que vá garantir que todos os autores sejam reconhecidos pela mesma chancela. Uma espécie de marca de qualidade, onde o leitor titubeia ante um escritor que ainda patina em seu ofício, a capa dá aquele empurrãozinho que faltava para a aquisição do livro.

E se até o próprio Galera confessa abertamente que compra livro pela capa, nada mais justo que, naqueles segundos iniciais em que o feitiço de uma capa bem bolada é mais forte, a gente lembre dela: à Mariana o que é de Mariana.


Para ir além
Interlúdio, por Mariana Newlands

Rafael Lima
Rio de Janeiro, 30/5/2006

 

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