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Terça-feira, 27/6/2006
Pra frente, Brasil, salve a seleção!
Tatiana Cavalcanti

Várias músicas embalaram o Brasil em suas participações em Copas do Mundo, mas uma canção, em 1970, se tornou uma espécie de hino não-oficial. "Pra Frente Brasil", composta por Miguel Gustavo para a Copa do México, pode não ter uma letra genial, ou ainda esconder o nacionalismo imposto pela Ditadura Militar que imperava à época, mas ainda hoje toca os corações de milhões de brasileiros. A frase "noventa milhões em ação, pra frente Brasil! Salve a seleção" virou a marca registra da dessa geração de gênios do futebol, uma forma de incentivar a seleção brasileira que deu certo. A população dobrou, agora somos cerca de 180 milhões em ação, tentando salvar a seleção, ou tentando salvar um dos jogadores, aquele que definiu a Copa passada, Ronaldo.

Nossos "heróis" parecem capengas, jogadores que não correm, o Fenômeno fica parado na área do gol à espera de uma bola no pé e, mesmo assim, chuta o vazio, não acertando a bola. Está certo, nós temos Kaká e Robinho, que movimentam o jogo e estão se tornando as grandes promessas brasileiras. Mas os melhores do mundo, a seleção pentacampeã não se destaca. Onde está o quadrado mágico? Cadê aquela seleção em que jornais do mundo todo diziam que jogava bonito e era considerada a favorita? Nossos craques de hoje são idolatrados dentro e fora do Brasil, talento reconhecido e aprovado quase que unanimemente. A geração "Ronaldinho Gaúcho" se esbalda com lances belíssimos e desconcertantes, vimos torcedores do Real Madrid, maior rival do Barcelona de Ronaldinho Gaúcho, aplaudirem de pé o nosso jogador. Torcedores de países que pouco conhecemos invadem o gramado, procuram nossa majestade e se ajoelham aos pés daquele que tem paixão pelo que faz, como se ele fosse um grande imperador. Opa, imperador é outro, que também pertence ao tal quadrado mágico. Entretanto, quando é para jogar por nós, pela seleção de uma nação que respira futebol, onde está o talento, a mágica? Tudo isso foi muito diferente 36 anos atrás.

José Socorro Alvarez Martinez, um jovem mexicano, mantinha sua rotina de produzir chapéus, os famosos sombreros, na cidade de Guadalajara, no México. Em 3 de junho de 1970, teve a oportunidade de assistir a um jogo raro, um dos mais belos espetáculos de todas as copas. A "Seleção Mágica do Brasil", como definiu Martinez, estreava na Copa do México contra a Tchecoslováquia. Para ele, "ver Pelé, considerado o melhor jogador de futebol de todos os tempos, foi como um sonho, e que também significou se juntar a ele, em seu jogo mágico, para ser letal contra os oponentes". Juntamente com Carlos Alberto, Gerson, Rivelino, Tostão e Jairzinho, Martinez diz que Pelé fez o futebol parecer um esporte simples e fácil, uma brincadeira de criança em que se faz notar e sentir a alegria e confiança passadas aos fãs.

Em 1970 eu não era nascida, mas na Cidade do México, capital federal, nascia o primeiro tricampeão na nona edição da Copa do Mundo. O Brasil vivia a Ditadura do presidente Militar Emílio Garrastazu Médici que, assim como presidentes recentes, também teria pedido a convocação de seu jogador favorito. João Saldanha, técnico da seleção na época, não teria atendido ao pedido do presidente, e em março foi substituído por Zagallo, que de imediato convocou Dario, o Dadá Maravilha. Enquanto isso, o povo brasileiro se preparava para o maior espetáculo da Terra, enfeitando e pintado as ruas das cidades do país das cores da bandeira nacional: verde, amarelo, azul e branco, tudo muito parecido com o que vivemos hoje.

Na primeira fase, o jogo que Martinez teve a felicidade de presenciar foi a estréia do Brasil contra a Tchecoslováquia. "Nunca mais verei um jogo como aquele. A platéia levantava das cadeiras sempre que os brasileiros tocavam na bola, vibravam e jogavam as mãos na cabeça a cada gol perdido", recorda. A seleção de Zagallo ganhou de virada, com gols de Rivelino, Pelé e dois de Jairzinho. Foi nesse mesmo jogo que um "quase gol" entrou para a História. Infelizmente eu não estava lá para ver, somente pela televisão umas décadas depois. Pelé recebe a bola no meio do campo e, percebendo o goleiro adversário adiantado, chutou em direção ao gol. Viktor, o goleiro tcheco, volta desesperadamente para a sua meta, e olha a bola que passa sobre sua cabeça e cai ao lado da trave. O lance de Pelé foi inusitado e ousado, e teve a classe que só uma majestade podia dar. Foi algo inédito na história do futebol.

