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Quinta-feira, 1/2/2007
Um certo tom musical
Eduardo Mineo

Provavelmente Tom Jobim me daria um soco no estômago se lesse este título, que é um trocadilho com seu nome - todos perceberam, certo? Não pela brincadeira, suponho, mas porque não gostava do nome Tom. Antônio Carlos Jobim preferia Antônio Carlos. Eu não vejo problemas com Tom, mas de qualquer forma, Tom Jobim é uma figura que eu considerava importante e sobre quem eu não sabia nada a respeito. E se não sabia nada a respeito, eu o considerava importante por uma questão de feeling - muito lógico. Mas agora, com o especial do Digestivo Cultural, resolvi conhecê-lo. Visitei uma porção de sítios, assisti vídeos do YouTube e escrevi um resumo de sua história, bem por cima, para que eu pudesse dar aos que não o conhecem, pelo menos uma idéia de quem foi Tom Jobim e o que ele produziu.

Ao que tudo indica - e eu confio no que seja indicado por tudo - ele foi um músico. Oras, não é uma afirmação tão boba uma vez que músicos, músicos de verdade, são tipos difíceis de se ver fazendo muito sucesso em seu tempo. E Tom Jobim fez. Foi um gênio, inegável, embora eu não seja seu fã. Me identifico bastante com o que ele pensava, com o que ele dizia em suas entrevistas, mas não gosto de suas músicas, não gosto de Bossa Nova, de MPB. E não tenho uma explicação para não gostar. Há um exagero de brasilidade que me incomoda, mas não seria o suficiente para que eu rejeitasse sua música. Também não é pelo desprezo à música popular, pois acho, por exemplo, o som da viola de ponteio fantástico e é extremamente popular. Só aconteceu de sua música não me agradar. Talvez a Rede Globo tenha vinculado tanto suas músicas às novelas que minha sensibilidade à MPB agora esteja arruinada; pode ser. Entretanto, sei que Tom Jobim foi grande. Posso não ser especialista em música, mas Villa-Lobos era e confirmou isto antes de morrer. E eu sinto uma necessidade de respeitá-lo e de procurar saber quem ele foi. Às vezes minha birra com a MPB me faz dizer que um ou outro músico é um completo idiota, mas nunca diria isso sobre Tom Jobim. Ninguém que saiba tocar Chopin pode ser um idiota. Ninguém que saiba quem foi Chopin pode ser um idiota. Ou Bach. Ou Brahms. Ou Ravel. Ler o que Tom Jobim falava de música, suas citações de Stravinski, é uma aula, uma experiência incrível. E me sinto muito mal por não conseguir gostar de suas músicas.

Não foi por falta de tentativas. Ouvi seu disco Wave inteiro, suas músicas mais conhecidas como "Sinfonia do Rio", "Sabiá", "Garota de Ipanema", "Corcovado", "Águas de Março", mas não funciona. E embora eu goste de jazz - estou viciado em um disco de George Gershwin interpretado por Ella e Louis, quimicamente dependente mesmo -, mas embora eu goste de jazz, como ia dizendo, e a Bossa se pareça com jazz, não consigo me empolgar. No começo, muitos acusavam a Bossa Nova de ser cópia do jazz e é até compreensível, pois são dois estilos bem parecidos; são estilos calmos, mais sensíveis do que técnicos, usam mais ou menos os mesmos instrumentos com pequenas diferenças - uma flauta ali, um trompete aqui -, e, sem dúvida, são dois estilos alegres. A principal diferença, para mim, está justamente na natureza desta alegria. É uma diferença sutil talvez, mas são dois tipos de humores dos quais eu me identifiquei apenas com o do jazz. A Bossa tem um caráter mais inocente, talvez, uma felicidade sem motivos. Vejo a Elis Regina cantando e não entendo por que ela está tão feliz. Já o jazz é mais comedido, porém zombeteiro, no bom sentido de zombeteiro. E eu me identifico um bocado com isto nos improvisos engraçadíssimos de Sammy Davis Jr. com Dean Martin, com a expressão do Nat King Cole cantando "Let there be love", e todas essas coisas que não encontrei na Bossa Nova.

