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Terça-feira, 3/4/2007
A universalidade de Anish Kapoor
Simone Oliveira

De família indiana e judia, Anish Kapoor visa a universalidade em suas obras. Começou a ganhar visibilidade nos anos 80 e atualmente tem realizado obras em localidades como Londres, Milão, Zurique, Nova York e Chicago - que gastou cerca de US$ 23 milhões na peça Cloude Gate, onde o artista demorou cinco anos para fazer o polimento, e é considerada a obra pública mais cara do mundo, afetuosamente apelidada pela população de "feijão", pela semelhança com o vegetal.

Hoje, aos 52 anos, Anish Kapoor é uma celebridade no circuito de arte pública internacional e muitos países e prefeituras ao redor do mundo competem ferozmente para ostentar em praças, uma criação sua.

Com intervenções públicas gigantescas, Anish Kapoor pensa grande, e dentro dessa grandeza, visa despertar pensamentos e sensações inusitadas, seja pelo impacto de suas obras num primeiro momento, seja pelas sensações transcendentais que elas causam. Sem querer "definir em palavras" suas obras, Anish afirma que "como artista não tem nada a dizer sobre elas; caso contrário, seria jornalista"; ou seja, o assunto de sua obra nada mais é do que o espaço que ela ocupa. Para Kapoor, a experiência física com suas obras é indispensável a tal ponto que nenhuma palavra pode traduzi-la.

Se ele "não define em palavras suas obras", as obras criadas por ele definem-se por si próprias. Dotadas de uma grande presença física, a mostra Ascension - no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, de 27 de janeiro a 1º de abril - reuniu oito peças do artista entre instalações, vídeos e esculturas, além da obra gigantesca instalada no Vale do Anhangabaú e que leva o nome da exposição no CCBB-SP.

"Ascension" é uma caixa preta de grandes dimensões, que possui uma entrada em espiral levando ao centro da obra, onde se pode encontrar uma coluna de fumaça branca que nasce do chão, sendo sugada para cima em alta velocidade de aspiração, em que a "imaterialidade da fumaça" ganha vida, formas; é como se quisesse vencer a realidade bruta e impositiva da cidade.

Com curadoria de Marcello Dantas, a exposição montada em SP consistiu de esculturas que aparentemente se apresentam de forma simples, como forma, mas cada uma delas esconde uma estonteante complexidade de elementos de natureza técnica, estética e acabamento. As obras polidas, polimento intensivo, traduzem um pouco do conceito de inversão, elas destacam o corpo do espectador de seu ambiente e de forma absoluta o engolem e o revertem para uma imagem destorcida daquilo que somos e nunca vimos. Essa é a característica mais marcante de sua obra: revelar o avesso, inverter o dentro e o fora, mostrar a face oculta da forma. Esse avesso que nos unifica. Sua matéria-prima não é a matéria, mas o tempo, ou melhor, a desaceleração do tempo, invocada pelo impacto de sua arte. Ascension separa o terreno do ilusional.

Relatos e impressões da visitação
A exposição aconteceu no térreo, primeiro, segundo e terceiro andares do prédio do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo.

Terceiro andar: a obra que ali encontrei é intitulada de Quando estou grávido (2005, em fibra de vidro e tinta). Consiste de uma sala toda branca com duas protuberâncias, uma para dentro, recolhendo-se; outra para fora, lançando-se, expondo-se. A obra causa uma certa tensão, uma sensação vertiginosa e desconfortável que à primeira impressão, os olhos nada vêem, para em seguida, as duas imagens se sobressaírem. A alusão ao título também abriga a mesma tensão parida. A contração que retraí para expelir. O côncavo na junção com o convexo, os avessos que se completam e não se anulam. Muito interessante.

No segundo andar havia três obras: a primeira delas é Sem título (2004, em madeira, acrílico e luz), trata-se de uma forma côncava, tendo seu interior completamente iluminado por uma luz vermelha, como se desejasse assinalar, nascer, pontuar. Também traz em si uma certa vertigem enigmática, como se quisesse por si só nos revelar sua intrínseca essência. A segunda obra: Espelho duplo (1998, em aço inox), compõe-se de dois grandes espelhos posicionados em paredes opostas - frente a frente - refletindo o espectador em formas invertidas, largas, finas, estreitas, enfim, múltiplas formas da nossa mesma imagem ou de tudo o que se põe frente a eles, como se quisessem nos lembrar que o que vemos, também é o outro, e ainda, tantos outros. A tensão aqui também é presente, junto com a vertigem. A terceira obra deste andar, intitulada Dividir (1996), trata-se de uma divisória de 11 metros de comprimento, que divide, comprime e releva o esforço brutal para vencer a resistência da cera e da estrutura. Serve como evidência ao ato fundamental, mas extremamente difícil de exercer a divisão.

No primeiro andar estava a série "echo" (1996), onde há algumas esculturas com "forma de sino, forma de ovo, forma cúbica, forma cônica e rocha"; lembrando-nos das inúmeras possibilidades das formas. Ainda havia neste andar uma vídeo-projeção intitulada Feridas e objetos ausentes (1998), onde mostra o "nascimento" das cores no seu momento vertiginoso de transformar-se em outras cores, uma após a outra, repetidamente; num movimento de retenção e contração, com um som de fundo que lembra mar em dias de tempestade. Parece, num momento, que tudo se inicia ali, nessa expansão que gera o mundo, as cores e as formas. Que se abre e se fecha, que repele e reverte o que se lançou. Mistura-se para dentro. Mistura-se para fora. Assim seria a "imagem de Deus", se ela existir?

E no térreo havia duas obras, uma delas Sem título (1999) uma peça de bronze polida, alta, com uma cavidade central e que também reflete inúmeras formas distorcidas; e a última, intitulada de Pillar (2003, de aço e laca), traz um círculo que não se fecha, com uma entrada que, ao acessarmos, nossa própria forma se transforma, numa distorção tão grande que o desconforto e a vertigem são extremamente intensos, chegando a ser nauseante ficar ali por mais de alguns segundos.

Assim definida sua mostra em São Paulo, Ascension parece não esgotar-se em si e em suas sensações. Ao nos depararmos com essas obras, algo "de dentro", oculto e inato parece ser revelado, distorcido, gerado. As sensações causadas são várias e variáveis, como se cada um saísse dali com uma revelação de si nas mãos, e assim, mudasse também não só o "de dentro", mas os olhos "de fora". Um momento em que voltamos os olhos para a cidade e percebemos que, definitivamente, algo mudou. Ascension revela, reitera, pergunta e responde, e Anish Kapoor faz jus a todo esse reconhecimento que um artista contemporâneo pode receber.

Simone Oliveira
São Paulo, 3/4/2007

 

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