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Terça-feira, 1/8/2006
Um novo caminho na literatura policial brasileira
Luis Eduardo Matta

A despeito das recentes incursões de alguns autores no gênero, não se pode afirmar que o Brasil já possua uma Literatura Policial com fisionomia definida e consolidada. A ficção policial brasileira é um organismo ainda em formação e que aos poucos, vai adquirindo traços mais vívidos, pondo em relevo características comuns presentes na prosa e no estilo dos nossos escritores. É possível identificar na maioria deles, por exemplo, uma evidente e quase magnética influência de Rubem Fonseca e da tradição noir norte-americana, com destaques para Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Do mesmo modo, persiste, mesmo entre os autores policiais que atingiram maior renome, o problema da criação e desenvolvimento das tramas, que costumam ser fracas e previsíveis, com personagens pouco convincentes, histórias mal amarradas, diálogos pueris, arremedos de mistério que não arrancam mais do que uma sucessão de bocejos dos leitores e uma ambientação pobre, que deixa transparecer a quase absoluta falta de técnica dos brasileiros para escrever uma história de mistério realmente envolvente e bem contada. Aliás, lendo os livros policiais brasileiros, tem-se a impressão de que todos são muito parecidos, que os autores tiveram a mesma idéia e a desenvolveram pretensiosamente de maneira similar, convencidos de que são realmente dotados de uma verve criativa genial. Para os leitores amantes do gênero, essa é uma situação calamitosa, que acaba tendo uma única saída: a Literatura policial estrangeira, felizmente bastante traduzida e publicada por aqui.

Mas, nem tudo está perdido e foi graças a duas escritoras, uma paulista e outra carioca, que eu cheguei, feliz da vida, a esta conclusão. A primeira delas é Vera Carvalho Assumpção, cuja obra já tive a oportunidade de abordar num artigo publicado aqui no Digestivo Cultural em 2005. A segunda, Elaine Paiva, descobri graças à internet. Recentemente, pude conhecer o seu trabalho, ao ler a novela O Segredo da Senhora Greey (KroArt/Litteris; 80 páginas; 2005). O livro, um policial autêntico, em nada se assemelha ao restante da produção nacional no gênero e apresenta uma nova perspectiva que oferece um contraponto à mesmice soporífera na qual os nossos autores policiais pareceram se enclausurar.

A história de O Segredo da Senhora Greey é ambientada em Florentis, uma fictícia localidade no sul do Brasil, famosa por ser a "cidade das essências". Ao chegar lá, o protagonista criado por Elaine Paiva, o detetive Sleiyver depara-se, sem querer, com um grande segredo cujo centro é a misteriosa e solitária senhora Greey, que acaba sendo o fio condutor de toda a trama. O Segredo da Senhora Greey é um livro, ao mesmo tempo, intrigante e sensível, que nos conduz pela atmosfera perfumada da bucólica Florentis numa pequena saga de mistério, amor e reflexão. Talvez seja esta delicadeza onipresente no livro, que o torne tão especial. Mas é inevitável afirmar que estamos diante de uma escritora de personalidade e voz própria, que fugiu do lugar-comum ao qual a Literatura policial brasileira sucumbiu e produziu uma obra singular, que se lê rapidamente, deixando uma sensação de "quero mais".

Foi estimulado por esse coquetel de boas impressões, que entrei em contato com a escritora, para saber dela um pouco mais sobre a sua Literatura e o seu processo criativo. Leiam, abaixo, a breve entrevista que Elaine Paiva concedeu ao Digestivo Cultural:

1. Por que você optou por escrever Literatura policial?

Sou neta de policial e sempre gostei de filmes do gênero. Mas não optei por escrever Literatura policial. Na verdade, eu me sentei ao computador e a história foi nascendo. Estava desempregada e tinha que ocupar minha cabeça. Foi quando escrevi em um blog o que deveria ter sido o primeiro conto com o detetive Sleiyver, mas acabou praticamente como um romance, O Assassinato no Alto da Boa Vista. Não me considero uma escritora de "romances policiais"; minha idéia, em principio, era preencher um espaço vazio pela falta de uma atividade profissional e entreter os leitores.

2. Quais foram as suas inspirações, na vida real e na ficção, para compor o detetive Sleiyver?

Eu me inspirei em um policial a que assisti trabalhando, em 2001. Foram muitas horas observando seus passos. Mas nem imaginava que dois anos depois fosse usar um pouco de seus trejeitos, olhar e sorriso em personagem de uma história escrita por mim. Nem pensava em voltar a escrever nessa época. Eu não sei por que me lembrei especialmente dele, pois não foi o único a que assisti trabalhando. A mídia só mostra o lado negativo da polícia, mas já tive oportunidade de ver vários policiais em ação e nem tudo é ruim. Algumas operações policiais foram ótimas, outras péssimas e, ainda outras, maravilhosas em inteligência e disfarces... de você olhar e se perguntar: Caramba! São nossos policiais mesmo?!

3. Por que você decidiu situar a trama de O Segredo da Senhora Greey numa localidade fictícia (Florentis) em vez de, como a maioria dos autores policiais brasileiros, ambientá-la numa cidade real, como o Rio de Janeiro ou São Paulo?

