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Quinta-feira, 1/2/2007
Cantei parabéns para o Tom
Vitor Nuzzi

É verdade. Foi em 25 de janeiro de 1991, quando São Paulo completou 437 e Tom Jobim, 64 anos (alguém aí lembrou de "When i'm sixty four", dos Beatles?). Assim como eu, Chico Buarque e Milton Nascimento também estavam lá, batendo palmas. Tudo bem que naquela noite havia outras milhares de pessoas no ginásio do Ibirapuera, e que eu estava a vários metros de distância do aniversariante. Não importa. Só lembro que apareceu um bolo e todo mundo levantou para cantar parabéns ao Tom, que Chico chamou de "meu maestro soberano" na música "Paratodos". Como paulistano, gosto de imaginar que Tom e São Paulo nasceram no mesmo dia.

Foi um show apenas, para celebrar a criação da Universidade Livre de Música, da qual Tom foi patrono. Quem viu não há de esquecer. Nem a acústica ruim do ginásio conseguiu atrapalhar esse encontro, com direito a ouvir Milton em forma, cantando - sem acompanhamento instrumental - "Olha Maria", de Tom, Vinícius e Chico. Uma interpretação impressionante. Com meus ouvidos leigos, penso que jamais ouvirei nada igual, por mais que a música brasileira renda frutos.

Como já se percebeu, sim, gosto de Tom. Lembro que Vinícius considerava Tom e o argentino Astor Piazzolla os dois grandes músicos da América Latina. "Mas como não gosto nada de critérios competitivos, digo simplesmente que acho o Tom genial", completou o amigo. Certamente outros vão observar que a fama de Tom ultrapassou essa fronteira e chegou aos Estados Unidos. Por falar em datas, em 2007 completam-se 40 anos da gravação do disco de Tom e Frank Sinatra. Segundo reportagem publicada em 21 de janeiro pelo jornal Folha de S. Paulo, esse LP (Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim) foi considerado o melhor de 1967 pela crítica americana e só perdeu em vendas naquele ano para Sgt. Pepperīs Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Consta que o músico brasileiro estava no Veloso, bar que hoje tem o nome de Garota de Ipanema (e fica na rua Vinícius de Moraes), quando recebeu o telefonema de um "gringo", convidando-a a gravar.

Deve ser verdade. Bares eram habitat de Tom, Vinícius e companhia. Na fachada do prédio de número 107 na rua Nascimento Silva, em Ipanema, a placa que indica que naquele local morou Tom Jobim é assinada pela "Confraria do copo furado". E no recente (2005) documentário dedicado a Vinícius de Moraes, dirigido por Miguel Faria Jr., podemos ver a dupla seriamente alcoolizada tentando cantar "Pela luz dos olhos teus". Em seguida, enquanto Vinícius ria, Tom debochava da "revolta" das esposas com o consumo de uísque de seus maridos. A ironia ia para a música, como mostra a versão do próprio Tom Jobim para Carta ao Tom, de Toquinho e Vinícius. A letra original:

Rua Nascimento Silva, 107
Você ensinando pra Elizeth
As canções e canção do amor demais
(...)
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor


Em mistura de bom humor e alguma amargura, com uma pequena ajuda dos amigos, Tom compôs uma versão em que, já nos anos 70, apontava a violência e a especulação imobiliária como males que tomariam conta (também) do Rio.

Rua Nascimento Silva, 107
Eu saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa de um quadrado
A gente só vê Sérgio Dourado
Onde antes se via o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com a natureza
É melhor lotear o nosso amor


Tudo bem. Mesmo com esses e outros problemas, a gente foi levando, como dizia outra canção. Mas também é preciso lembrar da polêmica que envolve Tom e a Bossa Nova, que o crítico José Ramos Tinhorão definiu não como um gênero musical, "mas uma maneira de tocar" (Pequena história da música popular - Da modinha à canção de protesto, Editora Vozes, 1975). A controvérsia chegou à clássica composição "Águas de Março", que segundo Tinhorão é um tema originário do nosso folclore. Da mesma forma, a Bossa Nova volta e meia sofre críticas pela suposta veia ianque. Sem habilitação técnica para entrar em tal debate, simplesmente faço o registro.

"Águas de Março" remete sempre à gravação de Elis Regina e Tom, e aqui cabe outra lembrança: agora em janeiro, completam-se 25 anos da morte de Elis. É pau, é pedra, é o fim do caminho.

O músico e o poeta
Já que o texto traz tantas reminiscências, pode ser fechado com uma história que me foi contada recentemente pelo poeta Thiago de Mello, hoje com os 80 anos que Tom ficou longe de completar e habitante da floresta amazônica, para onde o maestro possivelmente gostaria de ir, desde que pudesse levar o piano e o uísque, não necessariamente nessa ordem. "Três ou quatro dias antes de viajar (para os Estados Unidos), saindo de uma farmácia no Leblon, abraçou-me muito", lembra Thiago. Por saber que o amigo havia sido operado do coração, Tom fez-lhe algumas recomendações, como não fumar. E arrematou, para as gargalhadas de Thiago: "O que importa mesmo é a adequada perfusão dos corpos cavernosos". Uma frase, digamos, poética, para um problema que tanto atormenta os homens. Dias depois, Tom viajou - e voltou sem vida ao Brasil. "Ele tinha saído para cantar com os anjos", explica Thiago.

Vitor Nuzzi
Rio de Janeiro, 1/2/2007

 

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