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Sexta-feira, 6/4/2007
Aos aspirantes a escritor
Rafael Rodrigues


Ilustra por Guga Schultze

Um aspirante a escritor não pode ser preguiçoso. Escritor também não, óbvio. Mas o aspirante a escritor precisa trabalhar dez vezes mais que um escritor reconhecido e assumido.

A tarefa não é fácil, para um aspirante. Ele precisa ler os clássicos, pois são obrigatórios. Precisa também ler os consagrados, mas ainda não clássicos, para aprender com eles o que eles aprenderam com os que vieram antes. São eles, os consagrados, os "filtros literários", a meu ver.

Um exemplo prático disso, vivido por mim, é o conhecimento que adquiri lendo várias obras de Fernando Sabino. Principalmente O encontro marcado. Nele, Sabino cita vários e vários autores e obras, fazendo das notas ao fim do romance quase que um guia literário. O aspirante a escritor precisa também ler os novos autores, a fim de saber a quantas anda a qualidade das obras de seus "concorrentes" (prefiro chamar de "colegas de profissão", é mais amistoso).

E não é ler um ou outro. O bom mesmo, se possível, é ler de tudo um pouco. Contos, romances, poesias, artigos, ensaios, posts de blog, enfim, tudo.

Um aspirante a escritor precisa estar atento ao que acontece no meio literário e editorial. Saber quem é a bola da vez ou a mais "nova e ousada" editora é bom.

O aspirante não pode também ter vergonha de nada. Nem do que tem, nem do que não tem; nem do que é, ou do que não é; nem do que escreve, nem do que não escreve. Se tem dinheiro para investir em si, não é sua culpa. Se não tem dinheiro para comprar um livro, não pode ter vergonha de passar algumas tardes ou manhãs em alguma biblioteca ou de pedir emprestado o livro a algum amigo (apesar de eu não aconselhar isto; eu mesmo não empresto os meus, coisa rara isso acontecer).

Outra coisa que o aspirante a escritor precisa é confiar no material que tem e dar o melhor de si por ele. Não importa se escreve apenas contos curtos ou se está às voltas com uma única e infinita obra. Para quem precisa ganhar tal confiança, sugiro ler Charles Bukowski e John Fante, mas com cuidado. Não se pode deixar contaminar pela síndrome de Bandini, doença que assola muitos aspirantes a escritor que confiam tanto em si mesmos que esquecem de que, quem julga mesmo, seus escritos, são os leitores.

Dialogar. Este é um verbo que o aspirante a escritor precisa praticar. Ele precisa dialogar com os seus leitores - mesmo que sejam poucos, no início - e com escritores. O aspirante deve conversar, e muito, com todos os que aparecerem em seu caminho. Deve colocar seus escritos à prova e respeitar todas as opiniões que lhe forem dadas. Note que utilizei o verbo "respeitar" e não "aceitar". Apenas algumas opiniões e sugestões devem ser acatadas, e o aspirante a escritor, se bem preparado, saberá quais são elas.

O preparo vem das leituras. É com elas que o senso crítico se aprimora. E aí o aspirante vai saber quando deve mudar o fim de uma história, cortar um personagem ou mudar a voz (primeira, segunda ou terceira?) que narra sua obra.

Aos prosadores: não subestimar ou deixar de lado a poesia. Aos poetas: não se atenham apenas aos versos. Poetas e prosadores aprendem uns com os outros, e podem trocar inspirações e influências entre si.

A paciência é uma virtude que os aspirantes a escritor devem ter em índice elevado. Isso porque ele precisa reler várias vezes o que escreveu, ver o que pode cortar ou modificar, deixar o escrito de lado por alguns dias, ler novamente, cortar, modificar, guardar o escrito por mais outro tanto de dias, lê-lo de novo, e assim sucessivamente, até ter certeza de que o trabalho acabou e a obra está pronta. Aliada à paciência deve estar a vaidade. Pecado capital que, apesar de enviar o aspirante a escritor a um lugar que não é o paraíso, é indispensável. Um aspirante a escritor não deve, nunca, fazer corpo mole e divulgar um texto que não seja, no mínimo, bom.

É por isso que as conversas, tanto com leitores quanto com escritores, são fundamentais. Mas pode acontecer de o aspirante a escritor morar em uma cidade do interior e nela não existirem adeptos do "literatismo". Paciência. Um e-mail ou uma agência dos Correios resolve isso.

O aspirante a escritor deve ter, também, muita cara de pau. Como então mostrar seus escritos a um ou a outro? Ou enviar um original a várias editoras? Tem até aquele ex-aspirante a escritor (agora escritor) que distribuiu, de graça, uma edição de contos que pagou do próprio bolso, em uma festa literária aí...

Ou seja, não é um caminho fácil, o do aspirante a escritor. E ele, se levar mesmo a sério a vontade (seja lá vocação ou apenas um capricho), terá de abdicar de algumas (ou de muitas) coisas. Prefiro nem falar sobre isso, para não assustar aos outros (e a mim mesmo).

Pode também acontecer de o aspirante a escritor ser picado pelo mosquito do desânimo e da frustração. Mas ele, o aspirante, não pode, jamais, dar-se por fracassado ou vencido. Se as coisas não deram certo, não adianta se desesperar ou entrar em depressão. Pois o mais importante, para um aspirante a escritor, é ter consciência de que o caminho que escolheu, o da literatura, é longo e cheio de pedras, como naquele conhecido poema. O sucesso e o reconhecimento podem vir ou não. O que importa, mesmo, é ter certeza de que tudo o que poderia ser feito, foi feito. Só assim o aspirante a escritor, mesmo não tendo alçado vôos mais altos, pode dormir tranqüilo. E com orgulho de si.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 6/4/2007

 

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