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Quinta-feira, 22/6/2006 A favor do Brasil, contra a seleção! Lucas Rodrigues Pires Sim, caro leitor, podem me condenar aqueles embriagados de amor pela seleção, pois eu sou um torcedor contra a seleção. Não me conformo como podem os colegas brasileiros torcer a favor de uma seleção de estrelas, que não joga a bola que todos queremos ver, que tem como grande mestre um senhor ultrapassado como Zagallo que só sabe falar do número 13 e como técnico um homem com fama de retranqueiro, que se preocupa com o antiespetáculo em que se transformou o futebol. Não suporto a idéia "parreiriana" de, em primeiro lugar, não levar gols, depois vamos pensar em fazer algum... Para mim é a morte a goleada de 1 a 0 que parece ser o objetivo de Parreira na seleção. A vitória tornou-se meta suprema, funcionalizou-se até a arte no futebol. Parreira e a seleção do tetra foram responsáveis diretos por isso. (Outra coisa que separa Brasil e seleção - premiação. Questiono: é sensato defender o país e ganhar 200 mil reais - ou dólares, não lembro ao certo - cada jogador? Não deveriam eles jogar por orgulho do país e livre e espontânea vontade? Continuemos: é interessante sermos penta e talvez hexa em breve e termos no país clubes falidos, sem jogadores de grande expressão e talento e estádios vazios? É inadmissível vermos essa calamidade e continuarmos a aplaudir nossos jogadores no exterior, a encher estádios, dar show de bola enquanto aqui não se consegue manter nem jogadores medianos... Por que a milionária CBF, que fatura milhões e milhões com Nike, amistosos sem nenhum valor além do comercial e premiação da FIFA, não investe nos clubes nacionais, não usa esse dinheiro para fazer do futebol no Brasil a potência que é o futebol do Brasil?) Já escrevi aqui neste mesmo Digestivo sobre a triste e cômica despedida de Romário da seleção quando houve aquele pseudojogo de futebol contra Guatemala no Pacaembu. Não há nada que mais me irrite - e me instigue a torcer contra - do que o espaço e a paixão que imprensa e sociedade em geral destinam a jogadores de futebol semi-analfabetos, milionários, que foram jogar no exterior, ganham milhões para vestir uma camisa e outros tantos para fazer propaganda de qualquer coisa. Não suporto ver o caderno de Esportes do jornal a notícia da milésima loira gostosa que o Ronaldo, o gordo, está catando, a boate em que ele apareceu e bebeu, a roupa que a namorada vestiu e desfilou etc. etc. etc.. Por que o endeusamento de um jogador como Ronaldo que deixou de ser jogador há tempos para se transformar numa figura pop, uma celebridade? Pensando nisso, não há como não lembrar da figura da estrela de cinema, que não era nem o ator nem o personagem. Lembro do estudo de Edgar Morin sobre as estrelas, As Estrelas - Mito e Sedução no Cinema (José Olympio), em sua definição de que a estrela seria a fusão entre o ator e o personagem. Segundo ele, "à medida que o nome do intérprete se torna tão ou mais forte que o da personagem, começa a se operar enfim a dialética do ator e do papel, na qual surgirá a estrela". Essa dialética a qual ele se refere é justamente uma contaminação recíproca entre ator e personagem, cada um encarnando o que trazem de si no outro. Pois bem, no futebol (não só nele, mas em praticamente todo meio que tenha na figura humana o centro de sua ação e possa gerar lucros) parece que vivemos também essa dialética do jogador de futebol com o vendedor, com o publicitário, com o capitalismo. O jogador de futebol, hoje mais do que nunca, é uma celebridade, tratado como tal, como uma espécie de deus (não à toa chamam vários deles de rei, deus da bola, mágico, todas expressões que nos remetem a poderes além dos meros humanos). Mas, ao final, temos em si o sujeito como um mero produto midiático. Os mitos, segundo Karen Armstrong, em Breve História do Mito (Companhia das Letras), são histórias universais e atemporais que moldam e espelham nossas vidas - exploram nossos desejos, nossos medos, nossas esperanças. São narrativas que refletem a condição humana e nos ajudam a compreender quem somos. Se o mito é uma forma de exemplo a moldar comportamentos e anseios, não entendo por que a imprensa e opinião pública preservam tanto Ronaldo (não só ele, claro). Ronaldo é um mito corrompido pela sociedade doente em que hoje vivemos. Ele foi (tenta ainda ser) um baita jogador (fenômeno, dizem alguns exagerados), mas atualmente não o é. Ronaldo deixou de jogar bola faz tempo, e sua vida privada que é pública ajudou nesse processo de desinteresse pelo futebol. Afinal, se ele continua a ganhar milhões, aparece na imprensa mais em páginas de fofoca e cada vez com uma namorada nova do que no caderno de esportes, a imprensa não cobra nada e sempre passa a mão em sua cabeça a consolá-lo (coitado, fez cirurgia no joelho duas vezes, deu a volta por cima etc. etc.) por que haveria de cobrar dele e exigir um bom futebol, mesmo numa Copa do Mundo? Por que querer futebol se ele oferece a todos diariamente outras formas de produto midiático que não o futebol - a discussão em torno de seu peso, de seu novo contrato, de seu novo carro, de sua nova paixão (amor, não? Aliás, é possível o amor a uma pessoa como Ronaldo?), de uma nova bolha no pé... Ronaldo alimenta como um grande mito a imprensa de diversas formas, até bate-boca com o presidente ele arrumou. Não, futebol é o de menos que se quer de Ronaldo e outros tantos. Quer-se entretenimento, quer-se sua imagem vendendo jornais e produtos, quer-se a estrela na qual o transformaram, não mais o jogador de futebol. Querem o mito às avessas. Afinal de contas, deixemos o futebol para os mortais, aqueles que de fato importam numa seleção. À imprensa, que investiu milhões e precisa de retorno, temos Ronaldo e a máquina de fazer notícias. É por figuras mais sérias que ainda jogam futebol que talvez seja possível que eu tenha de engolir o Zagallo, Ronaldo e outros mais dessa seleção. Mas, enquanto isso, torço contra! Torço para Argentina e Holanda, que foram minha aposta no bolão em que participo. Entre o bolão e o hexa, fico com o bolão, pois não tenho contratos milionários com empresas esportivas nem nada. Chega de premiar e glorificar a incompetência e a corrupção que é o futebol no Brasil. Enquanto tivermos bons jogadores a conquistar títulos, nada vai mudar. A catástrofe é condição sine qua non para o renascimento do futebol no Brasil. Sou chato mesmo, do contra... mas quem não é que atire a primeira pedra. (Saudades do futebol...) Lucas Rodrigues Pires |
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