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Quinta-feira, 25/1/2007
Confissões de um jovem arrogante
Marcelo Maroldi

Quando se começa a descobrir que diversas pessoas reproduzem no Orkut deles o que você escreve por aí, penso que deva ser um bom momento para repensar a sua vida e os seus escritos. Bom, isso não me assusta, tampouco incomoda, mas, é impossível não refletir: será que estou os atingindo como desejei atingir? Será que há alguém me entendendo, afinal? No meu caso, certamente não. Eu fracasso, e já sei disso faz tempo. Freqüentemente, escrevo e sou interpretado de maneira equivocada ou semi-entendido (ou nem um pouco entendido mesmo!). Onde será que erro? Será que sou tão confuso que não me faço compreender? Ou será que o que penso não faz sentido fora de mim?

Há 1 ano, escrevi sobre a famosa crise dos 28. Nesse tempo todo, não se passou um só dia em que alguém não tenha me escrito dizendo que eu havia (também) falado por ela. E quando menciono idade ou algo relacionado, já falam: "e a crise dos 29, meu caro?" O fato verdadeiro é que poderia sim escrevê-la. Na verdade, poderia escrever um texto de dúvida por dia - eu tenho muitas dúvidas e poucas respostas - mas, nesse caso, eu já entraria em outra questão importante, que passo a relatar. Quando se escreve de si próprio, de seus sentimentos e aflições, as pessoas que te lêem se sentem no direito de pensarem que entendem algo de sua vida. Julgam-se capazes de compreender os seus pensamentos, suas ações, as suas dores, colocam em um mesmo patamar de igualdade todas as sentimentalidades humanas (como se a incerteza e a insegurança, por exemplo, fossem idênticas em todas as pessoas do mundo). Elas não conseguem entender que quem sabe de mim sou eu, apenas, e que me enviar e-mails dizendo que compactuam com a minha dor (sic), ou que já passaram por "isso", ou que eu ainda sou jovem e vou aprender a lidar com "aquilo" etc., pode não ser o mais sensato a ser feito. Eu não quero um espelho, nem respaldo, nem condolências. Eu só escrevo, e isso basta. Ponto final. Esse é apenas o primeiro dos problemas de escrever sobre si. Mas, seja como for, isso é influir na vida dessas pessoas, e, admito, tenho feito através dos meus textos... só não sei se é isso que quero... porque eu só quero escrever, só isso! E não quero falar por ninguém que não seja eu mesmo e muito menos explicar alguma coisa.

Nos últimos 10 anos, pelo menos, acredito que pouquíssimo do que produzi não tenha sido totalmente pessoal e particular (era particular, antes de publicar). Pode não ser tudo sobre mim, claro, mas muito pouco é totalmente ficcional. O que não é de mim, é de algo que presenciei, eu invento muito pouco. É assim que eu faço, sinto muito quem não gostar... E então, pessoas te dizem: "nossa, não acredito que você teve coragem de mencionar isso!", ou "Meu Deus, eu não teria coragem de me expor assim!" Algumas falam bravas, inclusive, pelo fato de eu me "expor" (dá vontade de dizer: Eu não pedi para 'você' se expor, querida, quem tá se expondo sou eu, não? Por que então você se preocupa? Vá ler Fernanda Young e me deixa em paz!). E, além disso, ainda há o segundo problema, ainda mais grave, que sinto na pele todo dia: os escritores, digamos, que escrevem sobre sentimentos, são os mais desprezados pelos (falsos) intelectuais (aquele povo de "Como parecer culto", sabe?). Quando eu converso com um escritor, um jornalista ou alguém desse tipo, o cara "eufemisticamente" tenta dizer: poxa, escrever sobre amor é subliteratura, caras bons de verdade devem estar escrevendo sobre as mulheres do Oriente Médio ou bossa nova ou sabe-se lá o quê! Gente capaz não perde tempo com isso (só os poetas podem "perder" tempo, mas eu não sou um deles). Por outro lado, os mais humildes intelectualmente, tratam-me muito melhor, às vezes chego a me emocionar. Para estes, não há nada mais importante e bonito do que escrever sobre paixão e amor, ou derrota, por exemplo, diferente daqueles outros. É como se os mais cultos desprezassem o valor dos sentimentos e a literatura feita assim é uma porcaria completa.

Por tudo isso, importa-me o modo como tenho escrito e importa-me demais o modo como meus textos me posicionam entre os leitores. Em primeiro lugar, eu escrevo para mim, e disso não abro mão... E a literatura tem, para a minha vida, um significado muito distinto do que tem para a maioria das pessoas. Falando francamente, não há muita coisa nesse mundo que eu goste além dos livros (e das palavras), de modo que ela adquire, portanto, um valor tão essencial que eu não poderia me furtar de idolatrá-la e muito menos me permitir escrever algo que não agrade a mim em primeiro lugar. No fundo, é como se eu conversasse comigo mesmo, entende?, às vezes me repreendo, ou me questiono, em outras me conto uma história qualquer, até me consolo sozinho. E isso me faz um bem danado, camarada. A literatura precisa atingir a alma..., pelo menos a minha. É isso que eu faço e é assim que quero continuar fazendo...

