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Segunda-feira, 28/8/2006
Sobre palavras mal ditas
Rafael Rodrigues

Não foi fácil tomar a decisão de escrever este texto. Eu não gosto de falar mal de ninguém, não sou disso. Ainda mais publicamente, e com o alcance que têm os textos publicados no Digestivo. Isso pode ser o início de uma polêmica chata e boba, que eu poderia evitar, se me calasse.

Não sou escritor. Talvez, quem sabe, um dia venha a ser. Mas agora, não. Tampouco sou um crítico literário. Ainda não. Daqui a algum tempo, com certeza. Mas me falta ainda muita experiência, muita leitura, muita estrada. Respondo a alguns poucos que chegam a me dar tal alcunha dizendo que sou um "recomendador" de livros. Eu recomendo livros que gostei de ler e que considero bons. É isso o que faço. Nunca dediquei uma resenha a um livro que não tenha gostado.

É claro que nem tudo que gostamos, é bom. E nem tudo que não gostamos, não é bom. Um exemplo: tentei ler dois livros de João Ubaldo Ribeiro, bom baiano, meu conterrâneo. Mas não consegui passar das primeiras páginas. Não gostei, e pronto. Decidi que não tentaria mais ler nada dele. A não ser as crônicas. Romances, não. Mas posso dizer que João Ubaldo Ribeiro é um escritor ruim? Quem sou eu para dizer isso! João Ubaldo é um dos maiores escritores do país, autor de alguns romances já considerados clássicos de nossa literatura. O máximo que posso dizer é que não gostei do pouco que li dele, mais nada.

Agora um exemplo de algo que gostei, mas dizem por aí que não é bom: Paulo Coelho. Há alguns anos li "O diário de um mago", com o propósito de tentar descobrir por que minha namorada admira tanto o mago. A história do livro é boa, não se pode negar isso. Não é uma obra-prima literária, não tem uma escrita primorosa, mas é melhor que muita coisa que anda sendo publicada por aí...

Mas então. Eu ia dizendo que não gosto de falar mal de ninguém. Disse isso porque, pela primeira vez, me sinto na obrigação de criticar uma pessoa. Queria que fosse um livro, mas não, é uma pessoa.

Antes da crítica, mais uma explicação.

Já dizia Ezra Pound que os escritores são as antenas do mundo (na verdade, a frase correta é "Os artistas são as antenas da raça"). O que ele quis dizer com isso? Que os escritores são aqueles que precisam estar a par do que acontece ao seu redor. Que também são aqueles que têm uma sensibilidade maior, e podem prever (leia-se sentir) algo que está por vir. Se é algo de bom ou de ruim, não importa. O que importa é que os escritores são aqueles que, se presume, detêm o saber. São inteligentes, cultos, dinâmicos, interessados, polivalentes. Ou deveriam ser. Os escritores são homens que, com suas palavras, podem mudar vidas.

(Para embasar as minhas palavras, fui até o ABC da Literatura, de Ezra Pound. Na introdução, Augusto de Campos, que também traduziu o livro, transcreve um trecho de uma outra introdução, do livro Os meios de comunicação como extensões do homem, também de Ezra Pound, escrita por Marshall McLuhan, na qual ele diz que "A arte, como o radar, atua como se fosse um verdadeiro 'sistema de alarme premonitório', capacitando-nos a descobrir e a enfrentar objetivos sociais e psíquicos, com grande antecedência.")

Sabendo dessa afirmação de Pound, e da explicação de McLuhan, fico assustado quando leio declarações estapafúrdias de escritores. Alguns deles parecem perder o bom senso, e desatam a falar e escrever besteiras. Ora, se os artistas são as antenas da raça, escritores não deveriam falar ou escrever bobagens, certo?

Mas eles falam. E escrevem. Coisas do tipo: "Torço para o futebol acabar", ou "Chico Buarque só fala m...." ou ainda "o presidente da república é um débil mental".

O autor das afirmações acima é um escritor brasileiro. Ele faz parte da nova "geração de escritores", dos ditos "novos autores". Eu tentarei, humilde e respeitosamente, rebater tais afirmações.

A primeira: "Torço para o futebol acabar". De longe, a mais fácil de ser contra-argumentada. Por mais que alguns torcedores - vândalos e marginais, na verdade - causem estragos, cometam atos de vandalismo, e briguem entre si, colocando em risco pessoas de bem que vão aos estádios com a melhor das intenções, o futebol é bem maior do que isso. O futebol faz parte da cultura não só brasileira, mas do mundo. É o esporte mais popular e mais rentável do planeta. O futebol movimenta centenas de bilhões de dólares ao redor do mundo e é o sustento de centenas de milhares de pessoas. Definitivamente, torcer para o futebol acabar não é uma boa.

A segunda: "Chico Buarque só fala m...". Quem já viu ou leu uma única entrevista do Chico, sabe que isso não é verdade. Em uma delas, ao ser perguntado sobre as críticas sofridas pelo governo Lula, Chico diz: "Acho que há um desrespeito ao presidente Lula. Há um componente, sim, de preconceito de classe muito forte. As pessoas não diriam 'vagabundo', 'burro' e 'imbecil' para um professor como Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e poliglota, ou mesmo para um representante da elite nordestina como o Collor. As pessoas se dão ao direito de se referir ao Lula dessa forma. Esses preconceitos estão arraigados. Dizem: 'Nós lhe prestamos um favor, para você ocupar o palácio por um tempo. Como não se portou direito, vai embora'. Isso é grave." Essa declaração pode ser chamada de "falar m..."?

E vamos à terceira: "o presidente da república é um débil mental". Faço minhas as palavras de Chico Buarque: "As pessoas não diriam 'vagabundo', 'burro' e 'imbecil' para um professor como Fernando Henrique Cardoso". As pessoas não diriam "débil mental" para FHC. Ou diriam? Se sim, não deveriam. Por pior que seja um governo, por pior que seja o presidente, não se deve ofendê-lo dessa maneira. Há de se respeitar o cargo. E há de se respeitar o cidadão que foi eleito para governar o nosso país. Não importando quem ele seja. Sendo o presidente um corrupto, e sendo isto comprovado, aí sim, poderíamos até chamá-lo, em conversas acaloradas, de ladrão. A ofensa gratuita é um crime, pois pode ser considerada como calúnia ou difamação. Além de ser desnecessária.

Fiquei triste ao ler essas frases, de autoria do escritor Marcelo Mirisola. Eu queria muito ler Joana, a contragosto, romance dele publicado em 2005, ou algum outro livro de sua autoria. Mas depois das declarações que li, minha vontade de ler seus livros diminuiu. Sei que não se deve misturar a vida pessoal de um artista ou suas opiniões e declarações com sua obra, mas isso às vezes acaba acontecendo.

Não digo que nunca lerei um livro do Marcelo Mirisola. Mas agora eu só compro um se eu achar em um sebo. E bem barato.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 28/8/2006

 

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