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Terça-feira, 14/11/2006
Uma outra visão do jornalismo
Fabio Silvestre Cardoso

Quando, em setembro de 2003, fui efetivado como colunista deste Digestivo Cultural, sinceramente, não imaginava que, menos de dois anos depois, eu me tornaria o editor-assistente do site, numa ascensão não somente no âmbito profissional, como também no ponto de vista intelectual. Em 2003, como um jornalista médio, ingressei para o site acreditando que colocaria em prática aquilo que havia aprendido ao longo dos quatro anos de faculdade: em síntese, a prática de um jornalismo ligado aos ideais da profissão, um jornalismo isento e engajado. Como Gabriel García Márquez, à época de minha estréia, eu acreditava que o jornalismo era, sim, a melhor profissão do mundo. O que mudou de lá pra cá? Mudou tão somente a forma de ver as coisas.

De fato, essa visão romântica, quase ingênua, do jornalismo tinha muito a ver com a influência de meus anos de universidade. Para quem não estudou jornalismo, vai um breve histórico. Grosso modo, professores realçam elementos importantes da profissão, mas que não condizem muito com a realidade do chamado "mercado de trabalho". Para citar um exemplo, e sempre de maneira geral, os docentes buscam como modelo de redação jornalística os principais veículos de imprensa do país, apostando, assim, que os estudantes estariam melhores capacitados se soubessem as regras dos manuais de redação, que, por sua vez, não passam de cartilhas. Do mesmo modo, na universidade, os alunos criam determinados consensos em relação às publicações e a opiniões políticas. Assim, é fácil identificar os estudantes de jornalismo não somente por seu aspecto descolado, mas, sobretudo, por suas opiniões politicamente corretas sobre o estado das coisas. É a partir daí que ele, esse jornalista ainda em formação, pára de considerar o público um interlocutor interessante, preferindo, em geral, a opinião (ou o consenso) dos colegas, como se as idéias e as opiniões dependessem de uma eterna reunião de pauta. E comigo não era diferente até ingressar no jornalismo on-line via Digestivo Cultural.

O primeiro choque de realidade foi na redação dos textos. Nas minhas primeiras resenhas para o site, não foram poucas as vezes em que me perguntava por que cargas d'água eu tinha de escrever um texto tão longo, algo entre 5 e 10 mil toques (que hoje já não acho tanto), sobre um único livro. Como acabava de entrar para o site, ficava receoso de confrontar esse modelo logo de início, mas ainda assim me incomodava. Foi somente em um dos encontros entre os Digestores que, entre uma pizza e outra, lembro-me do Julio ter comentado sobre o fato de as resenhas serem excessivamente descritivas e curtas, quando, na verdade, havia tanto para se falar dos livros. Fiquei com isso na cabeça e vi que os modelos da imprensa-impressa não eram tão absolutos assim e que, na internet, era possível publicar textos com extensão e fôlego. Tudo isso porque os livros teóricos acerca de webwriting pregam o conteúdo mínimo e chegam ao absurdo de pregar parágrafos de três linhas. Por quê? Eu também fiquei sem resposta...

Pouco tempo depois, ainda conhecendo os colegas, lembro-me de ter lido um contundente texto do Eduardo Carvalho sobre os intelectuais. Em verdade, a história remonta ao mesmo jantar do parágrafo anterior. Acompanhe: Eduardo confidenciara que, em breve, escreveria um texto contra os intelectuais. Eu perguntei: quais? E ele, sorrindo, respondeu: "contra todos". Achei, a um só tempo, escarnecedor e instigante, mas não disse nada, justamente por não me sentir à vontade, vejam só o absurdo, para manifestar-me contrário a uma opinião que me incomodava. Em síntese: não quis polemizar. Foi só quando eu li o artigo, algumas semanas depois, que eu vi a importância da polêmica. Não digo a polêmica como um fim em si mesmo, mas a importância de um ponto de vista pessoal que, mesmo não sendo o da maioria, pode ser legítimo e genuíno. Talvez mais importante do que a isenção jornalística seja a sinceridade com os leitores, interlocutores e semelhantes. E num debate de idéias isso não só pode, como deve, ser estimulado. O consenso jornalístico, aquele da Copa do Mundo ou das Eleições, é nocivo para a tão proclamada diversidade cultural e pluralidade de idéias. Àquela lenga-lenga politicamente correta do jornalismo é preciso enfrentar com pontos de vista consistentes e claros, como aquele do Edu sobre os intelectuais ou este do Julio sobre os blogs dos jornalistas (ainda que eu discorde parcialmente deste último, mas isso é assunto para depois).

Outros exemplos poderiam ser citados (cobertura em Búzios, Rio das Ostras, Cuiabá; Concertos da Osesp; exposições de arte; etc), mas penso que este texto perderia seu foco (e sabe-se lá se já não perdeu), que é trazer um relato de um jornalista cujo batismo de fogo foi neste Digestivo. Em verdade, depois da experiência acadêmica, que considero fundamental, apareceu outra, tão importante quanto, nesta revista eletrônica. Qual das duas foi melhor?, qual das duas é mais necessária? Questões difíceis de serem respondidas com essa clivagem preto-e-branco. Prefiro dizer que a primeira não se consolidaria sem a segunda e que o repórter seria tão somente um digitador se não tivesse estudado. Ainda assim, foi no Digestivo Cultural que eu aprendi que o jornalismo está além de todas as expectativas de um estudante, principalmente se este estiver disposto a saber por que esta pode ser a melhor profissão do mundo.

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 14/11/2006

 

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