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Segunda-feira, 14/5/2007
Sou um de vocês
Eduardo Mineo

Eu ouvia meus amigos das Faculdades de Ciências Humanas da USP reclamando meio brabos sobre as pessoas esnobes da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e ficava imaginando naturalmente que aquele fosse o lugar mais legal de todos, um ambiente finalmente e verdadeiramente aristocrático, com jazz, coquetéis de gim e garotas que soubessem escolher charutos para seus acompanhantes. Quando entrei para a FEA, amei aquela faculdade, porém não tinha jazz, não tinha gim e as garotas olhavam minha caixinha de charutos e diziam jogando o cabelo pro lado: "Cê viaja, meu!" Onde vocês estão, aristocratas esnobes da FEA? Olá? Me digam, por favor, eu sou um de vocês!

Gosto de me sentir aristocrata — quem não gosta? Quer dizer, não um aristocrata qualquer. Uma boa aristocracia não seria aquela aristocracia dos gregos, com todos aqueles arroubos de onipotência, porque daria muito trabalho. E nem a aristocracia da Europa antiga, que quando me ocorre, tenho a imagem de um gordo suado jogando comida em servos. Penso num modelo de aristocrata mais tranqüilo, que procura a satisfação intelectual e sobretudo, sobretudo, o bom gosto.

Já disse isto tantas vezes que quando ameaço retomar o assunto, as pessoas simulam choro, mas bom gosto implica necessariamente um certo desinteresse por política. Política é sempre sinal de irritação e de mau gosto. Quase sempre quem gosta de política se choca com muita facilidade, fica ofendido dizendo que você é a favor da pobreza e fala soltando cuspinhos. Tudo bem que eu discutia bastante política, mas na medida em que fui melhorando como ser humano, o meu interesse por política foi sumindo até que um dia eu já não falava mais soltando cuspinhos. É tão mais educado falar sobre, sei lá, qualquer coisa, menos sobre política. Sei que política é importante, mas meus livros de ficção também são importantes e eu prefiro me dedicar a eles. Me sinto bem melhor me dedicando a eles.

Ainda assim, não diria que perdi tempo lendo autores políticos, nem os socialistas que, embora tenha me dedicado bem mais a Ludwig von Mises, me explicaram mais ou menos o ponto de vista desta turma. Mas de qualquer forma, é um assunto que sempre foge das minhas premissas mais importantes, mais sagradas: a serenidade e o bom gosto. Pra mim, ler Rosa Luxemburgo e todo aquele aborrecimento da causa operária, numa escalinha de bons modos, estaria no patamar de comer lasanha com as mãos. E imagino que, se vocês perceberem isto, também farão cara de nojo quando alguém começar a falar em política do seu lado.

Será que esta minha frescura com política me exclui da direita? Eu me considerava de direita até este instante, mas agora fiquei na dúvida. Acho razoáveis as posições econômicas da escola austríaca e tudo, mas faz tanto tempo que não leio nada a respeito que provavelmente perderia uma discussão aos vexames para qualquer molequinho bancando o escoteiro engajado. Não que isto seja desonroso, muito pelo contrário. Perder uma discussão política é o primeiro passo para a dignidade. E convenhamos, a direita brasileira é uma coisa muito triste. Ficou ainda pior de uns tempos para cá, principalmente porque o Olavo de Carvalho trouxe muita gente ruim com ele, como que entrando na nossa salinha dos direitistas reclamando excessivamente alto sobre aborto e Foro de São Paulo. Me desculpem, mas tive de sair.

Mas outro aspecto interessante na aristocracia é que ela dá bem menos valor ao trabalho do que os burgueses ou os socialistas. Há um tempo atrás, eu acreditava bastante nos valores do trabalho e pensava apenas em ficar rico, muito rico. Imaginem um cara rico e aumentem daqui até o céu, era o que eu queria ser. Mas não tinha um objetivo além deste. Hoje, ainda quero ser rico, óbvio, mas com o objetivo bem definido de parar de trabalhar. O poder absoluto de acordar e dizer "não, hoje não" sem prejuízo significante é a única coisa pela qual as pessoas deveriam lutar com sinceridade. Tudo mais não é sagrado o suficiente.

Será que é possível discordar disto? Alguém jovem e disposto poderia reclamar do tédio, mas não estou falando em parar de trabalhar e me trancar em casa, embora eu esteja longe de achar ruim esta idéia. Só aconteceu que, para manter o padrão de vida que considero razoável, preciso do trabalho e sonho com o dia em que me livrarei deste compromisso para poder me dedicar ao que eu gosto. Pelo menos sem me transformar automaticamente num mendigo.

Me falam sobre pesquisas e bolsas científicas e acho interessante, às vezes, porque chega perto do que considero ideal: estudar sobre o que eu quiser e ainda ser pago por isto. Entretanto esta idéia ainda é incômoda para mim. Até estes dias eu defendia a opinião de que a maior parte do investimento público deveria ser voltado para a iniciativa privada, que, afinal, paga as contas, e para o mercado, que de uma certa forma representa o desejo imediato da sociedade. Porém, nada do que me interessa está voltado para o mercado e não consigo me convencer de que a sociedade tenha que pagar pelos meus caprichos intelectuais. Assim como pesquisas e bolsas científicas.

Por isto minha única forma de alcançar a aristocracia será trabalhando bastante. Talvez consiga, talvez não. Eu espero que sim. E espero também, com alguma sorte, encontrar o jazz, os coquetéis de gim ou pelo menos as garotas que saibam escolher charutos. Pelo menos uma, poxa vida.

Eduardo Mineo
São Paulo, 14/5/2007

 

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