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Terça-feira, 13/2/2007
Um thriller desengonçado: A máscara de Atreu
Luis Eduardo Matta

A publicação do livro O código Da Vinci, - em 2003, nos Estados Unidos e em 2004, no Brasil - foi uma espécie de marco zero de uma vertente ficcional até então pouco explorada no Ocidente: a de romances que conjugam, em suas tramas, suspense e elementos históricos - em geral, mistérios relacionados à religião ou a obscuros acontecimentos, personagens ou lendas do passado. Após o estrondoso sucesso do best-seller de Dan Brown, e numa velocidade impressionante, uma avalanche de livros nesta linha foi escrita e despejada no mercado. Poucos foram, no entanto, os que conseguiram chegar perto de igualar Brown, seja em vendas, seja na própria construção das tramas. São livros como Labirinto, A irmandade do Santo Sudário, O segredo do anel e O último templário, que, no afã de quererem se tornar o novo Código Da Vinci, perderam-se em narrativas um tanto bisonhas e, muitas vezes confusas e disparatadas, nitidamente mais preocupadas em pegar carona no lucrativo e atraente filão literário do momento, do que em contar uma história bem urdida, com personagens convincentes e um texto claro, fluido e sedutor.

É justamente esse o caso de A máscara de Atreu (Landscape, 2006, 344 págs), escrito pelo inglês radicado nos Estados Unidos A. J. Hartley. A proposta e o próprio projeto gráfico do livro impressionam. Ao contemplar a capa e ler a sinopse tem-se a impressão de se ter em mãos um daqueles romances inesquecíveis, que seqüestrarão a nossa atenção e as nossas horas, proporcionando-nos momentos intensos de uma leitura vibrante. Infelizmente, não é o que acontece. O próprio texto da quarta capa da edição brasileira já passa uma rasteira no leitor ao sugerir que os assassinatos do livro estão relacionados a um suposto "Graal". Só que não há Graal algum no livro, o que me leva, inevitavelmente, a aventar três hipóteses: o redator da quarta capa não leu a história, aconteceu um mal-entendido qualquer ou, então, houve má-fé por parte da editora. Prefiro acreditar em uma das duas primeiras opções.

A protagonista de A máscara de Atreu é Deborah Miller, curadora de um pequeno museu de arqueologia em Atlanta, Estados Unidos, cujo diretor, Richard Dixon, é misteriosamente assassinado. Seu corpo é encontrado numa câmara secreta, junto a várias relíquias arqueológicas guardadas por ele a sete chaves. Disposta a desvendar o mistério em torno do crime, Deborah se lança numa busca incessante que a levará à Grécia e a descobertas alarmantes que remontam à Segunda Guerra Mundial e às escavações de Heinrich Schliemann - o célebre arqueólogo alemão que, no século XIX, descobriu as ruínas de Tróia.

A máscara de Atreu, vejam bem, não é um thriller propriamente ruim. Ele tem certo valor e sua leitura não é de todo enfadonha. O livro possui passagens interessantes e há alguns momentos de real tensão e suspense. O argumento da trama é interessante; o problema é que foi mal desenvolvido. Percebe-se, de imediato, que A. J. Hartley, apesar de ser mestre e Ph.D. em Literatura pela Universidade de Boston, é um ficcionista muito inexperiente, ainda engatinhando no ofício da escrita e com um longo caminho pela frente para apurar e potencializar sua técnica e sua criatividade. Esse livro, para usar uma definição mais apropriada, é um thriller desengonçado. Ele não está sozinho nesta condição. Muitos dos livros deste tal "novo filão" inaugurado por Dan Brown padecem de situação similar. Um trabalho autocrítico de reformulação, aliado a um aconselhamento editorial bem feito, certamente teriam ajudado Hartley a superar a sua própria inexperiência e sua pouca familiaridade com o riquíssimo universo do thriller, levando-o a produzir uma obra de vulto dentro do gênero.

A história, apesar de algumas reviravoltas e de todo o seu cuidadoso embasamento científico e histórico - resultado da paixão do autor pela arqueologia - não convence. Os motivos da ida de Deborah para Atenas logo no início da trama são totalmente fora de propósito e não fazem sentido. A perseguição que ela sofre também parece ter sido colocada no livro de maneira forçada, provavelmente motivada pela crença de que as cenas de ação são imprescindíveis em qualquer thriller que se preze. A própria protagonista carece de carisma e não estabelece grande empatia com o leitor. Os coadjuvantes são ainda piores, com destaque para a dupla de policiais e para a canastrona Tonya, funcionária do museu do qual Deborah é curadora. Por outro lado, o leitor poderá aprender bastante com o livro, já que Hartley expõe seus conhecimentos sobre arqueologia e História da Antiguidade e essas informações são muitíssimo bem distribuídas pelo livro, sem atrapalhar o desenrolar da trama. Ou seja: o grande inimigo da trama é a sua própria construção e não as informações nela contidas. É realmente uma pena que uma idéia tão interessante tenha sido desperdiçada nas mãos de um autor tão pouco hábil.

Apesar de tudo, porém, devo confessar que não desgostei de todo deste livro. Como não sou crítico e, ao ler uma obra literária, valho-me tanto da razão quanto da emoção, posso afirmar que as noites que gastei na companhia de A máscara de Atreu foram prazerosas. Todos os parágrafos acima descrevem as minhas impressões, digamos, técnicas, do livro. O lado emocional, no entanto, me fez sentir alguma falta da trama depois que virei a última página. É como eu sempre digo: a leitura é uma aventura complexa e múltipla, que foge aos rigores da nossa razão. Por isso mesmo, é uma aventura sempre imprevisível e, em boa parte das vezes, fascinante.

Para ir além





Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 13/2/2007

 

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