Posso não ter nada em comum com a Bossa Nova, mas tenho pelo menos uma com Tom Jobim: começamos tarde na música. Só que eu desisti e ele continuou. Foi um bravo, um guerreiro. Poucos músicos de caráter conseguem prosperar após ver uma garotinha de dez anos tocando Chopin num piano enquanto ele, marmanjão barbado, ainda está apanhando de umas cifrinhas no violão. É punk passar por isso, mas Tom Jobim passou. E teve uma formação assombrosa com vários professores excelentes, um deles Leo Peracchi com quem aprofundou seus estudos de orquestração. Pouco tempo após largar o curso de arquitetura, já estava trabalhando em rádios e boates fazendo pequenas apresentações, tocando sambas, boleros, canções francesas, etc. Ainda nesta época foi trabalhar na Continental onde conheceu o arranjador Radamés Gnatalli, que se tornou uma de suas influências. Lá, Tom fazia a harmonia das músicas de autores que não dominavam a escrita musical, ou seja, todos. E logo lançou a "Sinfonia do Rio" que não foi sua primeira grande música, mas com certeza foi a que o consagrou como um músico respeitável.

Nesta época, Tom Jobim freqüentava o Clube da Chave de onde conhecia Vinícius de Moraes de vista desde 1953. Em 1956 foram formalmente apresentados pelo jornalista Lúcio Rangel, que indicou o Tom para musicar uma ópera em que Vinícius estava trabalhando. Tratava-se da ópera "Orfeu da Conceição" que teve um grande sucesso e que marcou o início da parceria entre Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Foi uma parceria de décadas em uísques, cigarros e música que me deixa com inveja por não ter participado disto tudo. Tem algo de fantástico nesta vida boêmia carioca, de beber e fumar o dia todo e escrever poemas e músicas sobre as garotas lindas que passavam pela rua. Foi assim com "Garota de Ipanema". A música não me interessa, mas a situação toda sim. Isto, embora Tom tenha deixado bem claro que não assediaram a garota de quem eles falam na música. Eram dois senhores, ele e Vinícius, com cara de pai, com cara de homem casado, olhando, apenas olhando, a filha de um general da SNI passar pela rua. Mas ainda assim é um estilo de vida fascinante.

E então veio João Gilberto mostrar ao Tom uma pegada diferente que ele havia inventado para o violão. Seria a base da Bossa Nova que nascia em "Chega de saudade", música que fez Chico Buarque e Edu Lobo correrem para a primeira loja e comprarem um violão. Ainda não estou certo de que isto tenha sido algo bom, mas certamente a música era. Não vou dizer que gosto de ouvi-la, mas é impossível negar que se trata de um trabalho de gênio. E foi ouvindo esta música que Ary Barroso - que não ouvia estas músicas com bons ouvidos - assumiu que Tom Jobim era o melhor da nova geração. E era uma boa geração porque ela ainda não havia sido estragada pelos Beatles.

No início da década de 60, João Gilberto ainda lançou um disco contendo algumas músicas de Tom Jobim com parceria de Newton Mendonça, entre elas "Samba de uma nota só", cujo nome me dá arrepios nos ossos, mas que se tornou uma das referências à Bossa Nova e que, a esta altura, já começava a ganhar notoriedade no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Em 1962, o governo patrocinou a primeira grande apresentação da Bossa Nova ao público norte-americano no Carnegie Hall de Nova York. Tom Jobim a princípio não queria ir, mas acabou indo e ficando por lá um tempo junto com João Gilberto. Fizeram apresentações e custaram a ganhar dinheiro, o que mais tarde fez com que Tom abrisse sua editora, a Corcovado Music, devido a problemas com direitos autorais que o perseguiram durante toda sua vida.

