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Segunda-feira, 25/9/2006
Eleições: democracia como um falso slogan
Jardel Dias Cavalcanti

"Democracia é o direito que temos de escolher quem vai nos enganar"
Elias Canetti em Massa e Poder

Afinal de contas, será que ao elegermos um entre os vários candidatos que estão aí, estaremos realmente elegendo quem vai nos representar ou, ao menos, quem verdadeiramente desejamos que nos represente? Não.

Os candidatos que se apresentam como nossos futuros representantes foram escolhidos por nós para serem nossos candidatos a nos representar? Não.

Se mesmo não sendo candidatos escolhidos por nós para nos representar decidimos escolher um deles como nosso representante, será que ele poderá representar nossos interesses num quadro social onde quem manda é o poder econômico e não mais o poder político? Não.

Nós acreditamos em fantasmas. E apesar de todas as informações sobre a jogatina do poder que temos tido, desde O Príncipe, de Maquiavel, até Como iludir o povo com falsos slogans de liberdade e igualdade, de Lênin, dentre tantas obras políticas, caminhamos como cegos, assoviando no escuro para não ficarmos com medo de assombração. Mas, como ensinou Freud, assoviar no escuro afasta o medo, mas não acende a luz. Explico no próximo parágrafo, para não soar tão esotérico.

As eleições nos dão uma falsa sensação de controle da situação social na qual estamos metidos. É como assoviar no escuro. Essa sensação é como uma droga produzida nos laboratórios do sistema republicano em que vivemos e que nos é vendida a baixo preço como uma idéia de que estamos com as rédeas nas mãos, realmente escolhendo nosso presente e nosso futuro. Precisamos dessa ilusão para não nos metermos em ações desesperadas e perigosas. Votar, então, é preservar a nossa vida e o atual sistema de dominação, dentro de uma fantasia meio gasta, mas ainda assim necessária(?) da crença na ação política. É como a religião, nos protegendo do medo do absurdo da existência, nos dando respostas para o que não tem resposta. Não acendemos a luz, mas o som doce e musical de nosso assovio nos dá uma paz anestesiante no escuro. Paz de cemitério?

Vamos descer mais baixo. E os candidatos, afinal os fatos falam por si. Se usarmos nosso bom senso de observação das patéticas aparições desses seres o que temos como expectativa? Uma sensação de circo dos horrores! Não vou perder tempo falando de nenhum deles, eles falam por si mesmos e a imprensa tem falado diariamente e exaustivamente deles e eles ainda se exibem para nós com suas risíveis palhaçadas em nobre horário político televisivo. Basta!

A opção única que temos: escolher dos males o menos pior? Se esse é o princípio que norteia nossas decisões políticas, porque não temos culhões para rejeitarmos as alternativas imundas, que controle realmente temos sobre nossa existência social? Nenhum.

O que nos resta? O direito de dizer não a todos eles? Mas, ainda assim, não estaremos participando do circo montado por eles? E, afinal, que circo é esse? O da falsa idéia de que a representação política ainda tem sentido hoje em dia. A idéia mórbida de que votando em alguém estaremos garantindo um direito democrático de participação no jogo social.

No fundo gostaríamos de ter outros candidatos, melhores do que estes que temos agora, pois, ingênuos que somos, acreditamos que o problema é o dos candidatos e não o da situação histórica contemporânea: do fim da política como instância representativa do cidadão. Não foi só o sindicato que sofreu abalos nos últimos anos, perdendo sua força social e seu poder de representatividade, foi a própria noção de política que mudou face ao novo modo de organização econômica capitalista. Mas parece que ninguém percebeu.

Será que não estamos cientes de que estamos sendo enganados com mais uma velha história que mais parece um cadáver que não acaba de morrer nunca? Maquiavelicamente, o poder econômico financia a política como quem, para não perder o braço, oferece um pedaço do dedo.

Não é hora de começarmos a pensar em outras formas de se fazer política? Ou ao menos questionar essa que aí está.

Nunca tanta sujeira foi exibida em tão pouco tempo. Não se assuste, portanto, a nossa burguesia se daqui a alguns poucos anos candidatos do PCC se imporem à cena política e se tornarem a melhor opção de voto para o povo brasileiro. É melhor que percam logo o braço e alguma perna para não perderem a cabeça. Os subúrbios ainda vão gritar, e bem mais alto do que se imagina, sobre os muros de seu isolamento social.

Parece que na atual conjuntura eleitoral talvez a única questão realmente interessante é se perguntar se a foto do Enéas na cabine de votação virá com a sua barba ou sem ela. Rir não é o melhor remédio?

Temos que nos perguntar ainda mais uma coisa: afinal, se o cheiro que estamos sentindo é o da podridão e a forma que enxergamos é a do grotesco, que país está sendo espelhado em nossa realidade política?

Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 25/9/2006

 

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