E, fique claro, nem todas as manhãs são de primavera para este pobre mortal que vos escreve. Nem todos os domingos são ensolarados. Há mais nuvens negras cobrindo meu céu do que você poderia imaginar. Em outras palavras, não espere que eu escreva sempre de bom humor, ou que eu escreva sempre as coisas doces que às vezes eu escrevo. Para começar, nem espere que eu escreva, pois sou - e você leitor que me acompanha já deveria sabê-lo - um escritor intermitente. Nas minhas colunas deste Digestivo já me expliquei mais do que deveria, eu tenho constantes bloqueios de escrita! Na verdade, não que eu não consiga escrever, isso eu consigo sempre que o desejar, mas, para ser direto, boa parte do que eu produzo não vai interessar ninguém além de mim e, caso interesse, vai apenas te fazer pensar: esse cara é muito duro consigo próprio e com os demais, coitado. Eu sou quando escrevo, sempre. Eu não sirvo para escrever piadas, coisinhas superficiais, livrinhos bonitinhos... Pode ser que um dia eu o faça, mas hoje não. A vida não é uma maravilha e a literatura não é uma festa...

Por tudo isso apresentado, fico pensativo e ressabiado em divulgar o que escrevo. É possível que eu não vá mais escrever um texto de nova crise sempre que eu completar anos, como completei ontem. E talvez nunca mais haja uma receita para se esquecer um grande amor. O que vai me sobrar?, não sei dizer... Mas, um cara com a alma repleta de questionamentos vai encontrar algo novo, eu acho... E se a literatura é a literatura da alma, eu ainda tenho toda uma vida pela frente para escrever e te contar...

E então: você me acompanha?

E para não dizerem que apenas enchi lingüiça nesse texto, eis o que escrevi sobre meu aniversário:

De como me tornei um idiota
Ainda agora me surpreendo comigo, com meus atos impensados, os meus desvarios recorrentes, as sentimentalidades latentes e cotidianas, os sonhos que se afogam no suor do meu dia-a-dia. Estou cansado. Estou fraco e desiludido. Às vezes me questiono como permiti que chegasse a esse ponto... O banzo venceu, enfim. Quem sou eu senão um menino perdido? O fato concreto é que demorei 29 longos anos para começar a entender minimamente as coisas ao meu redor. Ah, como sou tolo! Fui enganado, andei na contramão, perdi o rumo. Eu tropecei em uma quantidade tão extraordinária de pedras que você nem acreditaria se eu te contasse... E ainda estou de pé. Meio manco, mas de pé. Machucado..., porém de pé. O olho ainda brilha. O sangue não coagulou. Foram dias difíceis, não vou mentir, menininha. As madrugadas quentes, em especial. Algumas delas pensei que jamais acabariam... O sol tórrido quis desistir de nascer, apenas para prolongar perversamente meus momentos de turbulência existencial. E eu me tornei isto. Isto... Magoei gente demais..., e cansei de enxugar as lágrimas transparentes que rolavam ligeiras no meu próprio rosto amador. Eu tenho marcas de vida por todo o corpo, sabe? No peito eu tenho mais. Na alma?, incontáveis. A minha vida passa mais veloz que as outras. Eu quase posso senti-la escapando de mim, querida menina. Outro dia, chovia, sonhei que eu era um pássaro cinza e solitário chamado Má. Podia vagar por aí sem abaixar a cabeça. Eu tinha as asas gigantescas batendo coordenadas, tão belas, tão imponentes! Eu observava lá de cima a falsa primavera a iluminar o teu dia difícil, aquela flor rosa do primeiro encontro enfeitando o teu cabelo longo que o tempo há de mudar e o teu sorriso alegrando o meu caminho. Era simples como isso. Eu quis pousar num galho seco e feio que encontrei, apenas para sentir de perto o gosto doce da alegria alucinada, ouvir o eco entorpecido da sua gargalhada gratuita e verossímil que me cativa, ou para ler os teus olhos ordinários, encantadores, confusos..., quando me miram. Um vento frio e sem destino atingiu a minha face prematura, de frente, trazendo consigo aquele gosto amargo da verdade e da saudade. A verdade caminha devagar. A saudade veste luto. Eu quis fugir, voaria para bem longe, longe, onde nenhuma lembrança ousaria me alcançar e me punir. Mas eu não conseguia bater as minhas asas. De alguma forma, estava preso ao que sentia e não me deixaram fugir feito um herói ou um covarde. Tentei argumentar: ora, mas eu sou um covarde! Não me ouviram. A minha voz enfraqueceu, agonizou, talvez silenciada para todo o sempre. O sangue gelou em minhas veias, do mesmo modo curioso que fazia quando eu me apaixonava. Uma sensação engraçada e constrangedora invadiu o meu cerne, sem pedir licença, arrancando sem anestesia o pouco de vergonha e esperança que eu ainda possuía. Eu me tornava um ser absolutamente cômico e tosco quando acontecia isso. E assim era boa parte do meu tempo e do teu. Agora, consigo perceber tudo bem claramente. Cada segundo patético da minha vida patética. Cada verso descartável de minha poesia descartável. Os meus passos e os meus versos avançaram até onde podiam - o fim da linha - quando se convergiram sem escolha em quem nada tem a dizer. A folha em branco nunca fez tanto sentido como agora. As palavras cessaram. O lápis se cansou. O sentimento, afinal, faleceu. O instante derradeiro se aproxima para a poesia cansada. "Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor..."

Marcelo Maroldi
São Paulo, 25/1/2007

 

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