busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Quarta-feira, 20/9/2006
Confissões de uma ex-podcaster
Tais Laporta

O podcast ainda não pegou no Brasil. Pelo menos, se comparado aos blogs, ao Orkut e, recentemente, ao YouTube (verdadeiras febres virtuais). Da forma como foi anunciado - uma "revolução da transmissão sonora" - até cheguei a acreditar que ele tomaria meu tempo tanto quanto os e-mails e sites de notícias.

Ingênua ilusão. No começo, a novidade carregou uma torrente de adeptos que, no entanto, se perdeu no meio do caminho. Somente um grupo fiel ainda aguarda o estouro dos podcasts por aqui. Mal há tempo para previsões na internet. Ela é tão alucinante, que engole as próprias ondas que cria.

Para ser revolução, o assunto precisa virar conversa de bar. Mas podcast ainda é palavra de extraterrestre no Brasil, ao contrário dos EUA, por exemplo. Lá, a transmissão de conteúdos pela tecnologia RSS estoura nas mais variadas formas. Grandes empresas como a BBC e CNN já criaram seus próprios podcasts para atrair o público. E atraem mesmo.

Por que aqui não? Talvez outra pergunta responda: por que lá fora o Orkut não deu certo? Nossos interesses nem sempre estão em sintonia com lugares onde tudo acontece "primeiro". Ainda gostamos do mais acessível. Caso contrário, não estaríamos engordando os cofres da TV aberta.

Primeiro e último programa - Não é difícil criar um podcast - basta uma dose mínima de recursos e boa vontade - mas o caminho pode ser tortuoso para quem não está em dia com seu computador. Sou exemplo dessa empreitada. Iniciei meu primeiro programa com reconhecida empolgação: a idéia era fazer um semanal com dicas culturais gratuitas em São Paulo.

Batizei meu podcast de Estação da Cultura. Pronta para gravar o segundo programa - com roteiro pré-definido - abandonei o barco, logo em seguida. Não por desinteresse, mas por incompatibilidade entre minha máquina e programas de edição de áudio.

Há bons recursos gratuitos deste tipo na internet, fáceis de usar, inclusive. Instalei todos que encontrei, na tentativa de salvar minha programação, mas tudo o que consegui foi um computador quebrado. Não quero, contudo, desanimar os iniciantes. É importante apontar que o PC já estava ruim e que nunca conheci um caso igual entre outros podcasters.

Eles elogiam, por falar nisso, os editores de áudio disponíveis. Se não houvesse esse inconveniente técnico, talvez tivesse levado o projeto adiante, ainda que não houvesse ouvintes - quem sabe ainda volte a me aventurar. Independente da aceitação da audiência, o estimulante é produzir. Afinal, ouve quem quer, e não há anunciantes para dar satisfações.

Ressalvas - Não é tão verdade que os podcasts podem ser ouvidos por todos, em qualquer lugar. Talvez para o "tecnófilo" antenado, que carrega seu iPod ou tocador de MP3 para todo lado. Mas para a maioria dos brasileiros, ainda é caro transportar podcasts e outras virtualidades por aí, como se carrega uma sacola.

Os iPods - principais armazenadores dessa tecnologia, da Apple - por incrível que pareça, ainda são artigo de luxo no Brasil. Circulam no metrô, por exemplo, como objetos de cobiça. São verdadeiros desconhecidos para a senhorinha que os observa em um adolescente. Nas vitrines das lojas, seus preços ainda espantam os consumidores mais vorazes.

Nos EUA, ao contrário, é possível encontrá-los a preço de banana em qualquer saldão de farmácia. Como o fenômeno da "sucatização" dos iPods ainda não passou por aqui, o tradicional rádio ainda é o mais acessível e baratinho - e que, a um clique, pode ser ouvido em qualquer lugar, a qualquer horário.

Por isso, não é o fim do rádio nem aqui, nem lá fora. A popularização dos podcasts não fará com que as emissoras AM e FM desliguem suas antenas num futuro próximo. Se o rádio coube ao lado da televisão, por que não dividir espaço com os podcasts?

O lado bom - Os podcasts são fascinantes pelo que proporcionam, principalmente aos amantes do rádio: permitem, teoricamente, que cada um seja senhor de sua própria transmissão radiofônica. Do outro lado, o receptor-ouvinte é livre para escolher o que escuta, dentre uma imensa variedade de temas.

Muito conteúdo interessante circula nos podcasts brasileiros e internacionais. O mais difícil, eu diria, é separar o joio do trigo. Há produções com ótimos temas, mas qualidade sonora péssima. Ou ao contrário: mega efeitos especiais e uma baita falta de assunto. Enfim, quem pesquisar bem, encontra de tudo.

O que comanda as programações é o ecletismo. Quer encontrar uma rádio italiana que toca MPB? Tem. Quer ouvir um grupo de nerds americanos discutindo astronomia? Tem também. É comum chegar de pára-quedas a esses podcasts excêntricos, mas para ir direto ao assunto desejado, a dica é abusar das ferramentas de busca.

No iTunes - tocador gratuito de MP3 e podcasts, também da Apple - uma galeria divide os podcasts por grupos: cultura, religião, turismo, negócios, humor, entre outros. Ou então, aos moldes do Google, um espaço permite digitar a palavra-chave para que surjam todas as produções com a referência pesquisada.

Quem busca bons podcasts brasileiros, pode encontrar no Podcasting Brasil um bom guia de produções customizadas: entretenimento, cultura, marketing, negócios e eventos estão nesse universo. Empresas como a IBM, Cyrela, Tecnisa, Pátria Publicidade, HSM, Meio & Mensagem, ESPM e FGV já aderiram à novidade.

As produções trazem conteúdo inusitado e boas entrevistas. Mas é interessante conhecer, também, podcasts independentes, que surgem do total anonimato. Destaco um norte-americano interessante: Word Nerds, produzido semanalmente pelo casal Dave Shepherd e Barbara Shepherd, de Washinton DC. Sem burocracias nem formatos definidos, eles mantêm um diálogo informal sobre os fenômenos de linguagem e cultura, com ótima qualidade sonora.

Ouvir um podcast é bem mais fácil que produzi-lo. Acredito que o brasileiro ainda consome bem mais do que cria, em proporção aos EUA e países da Europa. Mesmo assim, ainda consome pouco. Ouve e comenta muito pouco. Em termos de popularidade, creio que está longe de chegar ao patamar dos blogs.

Mas a novidade é interessante e não vai morrer. Já conquistou uma clientela seleta, porém fiel. E os dispostos a se aventurar pelos podcasts podem descobrir mais um universo fascinante que a internet propicia. Quem sabe se animem, também, a produzir seu próprio programa sonoro?

Tais Laporta
São Paulo, 20/9/2006

 

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês