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Sexta-feira, 25/1/2008
Mínimas
Ana Elisa Ribeiro

Vende-se um curso de datilografia
Ainda na década de 1990, meu pai insistia em dizer que era absolutamente necessário fazer um curso de datilografia. Ganhei uma revistinha ilustrada que me dizia como me tornar datilógrafa em algumas lições, a depender da minha disciplina para levar adiante os exercícios. SDF sei lá. Não me lembro mais da seqüência batucada à exaustão. Meu sabido pai, que era exímio datilógrafo, jurava que aquilo seria necessário, que no mundo do trabalho qualificado ninguém viveria sem ser datilógrafo. Ele não imaginava que, em poucos anos, a máquina alaranjada dele viraria peça de museu, curiosidade para o neto. E nem que os teclados de computador, mesmo que semelhantes aos das máquinas, tomariam conta do mundo e dos escritórios. E nem que digitar é uma premissa. E muito menos que eu me viraria tão bem sem o curso de datilografia.

Ambidestros
Quando eu era adolescente, achava o máximo alguém ser ambidestro. A pessoa que escrevia com as duas mãos, mesmo que fosse forçadíssimo, tinha um ar de inteligente. Espalhava-se por aí que esse tipo de gente usava os dois hemisférios do cérebro com mais facilidade do que os pobres coitados destros. Mais ainda do que os reprimidos canhotos, que viviam engalfinhados com a sensibilidade apurada. E eu me apegava a esse tipo de mitologia. Até o dia que ouvi duas pessoas conversando (isso deve ter uns 5 anos). Um era adulto e o outro, adolescente. O primeiro perguntou: você é destro ou canhoto? O menino, espontâneo como um girassol, ficou perplexo com a pergunta. O adulto percebeu e traduziu: com que mão você escreve? O menino disse, com ar de obviedade: com as duas! E fez um gesto de quem teclava.

Canhotos censurados
E por falar em canhotos, meu irmão caçula escreve com a mão esquerda, quando o faz com a mão, o que também é raro. Minha mãe vivia às voltas com tesouras invertidas e toda sorte de objetos virados para o outro lado. Ele dizia que não fazia diferença. Parece que as pessoas se adaptam, não é? Mas ele torcia para não querer tocar violão. E fazia gestos estranhos para subir o zíper da calça ou abotoar as camisas. Pegava no garfo do lado de lá e parecia que estávamos no espelho, quando nos sentávamos diante dele à mesa do almoço. Também penteava o cabelo para o lado contrário, contramão de todo mundo em casa.

Ex-canhoto
Meu marido é canhoto, mas isso está em algum lugar da memória dele. É um ambidestro treinado. A professora da escolinha lhe amarrava a mão esquerda para que ele escrevesse com a direita, como "toda a gente normal". Ele aprendeu. Não é gago. Também não tem lá a dicção de um locutor de aeroporto. E daí?

Lateralidade
Até hoje me confundo com direita e esquerda. Não no sentido político, porque isso nunca foi muito preciso mesmo, mas no sentido de me dirigir a um ou a outro lado. Até hoje preciso estalar os dedos da mão direita para saber se é esta ou a outra. E detesto relógio digital porque o 5 e o 2 me parecem, por um segundo, a mesma coisa. E um segundo muda tudo.

Hospitalidade
Quando a gente vai conhecer outra cidade, de repente precisa perguntar onde é isto ou aquilo. O transeunte, solícito, pára para responder. O senhor vire à direita e depois à esquerda, vai subir um pouquinho. Continue direto. Na parte mais alta, pergunte a outra pessoa porque daqui é complicado. Por etapas, fatias de informação. Pior é quando o cara também confunde direita e esquerda.

Dimensão
Não me esqueço dos morros de Campinas e nem da parte mais alta de Campos dos Goytacazes (que anda aparecendo muito no jornal). Quando me disseram que ali havia ladeiras, quase morri de rir. Para quem mora em Minas, em Belo Horizonte, isso só pode ser piada.

Usos e costumes
Coisa mais chata é chegar atrasado na aula e ter que sentar na carteira do canhoto. O contrário, eles nem reclamam.

Escrita
Achava estranhíssimo o jeito como meu colega, o Gustavo, escrevia. Passava a mão por cima dos escritos, só via o que estava lá depois que já estava registrado. Os destros vêem o rastro da caneta antes de a palavra chegar ao fim.

Mais usos
Coisa chata é usar o computador depois de um canhoto. O mouse está do lado de lá, o teclado, mais para a esquerda, os botões estão invertidos. Mas é gostoso quando isso é complementar.

Meu lado
O lado da cama em que cada um vai dormir não é motivo de conflito.

Notas e gráficos
Meu pai nos colocava a todos sentados na mesa da copa e tínhamos que traduzir nossas notas da escola em gráficos, coloridos e por disciplina. Depois do serviço feito, tínhamos que colar tudo na parede da sala para que ele examinasse sob boa luz. Azul, amarelo e vermelho, à maneira dos semáforos. Não havia multa, havia coro. Alguém sabe o que é "coro"?

Folclore
Vou tentar aquelas brincadeiras de menina para ver no que dá. Aquelas de bater as mãos, uma espécie de coreografia com trilha sonora. Dom dom baby, coisa assim. Depois te conto.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 25/1/2008

 

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