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Quarta-feira, 26/9/2001
A crise da mulé
Paulo Polzonoff Jr

Daniela Mountain

Se você achou que o termo usado no título deste texto é ofensivo, melhor parar por aqui. Usei-o justamente com o propósito de afastar as mais exaltadinhas. Isto porque o texto a seguir contém alto teor de sexismo, se bem que nem contra nem a favor das mulheres. É o sexismo natural que o assunto evoca. O que pretendo - e volto a salientar isso mais tarde - é apontar para uma crise pela qual passam as mulheres de hoje em dia.

É ilusório achar que as mulheres estão por cima neste começo de século, como apregoam os manuais do neo-feminismo. As mulheres passam por uma crise semelhante à do homem, hoje despido de seu papel de macho provedor e confinado a um não-sei-que-função na sociedade do futuro, com suas promessas de clones, filhos perfeitos e vibradores de última geração. É uma crise que tem sua geração justamente na falsa liberdade de que dispõem as mulheres hoje em dia, graças aos movimentos revolucionários da década de 70. Filhas ou mesmo netas destes movimentos, as mulheres de hoje estão divididas entre seguir o comportamento liberal que lhes foi outorgado por herança recente ou dar uma guinada de volta às origens, ou seja, ao lar.

Pode parecer uma coisa machista dizer isso, mas não é. Nem uma nem outra decisão das mulheres aqui é julgada. Todas são, à priori, erradas, uma vez que geram crises. Ademais, num texto como este trata-se sempre de exemplos extremos, não cabendo aqui as várias nuances do tão sutil - e admirável - comportamento feminino. Aliás, vale aqui uma nota: este texto foi baseado num conhecimento empírico, numa exaustiva pesquisa realizada nos últimos dois anos e só agora devidamente tabulada.

Se não, vejamos. O primeiro objeto de pesquisa foi também o mais interessante. O espécime A era bela em seus 1,70 de altura muito bem distribuídos. Uma boca interessante foi o que, àquela época, mais me chamou a atenção. Além de, claro, aqueles olhos oblíquos de Capitu. Pois bem, A se dizia uma mulher liberal. Não era virgem desde os 14 anos - e se orgulhava disso. Apregoava a todas as mulheres de seu vasto círculo de influência os benefícios do esperma na pele. Seu discurso, contudo, no relacionamento, era outro; queria amor e carinho em suas formas mais piegas. Adorava um poeminha de amor, daqueles que rimam com dor. Este era seu lado preponderante, ainda que ela insistisse nas traições para afirmar o quanto podia se igualar aos homens.

Neste ponto interrompo o relato para reproduzir uma observação de um sábio amigo meu, que diz que o grande problema do feminismo é que ele só tende a copiar as coisas ruins que o homem fez ou faz. Entre estas coisas, a promiscuidade. (E-mails para este colunista não devem conter insultos.)

Voltando a A, clássica mulher em crise. Hoje, está namorando firme um homem que lhe dá poemas de amor (dor, dor, dor), que lhe dá sexo e, ao que me conta no telefone, como um homem que se vangloria da transa da noite passada, não liga a mínima para seus relacionamentos esporádicos com homens (e mulheres) anônimos pela cidade.

Claro que a minha constatação de que a mulher está numa crise tão grave quanto a do homem não pode vir de uma só mulher, com quem tive um relacionamento intenso, porém passageiro. Como contraprova temos C, que inexplicavelmente, neste texto, vem antes do B. C era um espécime mais baixo, com cerca de 1,50, e magérrima, ainda que tivesse as curvas bem demarcadas. Era um pocinho de hormônios prestes a explodir. Na minha mão, eu bem queria. C, contudo, tinha sérios problemas. Educada rigidamente, ao contrário de A, C reagia refratariamente ao sexo. Ainda que o desejasse alucinadamente, era fiel às tradições da família. Eu disse fiel? Minto. C tampouco era virgem. Tivera um relacionamento, apenas um, que lhe proporcionara o velho e ruim sexo doído que o segundo ou terceiro ou quarto namorados têm de curar. Apesar deste deslize (sic) causado pelo poço de hormônios, C era fiel às tradições de sua família. E, em seu idiossincrático conservadorismo, era como um monstro anacrônico, prestes a quebrar as jaulas que a aprisionavam. Pior para quem estivesse por perto. C, falsa puritana, cheia de culpas pelo hímen perdido, era o contraponto a B, que agora sim tem sua vez. Porque era de uma fidelidade absurda aos ritos que fizeram dela mulher, na acepção mais restrita - e machista - do termo, ou seja, um ser para ser tão-somente fecundado, depois de devidamente enlaçada pela eternidade do matrimônio infeliz, de grinalda-e-véu. (E-mails para este colunista não devem conter insultos.)

