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Quarta-feira, 12/9/2001
Do Caos, Dalí e os idiotas
Paulo Polzonoff Jr

Daniela Mountian

Nenhuma ideologia ou religião, sob qualquer justificativa, explica a morte de inocentes. Os ataques terroristas realizados nos Estados Unidos, sob a bandeira do anti-imperialismo, da anti-globalização, da resistência islâmica, são a marca de uma guerra que em muito extrapola o que se pode considerar "civilização".

A guerra sempre fez parte da história da Humanidade. Desde o momento, para o crente, em que Caim matou Abel, instalou-se a guerra. Com o passar do tempo, o entanto, os povos foram estabelecendo regras para estes conflitos. Uma destas regras reza que um ataque não pode ser desferido sem uma declaração normal de guerra.

Não que o conflito seja mais humanitário hoje que no século V, por exemplo; estas regras foram feitas para evitar que civis sofressem em lutas que deveriam ser travadas exclusivamente por militares.

O terrorismo é a sublevação destas regras. Seu alvo principal são civis, porque a crença dos terroristas é de que a morte de um civil, em seu cotidiano pacífico, é muito mais chocante que a morte de militares no campo de batalha.

Têm razão. A implosão do World Trade Center é mais chocante que o ataque a Pearl Harbor, por exemplo, porque aniquila a vida simplória do americano médio, que se preparava, à 8h48, para começar mais um dia de trabalho na Big Apple.

O número incerto de mortos é o que menos importa, neste momento. Pensar em números extravagantes eleva o acontecimento ao nível de catástrofe, mas não revela a extensão da tragédia. Só a redução do fato ao indivíduo é capaz de tornar o seqüestro dos aviões e a posterior queda forçada dos mesmos sobre alvos estratégicos algo realmente triste, que se sobreponha aos júbilos de anti-americanismo ou anti-semitismo que por ventura se veja agora.

E que não nos seja furtada a capacidade de nos entristecermos pela inocência dos mortos. Este, sim, o verdadeiro Caos.

* * *

Duas visões da maldade humana. Uma de perto, outra pela televisão. Ambas me fazem lembrar da frase de Shakespeare: "o homem é mau, e reina em sua maldade".

A primeira destas visões que jamais vou esquecer vem de dentro da própria redação. É mais de uma da tarde e estou como um louco escrevendo sobre o atentado no World Trade Center. Estou perplexo ainda. Entra ele: jornalista, trinta e poucos anos, óculos grossos, líder de uma banda de garagem. Chega bradando aos quatro ventos dos ares-condicionados: cadê o Super-Homem agora?, cadê o Capitão América? Olho para o meu editor e apenas aceno com a cabeça. Lembro que ontem mesmo fui insultado pelo mesmo e distinto senhor, porque falei mal, numa nota, sobre o Michael Jackson. Fiquei pensando se valia a pena retribuir, nesta hora, o insulto. Valia a advertência da chefia? Provavelmente não. Afinal, o homem estava morto mesmo.

Pelo menos foi assim que o diagnostiquei mais tarde, com a cabeça mais fria. Vendo, revendo e tresvendo a cena das torres despencando, as pessoas correndo dos detritos, disse a um colega, anti-americano convicto, se duvidar até comunista, que não importava que o país atingido fosse o mais odiado do mundo; não importava que aquele acontecimento arranhasse a imagem de superpotência dos Estados Unidos. O que importava realmente, naquele momento, era a tragédia pequena, individual, que as televisões teimam em não mostrar. O colega me olhou de soslaio, como se perguntasse porque eu falava aquilo para ele.

Na tela da TV, uma mulher chorava, contando como as pessoas se jogavam das janelas. Imediatamente eles mostraram, em close, as pessoas pulando para o vazio, para uma morte mais rápida que a pelo fogo. Apontei para ele e disse que aquilo, sim, me interessava. Não Bush, o débio-mental mais poderoso do mundo. Nem Arafat, nem G-8, o escambau. Interessava-me aquele homem que se jogava da janela. E sentenciei: quem não for capaz de perceber a gravidade que é aquele homem se jogando da janela, tem mais é que dar um tiro na cabeça, porque humano, certamente, não é.

Neste momento, do outro lado do mundo, tenho mais um exemplo da maldade. Uma maldade que nada tem a ver com Hitler e seus 6 milhões de mortos em campos de concentração. Que não é a maldade das multidões, mas aquela que está concentrada num só indivíduo.

Gorda, patusca, olhos fundo-de-garrafa. Olha para a câmera empunhando uma bandeira. Qual bandeira pouco importa. Ela ri na Faixa de Gaza. Comemora o ataque no World Trade Center como quem comemora uma final de jogo de futebol. Mostra seus dentes. Balança os peitos grandes e flácidos da sua ignorância. E se regozija porque naquele exato momento, acabou de igualar-se ao mais traiçoeiro dos animais, provavelmente extinto do planeta por um raio fulminante de Deus.

Aquela senhora, assim como o jornalista de que falei, são belos espécimes da Burrice.

* * *

Dali, o pintor, era constantemente condenado por suas declarações. Falava o histriônico gênio surrealista que o mundo precisava, sim, de uma guerra. Porque a guerra, segundo Dalí, um adorador de Freud, exalta as emoções humanas, cria laços eternos, desfaz outros, enfim, transforma este ser muitas vezes enclausurado na banalidade num ser cheio de vida e fúria.

Talvez valha a reflexão.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 12/9/2001

 

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