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Quinta-feira, 3/5/2007
Wikipedia: fama e anonimato
Fabio Silvestre Cardoso

Na edição do mês de abril, a revista Piauí trouxe em seu primeiro texto uma piada acerca do novo ministério do Governo Lula. Para resumir a piada, e mesmo porque eu acho que o artigo em questão é imperdível, o jornalista Marcos Sá Correa assinala: "a Wikipedia foi a melhor fonte de informações sobre o que não acontece no ministério do presidente Lula" - isso porque o texto na Enciclopédia Livre está carente de dados. O texto de Marcos Sá Correa apareceu num mês particularmente complicado para a Wikipedia. Se esta crônica fosse um texto de media criticism, arriscaria a seguinte análise: a grande imprensa, da Folha de S.Paulo à revista Carta Capital, passando pelo O Estado de S.Paulo, foi unânime em chancelar a mesma crítica à Enciclopédia Livre: faltaria, segundo os críticos, métodos que assegurassem que as informações veiculadas pela Wikipedia fossem confiáveis. E o caso ganhou novas dimensões quando descobriu-se que um dos editores não era um especialista em religião, como aclamava ser, mas, sim, um estudante, que participava do site como Teólogo - tendo, inclusive, escrito inúmeros textos sobre o referido tema. Com efeito, erros e imprecisões são, infelizmente, uma praga comum não só na internet, mas, também, nos jornais. Qual seria, então, o grande problema com a Wikipedia? Para tentar responder a questão a conteto, vou precisar de mais alguns parágrafos. Confira-os logo a seguir.

A princípio, é fundamental louvar os princípios fundadores da Wikipedia. Afinal de contas, é a prova maior do alcance e do poder da internet, uma vez que a página pode, com efeito, disseminar o conhecimento entre os internautas em geral, e para os seus freqüentadores, em específico. O leitor que quiser, por exemplo, conhecer mais acerca do escritor norte-americano John Cheever tem uma bela oportunidade com a Wikipedia. Assim como os interessados em descobrir a trajetória do jornalista inglês Cristopher Hitchens têm à sua disposição o referido verbete no site. Mas a Wikipedia não pára por aí. Com efeito, o leitor que se considerar apto para tanto também consegue, para além de conferir no texto de Hitchens e a bibliografia de Cheever, colaborar para com a enciclopédia. Daí, talvez, a origem de seu grande mote: a enciclopédia livre. Uma vez que você se considerar capaz, é possível ampliar os verbetes de seu interesse/área de atuação; portanto, cada leitor "é potencial colaborador do projeto". As aspas referem-se a um texto da própria Enciclopédia. É um princípio magnífico, pois sim. Entretanto, algumas de suas peculiaridades não têm sido contempladas e o que era para ser um projeto de divulgação do conhecimento tem se transformado em uma triste comédia de erros disponível em dez idiomas.

Por questões de espaço e, também, pela natureza deste texto - que não é de um enciclopedista, mas de um generalista como os editores da própria enciclopédia livre -, pode-se resumir em dois os elementos que descaracterizam o projeto original da Wikipedia. Fama e anonimato. Parece título de livro de jornalista norte-americano, mas, em verdade, essas duas palavras mágicas explicam e dão contundência à teoria desconstrucionista da Wikipedia - calma, calma, não é uma tese -, justamente porque elucidam um fenômeno bastante comum no que tange o livre-pensar e, mais do que isso, o andamento das idéias em terra brasilis. Pois, de um lado, vivemos em uma época que é mais fácil adotar as idéias prontas, ainda que elas sejam fora do lugar, a buscar originalidade em qualquer coisa que seja. Assim, num momento em que os intelectuais se silenciam, a choldra vê o BBB, e os escritores vão passear com dinheiro público, a regra é simples: copiar, colar. De outro lado, como sói ao pós-modernismo livre-cátedra, as referências já pertencem a um discurso mais ou menos comum. Paulo Francis escreveu, no início do Cabeça de Papel: "não reconhecemos mais Drummond". E é verdade. As pessoas não mais se recordam de suas referências. Nesse sentido, se o Saber está morto, tudo é permitido (essa você pode consultar lá, leitor)

Mas, afinal, onde é que está a relação entre fama e anonimato e a Wikipedia? Pois bem. Nada mais simples do que o seguinte teorema. Em busca da fama, estão os colaboradores, os escribas que, grosso modo, padecem da falta de superego e decidem, por que não?, escrever uma Enciclopédia! Tudo estaria OK se, e atenção para essa condição, outros tantos anônimos não levassem isso tão a sério. Como tão a sério? A ponto de copiar trechos inteiros de verbetes e reproduzi-los não só em posts de blogs e/ou artigos de jornais, mas, também, em trabalhos ditos científicos, monografias, dissertações e teses. Os bárbaros chegaram, enfim. Agora, além de não reconhecerem Drummond, não mais sabem distinguir o significado das coisas, porque consultam tão somente na Wikipedia. E acreditam que está tudo certo se pararem por ali. Uma lástima, portanto.

É certo que nem todos os colaboradores da Wikipedia são falsários, assim como nem todos os seus usuários fraudadores intelectuais. O problema da Wikipedia não está em seu princípio, mas, como acontece com o Google, do uso que se faz dela. E é sobre isso que deve existir uma reflexão. Por enquanto, aos mais exaltados, pede-se parcimônia e um pouco de coerência. Se é correto afirmar que a Wikipedia possui informações relevantes sobre os mais diversos conteúdos, sobretudo porque seus colaboradores são pessoas que têm informação atual e podem repelir aquilo que estiver errado, também é justo considerar algo muito simples: a checagem das informações/verbetes em outras fontes, outras enciclopédias (elas existem, pessoal!). Do contrário, sou levado a crer, de acordo com a leitura da Piauí, que, se não está na Wikipedia, não existe...

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 3/5/2007

 

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