O primeiro conto com o detetive Sleiyver se passou no Rio de Janeiro. Sendo uma homenagem ao Dia das Mães e uma espécie de continuidade do conto, em O Segredo da Senhora Greey optei por manter a cidade real, que é a originária do personagem, e criar a fictícia, na qual pudesse impor a criatividade e a imaginação que todo escritor deve apresentar. De qualquer maneira, a "coisa" parece ter agradado bastante porque, afinal, a cidade do Rio (como muitas outras cidades do país), como se apresenta hoje lamentavelmente talvez seja irreal mesmo. Há cenas de realidade crua, mas outras parecem pura ficção, saídas da mente de algum escritor sarcástico. No fundo, no fundo, as duas cidades de meu romance são fictícias.

4. Como você analisa a Literatura policial produzida hoje no Brasil?

O braço brasileiro desse gênero não recebe apoio da grande mídia, mas nomes fortes, como o de Rubem Fonseca, conseguem se manter em boa evidência. Acredito que ele tenha aberto o caminho de fortalecimento para novos e jovens talentos da Literatura policial, como Alexandre Fraga (Quando os Demônios Vão ao Confessionário); Vera Carvalho Assumpção, que lamento não ter lido, mas sobre quem tenho excelentes indicações e elogios, principalmente a respeito de Paisagens Noturnas; e, outros que estão chegando e se revelando, como Rodrigo Capella, com o seu Transroca: o navio proibido, que será adaptado para o Cinema. É uma Literatura que tem muito para se expandir e também muito que aprender.

5. Já possui novos projetos? Pretende escrever novos livros protagonizados pelo detetive Sleiyver?

Sim. Embarco em dezembro para o Canadá onde irei divulgar o livro biográfico Amor de Artista projeto que apresentei a um empresário do ramo musical da comunidade portuguesa canadense. E também divulgarei O Segredo da Senhora Greey e a antologia Margens do Atlântico (Editora Abrali) que participei com um miniconto da infância do Sleiyver, As Lágrimas de Zelão. Quanto a projetos futuros com o Sleiyver, já tenho pronto o conto Antônio Jesus, Antônio Pedro e Paulo César. É a história de três amigos, inspirada na Semana Santa, que discute a importância da doação de sangue. Uma obra pós-moderna que fala de amizade, respeito e de se doar por inteiro. Devo publicar no próximo ano em parceria com um instituto de hematologia. Outros projetos são: dar nova roupagem a O Assassinato no Alto da Boa Vista, juntamente com Serg Smigg, escritor e atualmente meu editor e revisor; Bernardo, o Bonsai & Isabele, que aborda o tema das drogas; Eu Não, que fala sobre violência doméstica e mais especificamente da violência contra a mulher; Água e Fogo, uma agradável discussão sobre pais e filhos, todos contos com dez capítulos cada. Os dois primeiros serão narrados pelo detetive Sleiyver; já Água e Fogo é a própria história do detetive em que, enfim, vou revelar aos meus leitores mais ansiosos quem é o grande amor a que a Sra Greey se referiu no livro... E aí eu encerro minha história de um projeto literário com o personagem.

6. No que a internet auxilia o seu trabalho como escritora?

Eu já faço divulgação cultural desde 2000 e jamais imaginei que fosse escrever contos em meus sites e blogs. Isso me ajudou muito porque eu já era conhecida em São Paulo antes de lançar O Segredo da Senhora Greey. A maioria dos meus leitores do blog era de lá. Depois, fui abrindo meus horizontes para outros estados e para o exterior, como Portugal, Angola e Canadá. Hoje, muitas pessoas já ouviram falar de Elaine Paiva. Nem todos sabem que se trata de uma escritora, mas, de alguma forma, a semente foi plantada.

7. Como você avalia o mercado editorial brasileiro?

Embora tenhamos escritores de muito talento e criatividade, estamos longe de ser um mercado equilibrado, justo, exportador e de igualdade. Muitos, ou a maioria, ainda pagam editoras - prestadoras de serviço - para publicar suas obras, sem a menor expectativa de futuro dentro da Literatura nacional. E outros, quando conseguem uma editora, muitas vezes não chegam ao conhecimento dos leitores. O Brasil é um país que lê pouco. As escolas não inovam e continuam incentivando a leitura de forma equivocada. É preciso que essa discussão vá para dentro das salas de aula. Sou a favor da democratização da Literatura nas escolas, onde os alunos escolheriam os livros. Poderia ser assim: em um bimestre, a escola deixaria eles escolherem entre três autores de nossa História e, no outro, eles próprios escolheriam o autor que desejassem, sem interferência da escola para fazer um trabalho ou uma prova. Penso que os alunos ficariam mais incentivados dentro de sala de aula. Além do mais, o livro no Brasil é caro e a mídia só divulga os mais famosos, que a maioria das pessoas já ouviu falar, mas muitos nunca leram uma obra desses escritores. Ainda temos muito que amadurecer em nosso mercado, mas é preciso buscar novas alternativas para um dia ter um mercado editorial digno para os escritores e acessível ao povo brasileiro, no qual o leitor se sinta atendido em suas expectativas quanto à qualidade, preço e conteúdo. E o escritor incentivado a criar mais e mais, e respaldado pela mídia e pelas editoras quanto à construção e manutenção de seu nome perante o público.

Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 1/8/2006

 

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