Meu pai me conta que o jogo em que ele roeu as unhas foi contra a então campeã, Inglaterra. Num jogo equilibrado, Tostão driblou vários ingleses com maestria, apesar de iniciar a jogada dando uma cotovelada num inglês; Pelé, no auge dos seus 29 anos de idade, livrou-se dos zagueiros e alcançou Jairzinho, que como um "furacão" conseguiu a vitória brasileira. Nesse mesmo jogo houve a defesa que é considerada por alguns como a melhor de todos os tempos. Pelé recebeu um cruzamento e cabeceou com força no canto, para baixo. O gol parecia certo, entretanto o goleiro Banks conseguiu defender de forma primorosa.

O Uruguai sempre foi uma pedra no nosso sapato. Ganhou seu segundo título mundial em cima justamente do Brasil, em pleno Maracanã, em 1950. Mas o Brasil teve sua revanche na semifinal da Copa do México, num jogo nervoso e disputado. Mas lá estava Pelé mais uma vez com sua genialidade. Ele recebeu um lançamento na frente da área e o goleiro uruguaio, Mazurkiewicz, saiu para tentar interceptar. Pelé não tocou na bola e enganou o goleiro, indo para o lado oposto, e reencontrou a bola dentro da área, mas chuta pra fora. A bola passou a centímetros da trave. Há uma propaganda de um carro que mostra esse lance como se tivesse sido gol, graças à tecnologia, outro "quase gol" de Pelé pode ser visto como se realmente tivesse acontecido. Se tivesse entrado, esse seria um dos gols mais belos da História. O Brasil venceu o jogo e estava na grande final.

Para Martinez, torcedor do Chivas, time de Guadalajara, um dos únicos a ter somente mexicanos na equipe, ver a torcida brasileira presente nos estádios era incrível. Havia enorme concentração de torcedores nas cidades onde o Brasil jogava, que festejavam de forma alegre e colorida, e segundo ele, completava a admiração de todas as nações. "Essas são cenas que não me saem da cabeça", afirma.

Apenas uma criança à época, Jorge Berlin, que se declara "mexicano da gema", pois viveu algum tempo no Rio de Janeiro, lembra o que viu naquela copa. "Eu não tinha muito conhecimento daquele momento do futebol, mas posso dizer que se existe uma equipe pela qual os mexicanos torcem depois de nossa seleção é a do Brasil. Os brasileiros estão bem perto de nossos corações, e isso pode ser confirmado quando se caminha pelas ruas mexicanas" declara.

A grande final, em 21 de junho, foi contra a temida seleção da Itália, na Cidade do México, no estádio Azteca. Após o apito final, entramos para a História como os primeiros tricampeões mundiais. Os mexicanos, apaixonados por aquela seleção, invadiram o gramado em massa emocionados após a consagração dos brasileiros. Pelé quase ficou pelado, pois os torcedores foram arrancando a sua roupa para guardar de lembrança.

A taça do mundo era nossa, a tão esperada Jules Rimet, ficaria definitivamente com o primeiro tricampeão. Ela foi imortalizada nas cenas em que Carlos Alberto, capitão da seleção, a ergue e, num gesto inédito, a beija perante os olhos de 700 milhões de pessoas que o viam pela televisão, na primeira Copa com substituições durante as partidas e com transmissão de TV para o mundo todo. Infelizmente, como todos sabemos, a Jules Rimet foi roubada no Rio de Janeiro, e derretida.

Os jogadores brasileiros foram coroados na Cidade do México, mas foi na cidade de Guadalajara que um monumento em homenagem aos tricampeões foi erguido em frente ao Estádio Jalisco-Guadalajara. Para Martinez, no Brasil deveria haver uma cidade chamada Guadalajara, porque nessa cidade mexicana, segundo o torcedor do Chivas, o Brasil vive no coração de cada cidadão.

Grande parte do que a gente pode lembrar de lances de tirar o fôlego e gols inesquecíveis, vem da Copa de 1970. Eu não sou especialista no assunto, mas adoro admirar e reconhecer o talento de nossos jogadores de primeira categoria e ver os estrangeiros admirados pelo nosso futebol arte. Já vi o Romário e Robinho jogando, entre tantos outros ídolos nacionais, assisti aos dois últimos títulos, que muito me emocionaram e encheram de orgulho, mas sei que provavelmente jamais verei uma Copa como a de 1970 no México. Gostaria de ter vivido nos anos 70 para ter presenciado esse momento mágico do futebol, em que o meu país do coração era a estrela principal.

Tatiana Cavalcanti
São Paulo, 27/6/2006

 

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