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Sexta-feira, 29/9/2006
Domingão de eleição
Daniela Castilho

Até a eleição do atual presidente, a minha rotina de eleições era mais ou menos a mesma: acordar, ir votar perto de casa, voltar e almoçar em família, vendo a programação do domingão com o maridão e a familiona.

Tudo mudou.

Primeiro, já há três anos estou divorciada. Já aconteceram mais eleições desde então, mas nem me lembro do quê. Prefeito? É possível, porque ainda me lembro da cidade de São Paulo inteiramente à mercê de obras faraônicas realizadas às pressas com intuito eleitoral, transformando a cidade em um imenso canteiro de obras com britadeiras à meia-noite em plena avenida atolada de caminhões. Passada a eleição, ficaram montanhas de entulho e partes de avenidas não terminadas.

Eu não assisto TV há mais de 15 anos, não acompanho eleições, não vejo horário eleitoral. Acho que estou ficando velha. Ainda me lembro quando votei pela primeira vez, emocionada porque era para o Diretas Já! - minha primeira eleição não foi pra presidente - foi? Acho que não... não lembro... mas pouco depois, votei direto para o cargo político mais importante da nação - não é? Ou o presidente da câmara é hoje quem manda?

Não lembro mais em quem votei; alguém aí lembra? Aposto que não. Brasileiro não rima com memória.

Meu avô era anarquista. Tinha lutado na Revolução de 32 e contava isso com muito orgulho. Meu pai era comunista - nossa, hoje em dia eu posso falar isso sem medo e numa publicação, como as coisas mudam! - meu pai foi coordenador musical na TV Cultura, foi amigo do Herzog - vocês lembram do Herzog? - e tinha muitos idealismos. Morreu em 1984, sem nem ter visto que Jânio foi prefeito de São Paulo. Ainda bem. Acho que ele teria tido uma síncope em ver Jânio eleito, assim como teria uma síncope de ver políticos falando que são trabalhadores, que vão fazer fome zero e defender os direitos da população, mas terminou tudo em pizza e mensalão.

Ah, desculpe, é mesmo, não é bem assim, é mentira da oposição, aqueles caras que já foram esquerda no Brasil mas hoje a outra esquerda diz que são da Opus Dei. Esqueci disso, hoje em dia todo mundo é de esquerda e diz que o outro é de direita, todo mundo acusa o outro de corrupção e jura que não é corrupto, etc. Complicado. Cansa. Não dá mais pra saber quem está mentindo ou não. E eu não quero brigar, então...

Mas graças às eleições e aos spams de internet que também envolvem política, recebi um e-mail do Sergio Amadeu, a quem admiro muito. Sergio está na minha lista do Orkut. Eu gosto de provocar meus amigos do Orkut com pensamentos, gosto de mantê-los bem informados sobre lendas de internet e hoax, gosto de mandar links que possam ser úteis, como o site que mostra políticos corruptos e coisas assim. Mas mandei um e-mail falando sobre a corrupção do partido errado para a pessoa errada. Valeu a pena porque o Sergio, que nunca tinha me mandado um e-mail sequer, mandou um e-mail para espinafrar a minha posição política. Eu me senti honrada. Pena que depois que eu respondi que eu ainda sou idealista, ele parou de me responder. Pena. Ao mesmo tempo, Sergio demonstra respeito e cavalheirismo parando de insistir em que a minha posição política está errada. Outros debatedores mais xiitas insistiram em me espinafrar até a exaustão quando mandei meu pequeno spam. Eu tive que cortar algumas pessoas do meu Orkut, pessoas essas que eu pensava que eram amigáveis, mas foi só discordar deles politicamente que eles me mandaram inflamados e-mails me chamando de estúpida pra baixo. Pena isso.

Eu não ligo que discordem de mim - e é engraçado como isso é tratado como erro. Ué, democracia não era o direito de pensar o que quiser e não me encham a paciência tentando me convencer do contrário? Achei que era. Parece que democracia é o direito que o outro tem de te agredir verbalmente porque você discorda dele. Ah, tá.

Pena que o Sergio Amadeu não continuou a discussão comigo, estava tão civilizado. Acho que são raras as pessoas civilizadas.

Infelizmente estamos no país do achismo, futebol, carnaval e da Cica-pelada-transando-na-praia, ou seja, até parece que eu tenho o direito de discordar de alguém. Tadinha de mim que sonho que tenho direito a opinião. Muitas pessoas, diferente do cavalheiresco Sergio, acham que discutir política é como discutir futebol e falam dos políticos como falam dos jogadores - o que, por sinal, acaba não sendo tão errado. Os jogadores foram à Copa, se preocuparam apenas em aparecer, ganhar seus milhões, fazer propaganda de si mesmos e... perderam a Copa. Mas continuam ricos e badalados. Os políticos...

Mas tudo mudou. Nesse próximo domingo eu vou votar perto da casa da minha mãe - eu mudei de endereço - vou almoçar com ela e meu irmão e vou depois esquecer eleição e políticos. Antigamente eu não esquecia. Mas antigamente eu tinha esperanças de que algum desses políticos poderia melhorar as coisas no país.

Daniela Castilho
São Paulo, 29/9/2006

 

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