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Sexta-feira, 25/5/2007
O bom, o ruim (e o crítico no meio)
Rafael Rodrigues

Não me considero um crítico, e insisto em não admitir que faço parte dessa categoria. Simplesmente pelo fato de eu ter consciência de que não tenho ainda preparo cultural para me considerar um. Não há nada de errado em admitir e reconhecer isso, não estou menosprezando minha capacidade. Apenas reconheço o fato de eu ainda ter muito que estudar e aprender, se quiser ser um bom crítico. Mas eu resenho livros, e isso é fazer crítica. Ou não?

Graças a Deus, escolho os livros que quero resenhar. Ou, melhor dizendo, eu só resenho o que eu gosto. Não resenho livros que me foram empurrados - até porque, é bom que seja dito, o Julio, nosso infalível editor, não empurra livro em ninguém. E quando eu acho um ruim, me perdoem, vai doer em alguns, mas eu encosto ele.

Qual o mal em se encostar um livro? Colocar ele de lado e nunca mais ler? Não vejo mal algum. "Ah, mas você tem de dizer que o livro é ruim, proteger o leitor!" Não sou Capitão Planeta, meu nome é Rafael e eu gosto de recomendar leituras. Mas é inegável que o crítico deve, sim, criticar quando achar que deve criticar. Não no sentido de que ele olhe para a pilha de livros que tem na escrivaninha, escolha um e diga: "Vou falar mal desse hoje" ou "Hum... A autora é bonitinha, vou falar bem dela". Ou então não gostar de um livro e falar mal. E gostar de outro e só falar bem. Não é assim.

Todo crítico tem o direito de gostar ou não de determinado livro, mas ele não tem o direito de falar mal de uma boa obra apenas pelo fato de não ter gostado dela. Se ele não souber distinguir o que é bom e o que é ruim e separar isso da questão do gosto, ele está perdido. Nem deveria fazer crítica, aliás.

Ainda bem que até o momento não tive a necessidade de falar mal de um livro. Tenho tido sorte com minhas leituras, muitas delas escolhidas de maneira totalmente anárquica, sem critério concreto algum (isso é assunto para outro texto, aliás). Se bem que tem um autor que está na minha estante só aguardando o tempo certo de eu ler os livros dele e falar mal. Porque esse realmente eu acho que é obrigação minha avisar a todo mundo que não presta.

Não estou por dentro da crítica literária brasileira contemporânea. Eu acho a crítica das revistas insossa, sem muita verve, salvo raras exceções. Os críticos que eu leio - e que acho bons - são o Julio, o Fabio (Silvestre), o Jonas (Lopes), o Luis (Eduardo Matta), o Marcelo (Spalding), o Sérgio (Rodrigues), o Paulo (Polzonoff), caras que elogiam quando acham que devem e que apontam as falhas quando acham que devem também. Só que criticar é algo muito subjetivo, alguém diz. Concordo. Afinal, posso elogiar um livro só porque gostei dele, certo? Posso encontrar mais qualidades que defeitos, ou posso maquiar os defeitos do livro. A maior prova disso são as resenhas elogiosas de O código da Vinci (que tem, sim, pontos passíveis de exaltação, mas não é, definitivamente, um livro bom, como foi alardeado por alguns, na época do lançamento).

E é aí que o crítico é pego pelo pé: se eu amanhã resenhar o Código, por exemplo, e dizer que é uma obra de arte, por algum motivo escuso, vão saber que não sou um crítico justo, honesto. Afinal, estaria elogiando um livro que eu sempre disse não ser boa literatura. Minha sorte é que prefiro resenhar Charles Kiefer, Menalton Braff, Ronaldo Correia de Brito, Nicole Krauss, Jonathan Safran Foer e outros tantos que são bem menos lidos do que deveriam ser (os dois últimos até que não, porque foram "vendidos" como "popinhos" aqui no Brasil).

O crítico que elogia o livro do amigo, só porque é amigo, e detona o do inimigo, só porque é inimigo, é um bobalhão. Porque todo mundo vai saber mais cedo ou mais tarde o real motivo da resenha, e isso pega muito mal para o resenhista.

