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Segunda-feira, 11/12/2006
Lembranças de adolescente: crescendo na internet
Camila Martucheli

Em um belo sábado de temperaturas elevadas, com algum vinho correndo nas veias e nenhuma proposta para a noite, proponho-me a recordar daqueles dias a espera das doze badaladas, daquelas semanas esperando as 14 horas de sábado, dos domingos infindáveis depois da missa. Daquelas horas despendidas à frente da tela do computador que, na maior parte do tempo, mostrava a sala de bate-papo da UOL.

Lembro-me bem das sensações daquela época, da novidade, dos inúmeros nicks (pseudônimos) que tive, os quais variavam apenas a segunda palavra. Na internet, sempre fui Shelly. A princípio Shelly Webster, em virtude do filme de Alex Proyas, O Corvo, Shelly Gunner, quando alucinada pelo Guns N' Roses, Shelly Metal, quando enveredada pelos caminhos do heavy metal e Shelly Gothic, assim que me estabilizei como amante do ultra-romantismo. Hoje, apenas Camila.

Eu era uma daquelas adolescentes nerds, sempre entre as melhores da classe, o orgulho do papai, mas a excluída da turma. Com 15 anos, as mudanças biológicas ficaram evidentes, as fotos mais bonitas e as idéias começaram a variar. A internet me abriu o mundo, enquanto meu pai me prendia naquele apartamento. A minha vida social foi transportada para aquela sala de bate-papo na qual eu reinava absoluta; a sala de bate-papo da cidade de Contagem, no portal UOL. Este era o ponto de encontro de todos os amigos, inimigos e amores que eu fiz naquele princípio do século XXI.

No início, fiquei maravilhada. As pessoas falavam comigo, eu era alguém naquele emaranhado de nomes engraçados e estranhos. Meu primeiro amigo era um fã do filme O Corvo, ele se tornou o meu Eric Draven, mas como eu ainda não tinha conhecimento da existência do ICQ, ele se perdeu na rede e nunca mais o encontrei. Enquanto fazia amizade com as pessoas da sala de bate-papo, em torno de 30 que freqüentavam assiduamente, fiquei interessada por um garoto. Vale lembrar que naquela época não havia câmera digital, então, ele pediu e eu resolvi enviar uma foto minha pelo correio. Que ingênua!

Duas semanas depois, por coincidência, conversava com outro garoto na mesma sala, o qual depois das perguntas clássicas - nome, bairro, como você é - chegou a conclusão de que era eu a garota ruiva da foto que havia circulado entre todos os seus amigos. Até hoje, não cheguei a conhecer o garoto a quem enderecei minha foto, mas o seu amigo não parava de me ligar. Sim, eu dava meu telefone residencial na internet. Tinha 15 anos, era a inocência em pessoa.

Mais alguns telefonemas até resolvermos nos conhecer, e foi desastroso. Ele se descrevia como um garoto de 16 anos, um ano mais velho que eu, alto, moreno de olhos verdes. Marcamos um encontro no shopping, o lugar mais próximo que meu pai me deixava ir tranqüilamente. Nesse dia, fomos eu e uma amiga e eis que estamos na praça de alimentação e me chegam dois garotos gordinhos. Oh, céus! Não era nada daquilo que eu imaginava, e ainda por cima descobri mais tarde: o garoto era um ano mais novo que eu. Em alguns dias o dispensei pelo chat. Soube tempos depois o quanto ele havia falado bem de mim antes da dispensa e o quanto falou mal depois. Tudo aconteceu enquanto Shelly esteve on-line.

Essa foi apenas a primeira história, pois a sala de bate-papo estava crescendo e o círculo de amizades virtuais aumentando. Chegamos num ponto em que todos ali se conheciam virtualmente, e decidimos marcar encontros no shopping. Durante as conversas intermináveis na sala de bate-papo, muitos romances nasceram e muitas mentiras também. Eu nunca menti na internet. Sempre fui a Shelly, ruiva, de 1,75 m, olhos castanhos, na época com 15 anos.

