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Quarta-feira, 21/6/2006
Devaneios sobre Copa do Mundo
Rafael Fernandes

Fanatismo
Sou um fanático por futebol. Acontece. Há quem seja aficionado por sapatos, bolsas, revistas em quadrinhos, voyeurismo, selos, chantili. Eu sou por futebol. Não sou daqueles "almanaques" que sabem todos os nomes e datas. Mas basta passar qualquer joguinho na TV que eu assisto, pode ser "Desafio ao Galo" (alguém lembra disso?), o que for. Por isso, pra mim Copa é uma alegria, assisto tudo o que posso. Vejo também pelo Brasil, mas mais pelo futebol - pelo prazer de ver - e, sim, pelo escapismo (quem não precisa de um?).

E vai rolar a festa
Um ex-professor meu um dia matou a charada: "Brasileiro não é tão fanático por futebol, brasileiro gosta é de festa!". Está certo. Depois do Natal a Copa é talvez a maior desculpa para juntar família e amigos, decorar as ruas e falar besteira: são os torcedores de ocasião. Como os que só se interessam por livros em época de Bienal ou por artes plásticas quando ocorrem as "mega-exposições". Tudo pelo "evento". São também os torcedores de "melhores momentos", acostumados a ver só os grandes lances das partidas e quando vêem um jogo mais lento e truncado odeiam e só avaliam o placar. O interessante para quem gosta de futebol não é só gol, mas também procurar observar as alternativas táticas, lances brilhantes, sutilezas, dribles, lançamentos, defesas, mudanças psicológicas durante a partida; é curioso por ser o futebol capaz de provocar situações das mais geniais às mais banais e chulas; é divertido para xingar o narrador, o jogador, ficar desconfortável quando a câmera filma um jogador no exato momento em que está cuspindo no chão, rir de trapalhadas e lances bizarros.

Arte x Business?
Apesar de grande apreciador de futebol não o vejo como algo "sagrado" que estaria sendo "corrompido" pelo dinheiro, fama e "entretenimento". Acho que, afinal de contas, esporte - de alto nível - é para isso mesmo: diversão, um escapismo sadio que proporciona (quando bem jogado) interessantes desafios ao ser humano - necessidade de alta capacidade física, psicológica, técnica. Claro que há excesso de dinheiro e um "complexo de celebridade", mas isso é um fenômeno geral no entretenimento - e o futebol caminha cada vez mais pra isso. Se bem que o que pagam para gente como Tom Cruise e Britney Spears para suas interpretações ridículas, Ronaldinho realmente merece o que ganha... Aliás, futebol como negócio não significa perda de qualidade, pelo contrário. Não à toa a Europa - e seu poderio financeiro - apresenta os melhores espetáculos do mundo. Nós da América Latina - dona da melhor mão-de-obra bruta, lapidada fora daqui - não temos o "negócio" futebol e o nosso está essa lástima (falo dos campeonatos domésticos e toda infra-estrutura que os envolvem). Não acham que os craques de 70 não gostariam de ter feito um pé de meia pra gerações inteiras de herdeiros? Grande parte dos craques dos últimos anos uniu vigor futebolístico e lucratividade; Ronaldinho e Kaká são os mais recentes exemplos: o período de maior exposição e fama coincidiu com suas ascensões no campo. Ou será que é melhor morrer pobre e esquecido como Garrincha? (Antes que me perguntem, comparações entre gerações são desnecessárias e infrutíferas).

Astrologia
Muitos - e até mesmo pessoas inteligentes - fazem dezenas de exercícios forçados de adivinhação quando o assunto é Copa. Uma dessas "visões" é que o Brasil não será campeão porque há muito "oba-oba" e excesso de confiança, que é uma das argumentações mais superficiais e arrogantes, parece que dizem que "o Brasil é o melhor, mas, como está uma festa, vai perder". Como se a competição não fosse apenas um esporte, permeado por diversas dinâmicas táticas, técnicas e emocionais - futebol é intensamente imprevisível. Por aí também é raciocínio "só perdemos para nós mesmos". Não tem outro time do outro lado? E há também os que cravam os craques do campeonato ou verdades "absolutas" antes mesmo do início da Copa.

Excessos
Já a cobertura da mídia da Copa da Alemanha é marcada mais ainda do que em outras Copas pelo excesso de informações, martelando Copa 24 horas por dia. Internet, blogs, rádio, TV aberta, TV a cabo, tudo gira em torno do futebol. E dessa vez as TVs a cabo cobrem até treinos. Para um fanático como eu é uma maravilha acompanhá-los. Mas narração e comentários de brincadeira de "bobinho" e treino de dois toques é um pouco além da conta. E há muito barulho por nada. Só faltaram armar uma "CPI das bolhas" ou a "CPI do percentual de gordura". Aliás, sobre o episódio Lula x Ronaldo foi interessante ver como cobraram de Ronaldo postura de presidente da República e relevaram a Lula a postura de jogador de futebol. E como em toda Copa, em todo jogo do Brasil a Globo mostra a festa o Pelourinho, a casa da prima-da-vizinha-da-irmã do Adriano, a Fátima Bernardes "madrinha" da seleção (nada como ser "amiguinha" da CBF...); há o Galvão errando nomes, falando besteira e instigando nacionalismo torto. Já as mesas-redondas beiram o insuportável, com sua união de mesmice e superficialidades, algumas apelando para o sensacionalismo. Retrato do jornalismo esportivo, que beira o medíocre (obviamente com exceções como Tostão, quem melhor enxerga futebol no Brasil), sempre preocupado com "bombas", "crises" e imediatismo. E pra que existem entrevistas de jogadores? As perguntas são sempre as mesmas e respostas, idem. Será que é pior ouvir as respostas ou as perguntas? É incrível, mas os jogadores parecem mais cientes disso e reclamam do excesso de entrevistas, enquanto os jornalistas reclamam quando elas não ocorrem. Até para um fanático como eu o excesso de ênfase na Copa incomoda - e muito.