De volta ao Rio de Janeiro, Tom Jobim recebeu a proposta de Frank Sinatra para que autorizasse e participasse do seu novo disco que contaria com várias músicas de autores como Cole Porter, Irving Berlin e, claro, do próprio Tom Jobim. Aceitou na hora, óbvio, e a partir deste disco se tornaram amigos também. O melhor vídeo que assisti do Tom Jobim é justamente com Frank Sinatra. Está certo, é difícil um vídeo com Frank Sinatra ser ruim, mas a música é do Tom; é um mérito sem tamanho. Tanto que quando fizeram um especial sobre Sinatra, o A man and his music, com Ella Fitzgerald, Sinatra fez questão de chamar Tom Jobim. A Bossa Nova estava consagrada no mundo.

Como não poderia deixar de ser, Tom Jobim também teve problemas com a ditadura militar. Aderiu ao boicote de um evento internacional de música em protesto à censura, ou seja, foi preso, embora ele tenha tido um tratamento bem mais leve do que Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque, mas foi. Curiosamente foi neste período que lançou "Águas de Março", que tem trechos que podem ser considerados como crítica ao sistema, mas que não foram barrados. Aliás, eu quase gosto desta música, tirando a parte final onde a Elis parece estar tendo um treco e isso me deixa com muito receio.

Passada a época pesada da ditadura, Tom Jobim endireitou sua vida, bebeu menos, evitou cigarros e se casou novamente. Fez participações em discos do Edu Lobo e Chico Buarque e no começo da década de 80 perdeu seu amigo, Vinícius de Moraes. Passou a década de 80 e o começo da década de 90 fazendo shows com músicos da MPB, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, etc., e também fez grandes participações em questões ecológicas que vinham desde a década de 70 se mostrando em suas músicas, com várias referências a pássaros e à mata brasileira, mas que naquele momento assumiu um contato mais direto, como a organização do ECO-92.

Percebi em suas últimas entrevistas o mesmo desapontamento, o mesmo esgotamento da esperança de um Brasil próspero que afetava Paulo Francis e todas as pessoas inteligentes de sua época que se desiludiram com a esquerda, com "essa mentirada toda da democracia de esquerda" e tinham a opinião de que o Brasil, embora capaz de grandes feitos, era "um sistema de erros, esse negócio ingovernável". Duvido que sua opinião seria diferente nos dias de hoje. No que se refere à música, Tom Jobim estaria com aqueles que ele criou, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e até essa nova geração da MPB como Maria Rita, etc. Tom era um cara conservador sobre música e, como eu, tinha pavor de sua "pasteurização", da substituição de instrumentos por computadores. Há um tempo atrás, quando eu era mais radical e não aceitava que música eletrônica fosse considerada música, se discutissem comigo eu pedia para que me mostrassem uma partitura de alguma música eletrônica, afinal, toda música pode ser transcrita em partitura. Se não pode, não é música. Era algo meio extremista e hoje eu já não faria isso. Acredito que Tom Jobim também não. Apenas evitaria este tipo de discussão porque, como ele mesmo dizia, música não é assunto para ser falado.

É verdade que eu falei bastante sobre música, mas procurei me limitar às minhas opiniões, pois não seria capaz de fazer mais do que isso, de falar se gosto ou não. No caso da Bossa Nova eu não gosto, mas gosto de sua história, de como tudo aconteceu. Tom Jobim abandonou o curso de arquitetura, pois havia descoberto que não construiria seus castelos com cimento e tijolos. E esta é uma ótima história que vale a pena conhecer: a de como se construir castelos sem usar cimento e nem tijolos.

Nota do Editor
Edward Bloom é autor do blog Introibo ad altare Dei.

Eduardo Mineo
São Paulo, 1/2/2007

 

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