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Sexta-feira, 27/10/2006
A difícil arte de fazer arte
Daniela Castilho

Eu mantenho um trabalho artístico desde 1996 em paralelo com as minhas atividades profissionais - na verdade, enquanto escrevo essa frase sou tomada por uma dúvida: quais são as minhas atividades profissionais? A impressão que tenho, em meio a quase dezoito anos de carreira é que tudo é paralelo a tudo. Na dura caminhada de trabalhar com produto artístico - se é que essa é uma boa definição - já fiz design gráfico, já trabalhei com livro e revista, já fiz cinema, vídeo, multimídia, internet. Falando nisso, quem não é multimídia hoje? Somos todos multi-utilidades, multimeios, multi-artistas.

Desde 1996, mantenho minhas artes online. Apesar de não ganhar dinheiro e vender muito pouco online, ao menos a minha arte está sendo vista - a internet me trouxe uma visibilidade que eu não sabia onde buscar. As galerias e escritórios de arte são praticamente inacessíveis para quem não tem dinheiro ou quem indique. O mercado da arte é um mercado fechado, que não se interessa por novidades, totalmente mercantilista.

Em 2005, graças à exposição na internet, eu fui convidada para participar da Bienal de Florença. O que eu mais precisava, na época do convite, era de orientação. Entrei no site da Bienal, li tudo que encontrei, vi as referências, o quem é quem. O júri contava com pessoas do Museu de Arte Latino Americana, do MAC (Museu de Arte Contemporânea) de São Paulo, entre outros museus. Parece-me uma Bienal válida, verdadeira, sólida. Entretanto, quando fui em busca de informações básicas - nunca expus em um evento desses, não tenho dinheiro para participar, não sei como ir, preciso de patrocínio, o que faço? - com pessoas do mercado de arte e possíveis patrocinadores aqui no Brasil, além de uma coleção de negativas - ninguém está interessado em uma artista que é totalmente inédita a não ser na internet -, escutei comentários cínicos do tipo "se você tem que pagar pra ir e eles não te pagam pra ir, essa Bienal não vale nada" ou "isso não é Bienal, é feirinha de arte".

Pode ser, mas então como expor no mundo real? Isso ninguém me diz.

Fui convidada novamente para participar da edição da Bienal de Florença de 2007 e adivinhem? Eu ainda não consegui informações que realmente me ajudem a participar, não tenho dinheiro para ir e não descobri se a Bienal de Florença é séria ou uma "feirinha de arte". Fica, por enquanto, a alegria de ter a minha arte reconhecida em algum lugar que parece ser "oficial".

Para o artista, expor seu trabalho é fundamental. É o início de tudo. É o objetivo de tudo. Arte é para ser vista. Entretanto, mesmo com a internet, a maioria dos artistas, especialmente os iniciantes, é invisível. Ninguém do mundo "oficial" se interessa por eles.

Uma grande amiga minha está trabalhando na Bienal São Paulo, a maior Bienal oficial que acontece no Brasil e uma das maiores bienais oficiais do mundo. Ela está correndo como em uma maratona, produzindo catálogos, verificando materiais necessários às exposições, organizando a montagem.

Graças a ela, fiz a diagramação do livro de contos/catálogo da artista baiana Virginia de Medeiros com edição limitada impressa pelo Eloísa Cartonera, projeto artístico, social e comunitário criado por um grupo de argentinos, que já publicou obras inéditas ou esgotadas de autores como Ricardo Piglia, Gonzalo Millán, e Enrique Linh. Talvez esse seja o único espaço que eu vá ter na vida em uma Bienal Oficial, quem sabe?

No Brasil, a arte, como o cinema, ainda é coisa pra ricos, os pobres ficam de fora.

Mas nem tudo está perdido, porque eu vou participar da Bienal Paralela da Xiclet. Enquanto a Bienal Oficial de São Paulo tem como tema "Como viver junto" (junto com quem?), a Bienal da Xiclet tem como tema "Como viver longe" e como sempre, é "sem-curadoria, sem-seleção, sem-juros, sem-jabá, sem-entrada e sem-patrocinador".

A abertura oficial da Bienal da Casa da Xiclet foi no dia 07 de outubro - com arte underground, popular e inédita de muitos artistas que nunca tiveram espaço, com cerveja, animação, agito, gente, tudo ali na Vila Madalena, aos pés de uma favela e próximo de diversas grandes produtoras cinematográficas. Xiclet sabe como viver junto com pobres e ricos, artistas inéditos e consagrados - alguns dos artistas que expuseram em sua bienal não-oficial são mundialmente reconhecidos, como Stuart Temple, jovem inglês muito badalado no mundo da moda.

Xiclet começou suas bienais em 2002 com o tema "Quero ser Nelson Leirner", com a participação de 40 artistas. O próprio Nelson apareceu por lá e levou alguns trabalhos para casa. Em 2004, Xiclet promoveu a "Bienal de C. é Rola", com a participação de 20 artistas. Em 2005 Xiclet promoveu uma exposição chamada "Quero ser Amigo(a) da Lisette", fazendo uma provocação à curadora da bienal-oficial de São Paulo, que apareceu para conferir. Ainda nesse ano, promoveu a Bienal MERcuSUL - numa paródia ao imenso mercado de arte do Mercosul. Sempre provocando o mercado "oficial" de arte, promoveu esse ano a "Feira 'Marginal' SP" para incluir artistas que foram rejeitados pela Feira de Arte oficial da cidade.

A Casa da Xiclet continua a ser o espaço mais democrático, mais livre e mais cultural da arte de São Paulo e já conta com "extensões": a Casa do Giuliano, Casa do Jailtão, a Let's Xic e a Galeria Favo. É nesses endereços todos, da Vila Madalena a São Mateus, que acontece a Bienal Paralela.

Nota do Editor
Daniela Castilho é designer, diretora de arte e assina o blog MadTeaParty, onde este texto foi originalmente publicado.

Daniela Castilho
São Paulo, 27/10/2006

 

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