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Terça-feira, 13/6/2006 Copacabana e a cultura urbana carioca Luis Eduardo Matta Seja como for, é fato que a vida num paraíso ecológico nunca me atraiu. Sou, essencialmente, um ser da cidade grande. Muito do que as pessoas afirmam abominar ou que, veladamente desprezam, me encanta sobremaneira: o movimento de pessoas nas calçadas, o ruído dos carros nas ruas, o comércio efervescente, os edifícios ostentando cada qual o seu estilo arquitetônico, enfim: tudo aquilo que compõe essa coisa maravilhosa chamada vida urbana. Nós brasileiros, somos um povo com muito pouco apreço pelas nossas cidades. Vivemos ainda com uma certa nostalgia romântica de um passado rudimentar, simplório, telúrico, meio selvagem. Para a maioria, morar numa cidade como o Rio de Janeiro ou São Paulo é um verdadeiro castigo. Para mim, ao contrário, é uma benção. Ultimamente, virou moda falar mal de Copacabana. É como se o bairro encarnasse tudo aquilo que pode haver de mais negativo e degradante numa cidade. Talvez pelo seu caráter fortemente urbano, Copacabana se oponha à idéia do paraíso distante e idílico, quase despovoado, onde pais devotados poderiam, enfim, criar seus filhos com liberdade e contato permanente com a natureza - árvores, micos, passarinhos, borboletas - dentro do conceito paradigmático de "qualidade de vida". É verdade, reconheço, que o bairro cresceu demais. Reconheço também que muitos dos que reclamam da Copacabana atual, são egressos de décadas pretéritas. São pessoas que conheceram a paradisíaca e sofisticada Copacabana do pós-guerra e dos "anos dourados", sem trânsito, criminalidade, mendicância e a deterioração das relações sociais (elementos que, é bom frisar, não são privilégios "copacabanenses"). No entanto, todas essas reservas e reclamações escondem, na verdade, uma característica que parece impregnada na alma carioca: a falta (ou a escassez) de cultura urbana. A falta de cultura urbana é visível ao diagnosticarmos a relação que as pessoas têm com o espaço urbano. Tomemos o exemplo de Nova York. O que no Rio é desvalorizado e visto como sintomas de decadência - a forte urbanização, o frenesi das ruas, o dia-a-dia vibrante, as calçadas tomadas de gente, som e movimento - na notável metrópole norte-americana é enaltecido e encarado como parte fundamental e indissociável da alma da cidade. Os novaiorquinos gostam da sua cidade como ela é e participam ativamente da sua vida, desfrutando de tudo o que ela tem a oferecer. Poucas são as pessoas, creio, que vivem em Nova York, sonhando com o dia em que, finalmente, poderão se mudar para uma propriedade bucólica em Vermont, Long Island ou nas praias da Flórida. Em cidades como Paris, Londres e Madri se dá o mesmo. São locais, também, com grande cultura urbana e onde há uma completa integração dos moradores com o meio. Lá, enquanto todos querem viver o mais perto possível dos bairros centrais, aqui ocorre o inverso: as pessoas procuram, cada vez mais, áreas bastante afastadas do Centro para morar. Alguém que resida, por exemplo, no Recreio dos Bandeirantes, um dos novos bairros à beira-mar do Rio, e trabalhe no Centro, gasta no trajeto diário de ida e volta, no mínimo, uma hora; isso, naturalmente, se o trânsito estiver totalmente desimpedido. E é fato que, no horário comercial, ele quase nunca está. Isso não me impede, contudo, de enxergar e denunciar os inúmeros problemas que afligem Copacabana e o Rio. A violência, a falta de educação do povo, que maltrata e emporcalha as ruas, o abandono de certas áreas que poderiam receber mais atenção do poder público, a pobreza, o caos no trânsito... Problemas, no entanto, toda grande cidade tem, em maior ou menos grau. A deterioração de certas vias públicas de grande circulação de pessoas e veículos é algo natural e, de certo modo, inevitável numa metrópole. Se a avenida Atlântica de hoje não é a mesma de cinqüenta anos atrás, podemos afirmar o mesmo da avenue des Champs Elysées, que, segundo os próprios parisienses com os quais conversei, não é hoje mais do que uma sombra de um passado esplendoroso. A vida na cidade grande tem dessas coisas e quem, realmente, gosta de viver em uma, tem de aceitar certas contingências. O que muitos cariocas precisam é aprender a desfrutar o Rio na sua vertente metrópole tanto quanto desfrutam a sua vertente balneário. E Copacabana, uma vez sendo a síntese de ambas, tem muito a ensinar. Amar o bairro, aceitar seus defeitos e reconhecer suas inúmeras qualidades já seria um ótimo primeiro passo em direção a uma cultura urbana da qual o Rio, uma das maiores e mais vibrantes cidades do mundo, não pode prescindir. Post Scriptum Escrevi esse artigo embalado por músicas como "Copacabana", de Braguinha e Alberto Ribeiro, na voz de Dick Farney ("...Copacabana, princesinha do mar, Pelas manhãs tu és a vida a cantar..."), "Superbacana", de Caetano Veloso ("...O mundo em Copacabana, Tudo em Copacabana, Copacabana..."), "Copacabana", de Barry Manilow ("...At the Copa, Copacabana, Music and passion were always the fashion...") e "Mar de Copacabana", de Gilberto Gil ("...Muita gente quer Copacabana, Talvez leve uma semana pra chegar..."). Também ouvi "Do Leme ao Pontal", de Tim Maia ("...Do Leme ao Pontal, Não há nada igual..."). Afinal de contas, para se ir do Leme ao Pontal pela orla marítima, há que passar por Copacabana. Luis Eduardo Matta |
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