Eu elogio meus amigos quando tenho a certeza de que eles são bons. Quando eu os considero bons. E não vou parar de fazer isso. E se meus inimigos (graças a Deus não os tenho) lançarem um livro bom, vou elogiar sim, claro, com o maior prazer. Um cara que torço o nariz, mas que admiro, é o Jerônimo Teixeira, crítico de literatura da Veja. Porque ele fala mesmo (não sei como estão os textos dele agora, já faz algum tempo que não o leio), gosto da petulância dele. Era o que eu enxergava quando eu o lia (espero que não me chamem de míope). E, mesmo torcendo o nariz, porque ele falou mal de um amigo meu sem motivo algum (olha a mistura do pessoal com o profissional aí...), se eu gostar do livro dele - que estava para ser lançado e espero que seja logo -, vou elogiar (olha a distinção do pessoal com o profissional aí...).

A questão do gosto, da qual falei alguns parágrafos acima, é complicada. Quer dizer, talvez não seja complicada, mas cada um tem uma opinião a respeito. A minha eu já disse: "Todo crítico tem o direito de gostar ou não de determinado livro, mas ele não tem o direito de falar mal de uma boa obra apenas pelo fato de não ter gostado dela."

Meses atrás li e resenhei Um quarto com vista, romance de E. M. Forster. O livro é engraçado, mas a leitura é arrastada até a metade do livro. Só depois é que fica um pouco mais ágil. Mas não é por achar isso que vou afirmar que o livro não é bom. O romance é bem escrito, tem lá suas falhas, mas é bem escrito, e é de uma importância sem tamanho, porque há no livro referências ao movimento feminista, que não tinha ainda força alguma, há no livro críticas à burguesia inglesa e há também uma leve insinuação ao homossexualismo, que viria a ser tema de um outro romance de Forster, décadas mais tarde. Um quarto com vista é um livro bom, e se alguém inventar de provar que não é vai ter que suar bastante (em vão, diga-se de passagem). Não foi um livro que gostei muito de ler, mas é um livro bom e merece ser lido por todo aquele que queira ler uma obra que tem algo a dizer.

Mas é óbvio que o "gostar" pode interferir no juízo de valor do crítico. Ele pode gostar muito de um livro, saber que não é tão bem escrito, mas fazer uma resenha elogiosa sobre ele. A depender de como ele faça isso, tudo bem. Tenho ali um livro do Philip Roth pra ler, o primeiro dele, Adeus, Columbus, lançado recentemente pela Companhia das Letras. Comecei e precisei interromper a leitura. Mas gostei muito do que li até agora, apesar de achar que o jovem Roth quis mostrar ao leitor que ele tinha/tem muito conhecimento. O excesso de detalhes chega a atrapalhar a leitura em certos pontos e a novela fica chata, em alguns trechos.

Eu não gosto de detalhes. Digo, eu não gosto de descrições longas e cheia de detalhes. Mas aprecio bastante quem as consegue fazer, porque fazê-las bem ajuda muito. E Roth faz isso bem. Só que eu não gosto. Mas eu gostei do tema da novela - são seis, se não me engano, no livro, estou me referindo à primeira. Passei o olho pelas outras e percebi que não tem como eu não gostar do livro. Apesar de eu não gostar de certos maneirismos dele.

Discutir e encerrar uma discussão sobre crítica não é a minha intenção. Algumas declarações que você lê agora foram proferidas antes em meu blog, e elas geraram uma discussão que só não foi levada adiante porque tanto eu quanto meus interlocutores temos mais o que fazer. A discussão foi excelente, num nível muito bom (gostaria até de abrir uma exceção aqui e indicar o blog de um deles, o Lucas Murtinho, que me fez quebrar a cabeça para interagir com ele), e espero que, se houver discussão aqui nos comentários, que ela siga da mesma maneira, sem maiores exaltações ou alguém querendo me bater.

Enfim. O papel do crítico, como diria alguém, é a folha do caderno, ou a tela do computador. Ele que seja justo e faça o que for justo. Elogiar quem merece, falar a verdade de quem não tem talento. E ponto.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 25/5/2007

 

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