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Quinta-feira, 10/8/2006
A terra das oportunidades
Marcelo Maroldi

A terra das oportunidades. São Paulo é a terra das oportunidades! (Quase) Todo mundo diz isso, não é verdade? Até a televisão diz isso, às vezes. Aliás, ontem mesmo um amigo meu me disse isso. Ele até tinha algo melhor a me dizer, mas optou pelo chavão mesmo, acho que foi mais fácil. Quem diz isso pode nem acreditar nessa afirmação, mas diz. Sempre. E de novo. E mais uma vez. Não está muito bem na metrópole, mas diz. Quer voltar, mas não pode, seria a aceitação da derrota. É aquela sensação inconsciente de que, se eles estão na terra das oportunidades e fracassam (ou não exatamente venceram como gostariam de tê-lo feito), eles jamais deverão passar essa imagem para os outros. É a terra das oportunidades, onde "se vence na vida", portanto, eu também venci. E o que você está esperando que não veio pra cá?

No dia anterior a frase do meu amigo, havia assistido na GNT o programa Me poupe (segunda, 22hs), bastante interessante, aliás. Nele, havia um careca que tinha um excelente emprego em uma multinacional, provavelmente em nível de diretoria, gerência, algo assim, e que decidiu, durante sua lua-de-mel, que não voltaria mais para a empresa. Chega! Lá eu não volto mais. Abriu um café numa região da cidade de que gostava muito e hoje ganha metade do que ganhava na multinacional, mas exibe um sorriso que me deu uma inveja tremenda. Pecaminosamente, invejei aquele careca feliz. O bolso mais vazio, o coração mais cheio. Eu fiquei pensando naquilo, e na bendita terra das oportunidades. Estive pensando em uma coisa que um ex-colunista do Digestivo Cultural certa vez escreveu por aqui, eu lembro. Disse o tal colunista que uma das coisas que ele mais gostava na terra das oportunidades eram os restaurantes, e que ele ia jantar fora de casa pelo menos três vezes por semana. Restaurante chinês, japonês, árabe, coreano, sei lá... Cara de sorte, gasta em jantares o que metade da população não ganha no mês. Terra das oportunidades. É, oportunidades...

Já que eu estava lembrando de todo mundo mesmo e uma coisa puxa a outra, recordei o que me disse neste mesmo dia um outro amigo meu. Disse ele que queria paz, queria uma vida sossegada no interior e que não precisava de dinheiro, não de muito, apenas o suficiente para ter alguns poucos confortos. Terra das oportunidades? Não, obrigado. Eu não preciso de muito, as oportunidades que tenho já me servem.

Que diabos as pessoas entendem por oportunidades? Oportunidade de ter dinheiro?, de ter cultura?, de ir a famosas casas noturnas?, de fazer compras?, de terem maior liberdade sexual sem represália?, de ter o que, afinal? Ou é tudo isso? Ou não é nada disso? Infelizmente, quando falamos de oportunidade nesse país pobre, falamos de uma oportunidade de emprego (e nem precisa ser bom), basicamente. É a isso que se refere a famosa expressão terra das oportunidades. Mas, de modo geral, o que é uma terra de oportunidades? O que se encontra nela? Como ela se torna de oportunidade para uns e para outros não?

Depois disso, descobri que eu não sei o que é uma terra de oportunidades e que todas as oportunidades que apareceram até hoje em minha vida eu mesmo garimpei e sozinho as encontrei, longe de qualquer terra. E que de quase todos os meus amigos que moram na famosa terra das oportunidades, nenhum deles nunca visitou nenhum dos museus da cidade, por exemplo. Creio que eles nem saibam onde eles estão. A terra das oportunidades para eles se tornou o lugar onde se arruma o dinheiro com o qual se compra um bom carro, uma boa casa e te leva pra jantar três vezes por semana. Isso é oportunidade para a grande maioria. Quase que de modo absoluto, a felicidade das pessoas tem uma relação íntima com o dinheiro que elas ganham. É claro que ninguém admite isso, mas assim o é, de fato. Uma pesquisa de uma universidade prestigiada descobriu que, entre uma população pobre, a felicidade tem um fortíssimo relacionamento com o dinheiro, mas que depois que esta população melhora de condição financeira, esta relação começa a ficar estremecida. Isto é, quando se tem pouco dinheiro, tem-se a idéia de que é ele que te trará felicidade, mas quando já se o tem, vê-se que o buraco é mais embaixo.

Uma coisa que todo mundo sempre esquece é da oportunidade de se tornar uma pessoa melhor. Essa é a oportunidade mais desperdiçada em todos os tempos na história humana. A oportunidade de ler mais livros, de assistir mais filmes, de dizer mais obrigados, eu te amo e como vai? A oportunidade de ajudar quem precisa, de se dedicar mais aos estudos, de fazer um trabalho melhor na sua empresa. E para quem acredita em Deus, a oportunidade de se aproximar mais dele. Se São Paulo é o centro econômico do nosso país e que produz riquezas e gera empregos, isso é verdade. Muitos enriquecem aqui? É verdade. Muitos se tornam famosos aqui? É verdade. Muitos adquirem educação e cultura aqui? É verdade... Tudo isso é verdade, senhores. Eu apenas não consigo entender como 90% dos seus habitantes não têm nenhum acesso a nada disso e esta terra ainda continua sendo chamada de a terra das oportunidades.

Marcelo Maroldi
São Carlos, 10/8/2006

 

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