Quando esses encontros começaram eu estava interessada por um garoto com quem havia conversado até altas horas da madrugada e que era dois anos mais velho que eu (insisto na idade porque era um quesito importante na hora de teclar com alguém). Então, marcado o encontro com todos do chat, fui para conhecê-lo. Como me decepcionei! Ele não falou comigo, ficou mudo diante de minha presença, mas havia outros garotos nesse encontro, e eu era a única menina. Eles me distraíram e nesse dia eu comecei a me destacar naquela sala.

A partir do momento que as pessoas se dão conta de que aquele simples nick é uma pessoa real, tudo muda. Era só eu entrar na sala e era bombardeada por mensagens até de quem eu nunca havia teclado, com isso, fui aumentando meu círculo de amizades. No primeiro encontro compareceram cerca de oito pessoas, já no segundo foram umas 30. Lembro-me que horas depois desse primeiro encontro, o garoto mudo voltou a falar, ou melhor, a teclar. Disse o quanto havia gostado de mim e que gostaria de manter um relacionamento. Sinceramente, não entendi. E como não havia gostado da aparência dele, joguei-o para escanteio.

Com o tempo, já éramos um grupo de mais de 60 pessoas, das quais todas se conheciam, então começaram os problemas. Os grupos começaram a virar clãs, mas eu não fiquei de lado algum, pelo contrário, passei por todos: o grupo dos mauricinhos, dos metaleiros e dos nerds. Envolvi-me com muitas pessoas on-line e a vida que antes se restringia à internet se transformou na vida real. Eu achava o máximo aquelas tardes na praça de alimentação, com muitos amigos, alguns "ficantes", outros apenas idólatras. Quando voltávamos para casa, a primeira coisa que fazíamos era ligar o computador e escutar aquele barulhinho do modem conectando (lembrando que sábado a internet discada era bem mais barata, mas só depois das 14 horas).

Porém, no auge da minha fama, meu pai me deixou de castigo por três meses sem computador. Eu estava completamente viciada em teclar, teclar, teclar. Essa era a minha vida. Confesso que não achei a melhor solução, talvez se me libertasse um pouco. Mas não, acabei me trancando em meu mundo, e três meses depois, todos haviam sumido. Até meu ICQ haviam invadido (confesso que também brincava com invasão, por Telnet, FTP, SubSeven, era divertido!) e fiquei sem o contato de todos os meus amigos. A essa altura, já havia aprendido a lição.

Os encontros continuaram, mas a verdade é que depois de três meses de abstinência pela falta da internet, minha vida virtual nunca mais foi a mesma. A sala de bate-papo da UOL se transformou num ambiente cheio de lammers (aprendizes chatos de hackers), que enviavam Flood o tempo todo. Ela foi dividida em clãs que até hoje existem, e pasmem, alguns nicks daquela época ainda figuram por lá.

Mas eu saí de tudo isso, eu cresci, comecei a ter outra vida social. Contudo, confesso que foi na internet que conheci as pessoas mais interessantes que passaram e ainda estão na minha vida. Foram vários nicks pelos quais fui apaixonada, garotos que cheguei a conhecer, alguns tive um pequeno relacionamento e em seguida se quebrava o encanto, e até hoje sou conhecida como Shelly por pessoas daquela época.

Hoje, eu uso MSN, tenho mais de 300 contatos e garanto conhecer pessoalmente 90% dessa lista. Libertei-me das prisões da adolescência, da necessidade dos chats para ter uma vida social, mas, ainda assim, não conseguiria viver um único dia sem internet, sem ver os recados do Orkut, a caixa de e-mails e trocar uma ou duas palavras com um contato mais interessante do MSN.

São muitos os internautas que conheci, muitas histórias virtuais, mas não é minha intenção expor essas pessoas com histórias contadas de acordo com a minha versão dos fatos. Pois garanto que se você é meu amigo virtual e quer marcar um encontro comigo no shopping, eu irei, e poderemos conversar sobre todas essas experiências. Quem sabe, depois de um bom vinho, eu não possa contar os detalhes mais do que reais desse mundo que ultrapassa o virtual e as frias salas de bate-papo durante a madrugada...

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no blog Infinita Eloqüência, recém inaugurado.

Camila Martucheli
Contagem, 11/12/2006

 

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