Figuraças
Figuraças existem em todo o lugar, mas a Copa é um ambiente propício para suas atuações. Tem o chato (geralmente homem), que não larga da corneta e toca nos piores momentos possíveis (senão "não tem graça"). Tem o pessimista, também conhecido por "Eu não falei!?!?": acha que tudo está um lixo, o técnico é sempre burro, os jogadores "pipocam" e tudo pode desmoronar a qualquer momento. Quando acontece a "catástrofe", solta sua frase clássica. Tem o "fora de hora", que sempre comenta errado (desculpem mulheres, mas vocês são campeãs nesse quesito): erra nome de jogadores, faz comentários absurdos (recentemente um amigo me contou de uma senhora que perguntou se o jogo tinha 2 ou 3 tempos). Há o otimista: o Brasil pode estar perdendo por 4 a 0 no final do segundo tempo, mas ele "acha que dá". E o/a "mãezona", que sempre esta lá pra consolar, falar que "pelo menos eles lutaram", "daqui a quatro anos tem mais", ou o pior "calma, é só um jogo". O que tem síndrome de perseguição: "foi roubado, tudo armado". E os bêbados. Bom, esse são os mesmos em qualquer lugar.

Enfim...
Não sei o que haverá acontecido com o time brasileiro quando esse texto sair. Se for desclassificado, uma pena. Mas eu vou continuar até o final, assistindo todos os jogos. Loucura é isso mesmo.

Eu, boleiro: Memórias de Copas passadas

1986 - Me lembro de estar brincando de carrinho num jogo do Brasil e ouvia as pessoas berrando para eu sair da frente da TV. Dali alguns anos entenderia o porquê.

1990 - Minha única lembrança é a imagem de Cláudio Caniggia driblando Tafarel e matando o Brasil. Preciso dizer mais?

1994 - Vi recentemente o Pedro Bial usar a palavra "Parreirista" - "Sou um parreirista", dizia ele. Compactuo com sua visão. Particularmente depois do trabalho dele no Corinthians em 2002. Em 1994 foi absurdamente massacrado. Mas o que fazer? Aquele time era composto de jogadores fortes e corretos taticamente, mas não tinha craques (com a exceção, é claro, do 11). Aliás, a idéia de Parreira era utilizar Leonardo e Raí como armadores. Como Branco se recuperava de contusão, Leonardo foi pra lateral, Raí ficou só na promessa e jogou mal - não à toa foi substituído por mais um correto, Mazinho. Acusam a seleção de 94 de herança retranqueira - como a Itália de 1982 - mas a culpa não é de nenhum deles se os boleiros entenderam tudo errado: a mensagem não foi "joguem na retranca" e sim "falta de consistência tática não leva a nada". Tudo isso pra dizer que Parreira fez o que pôde com o que tinha. Afinal, um belo trabalho que resultou no tetra. E havia o 11...

1998 - Não gostava dessa seleção e não tive reação negativa quando perdeu. O time era fraco taticamente, previsível e com Júnior Baiano na zaga não dava pra achar que daria certo. Dunga, Bebeto (sempre achei que Edmundo deveria estar no lugar deste) e Aldair não eram sombra do que foram em 94, Leonardo não conseguiu dar muito brilho ao meio de campo. O Brasil foi à frente carregado nas costas por Rivaldo e Ronaldo (que jogou bem, mas não tudo o que podia - já com tendinite no joelho, que viria a resultar em cirurgias) protagonistas nos principais lances (como 2002, diga-se, mas sendo o time de Felipão melhor).

2002 - Os "idiotas da objetividade" condenavam Rivaldo e Ronaldo antes da Copa, e novamente eles foram os protagonistas. Ronaldinho dava mostras de sua genialidade (jogo contra a Inglaterra) e Felipão conseguiu arrumar o time, superior ao de 1998. O time conseguiu muitos golaços: Ronaldo, nos dois jogos contra a Turquia (sendo o do primeiro jogo quase um replay do lance contra a Holanda em 1998), Ronaldinho e Rivaldo (Inglaterra), Edmílson (Costa Rica), o 2º de Ronaldo na final. Maior destaque para os gols de Rivaldo contra a Inglaterra e o 2º de Ronaldo contra a Alemanha, que uniram aplicação e inteligência tática, desarme, espírito coletivo, malícia, criatividade, precisão e frieza.

Rafael Fernandes
São Paulo, 21/6/2006

 

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