B, como eu dizia, era um contraponto a C. Não chegava a ser promíscua como A (pelo menos não apregoava isso), mas tampouco era recatada como a C. Não era também melosa como a A, nem sonhadora como C. Não era, a rigor, uma mulher, a não ser pelos trajes (adorava usar belas saias pretas que me deixavam maluco) e pelo sorriso maroto, em quem absolutamente tudo lembrava uma viúva machadiana. Em nossos momentos mais íntimos, contudo, ela dava mostras de não estar muito bem naquele papel de ser completamente auto-suficiente, tanto sexual quanto (quimera!) afetivamente. Logo, era de se supor que B não era um ser humano. A rigor.

Que dizer, então, de D, meus leitores e, principalmente, leitoras? Se considerava virgem, mas não era. Novamente cedera aos encantos de um louro malvado, que à força (sempre é à força?, pergunto) lhe deflorara (sic). Como resultado, dera uma guinada radical, convertendo-se a uma igreja evangélica. Quando ela por fim achou que eu deveria ter a honra de ser seu namorado, já estava convertida. Resultado: iria casar virgem comigo (sim, porque milagrosamente tinham-lhe restaurado a inocência perdida) - e logo.

Como não deve ter passado despercebido pelas leitoras inteligentes, a virgindade é um tabu que acompanha a mulher de hoje, em crise. Algumas tratam logo de se livrar da "membrana social" que tanto lhes aflige. Outras a preservam, mesmo que apenas em suas imaginações. Num texto antigo, dizia que à mulher só restava um tabu a ser derrubado: o da masturbação. Enganei-me, pois, já que a virgindade é ainda algo muito periclitante no mundo feminino. (E-mails para este colunista não devem conter insultos.)

Falei das mulheres em suas vivências pessoais, que são bastante frágeis como prova (se é que estou tentando provar alguma coisa) de que passam as moçoilas por uma crise existencial geral. Quero dizer, frágeis para quem não tem a mínima imaginação ou cuja imaginação está cheia de ranço sexista.

Ponto algo mais objetivo talvez sejam as ambições profissionais das mulheres pesquisadas. É neste âmbito que revelam toda a sua confusão neuro-hormonal. Divididíssimas entre a realização profissional e a pessoal, muitas mulheres acabam por viver uma dicotomia. E entre os dois pólos não enxergam a terra-de-ninguém que se convencionou chamar de felicidade. Ambivalentes, as mulheres acabam por escolher a profissão. Estas, como as senhoras. A e B, são pequenos monstrinhos loucas para serem as melhores em suas atividades, para se mostrarem melhores que os ícones masculinos ligados a suas respectivas áreas. Chegam à beira do ridículo, com sua falsa frieza. E com suas gigantescas carências genuinamente feminina, que escondem sob o pesado manto do contracheque. Por outro lado, temos as senhoras. C e D, ambas ligando pouco para o trabalho, monstros também por suas vivências elizabetanas, encarceradas no lar, sob os auspícios de um marido não-raro elizabetano também.

Às poucas mas felizes leitoras que aqui chegaram, revelo minha "matéria dos sonhos" para este texto. Não, não se trata de um caso de decepção amorosa recente, como já devem estar pensando aquelas que têm tufos de feminimo sob as axilas. É simplesmente o livro O Diário de Bridget Jones, cujo primeiro volume acabei de ler, movido pela comicidade do filme. Quis ver no livro uma aproximação com Partículas Elementares ou Alta Fidelidade, livros que revelam a falência do macho, assunto sobre o qual já escrevi. Fui feliz ao constatar que a mulher está, sim, tão em crise quanto o homem e que, muitas vezes, elas são mantidas vivas graças ao instinto materno, que a revolução sexual por um triz não aniquilou. Digo que fui feliz porque a leitura do livro não me foi vã, não que a constatação desta situação toda me deixe particularmente sorridente.

Assim, de mãos dadas com uma destas mulheres em crise neste domingo quase invernal na sempre instável Curitiba (daqui a pouco, vocês verão, há de sair um sol de semi-árido nordestino em filme de Glauber Rocha), de mãos dadas concluo que o melhor mesmo é esquecer as elucubrações de gênero, os sonhos de superioridade do homem sobre a mulher e vice-versa, as teorias sexistas que impregnam as conversas de bar, e vivermos juntos uma grande noite, ao som de Ella Fitzgerald cantando Cole Porter, embaixo de um cobertor de juras falsas (de ambos os lados) de amor.

Ah, antes que eu me esqueça: e-mails para este colunista não devem conter insultos.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 26/9/2001

 

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