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Segunda-feira, 28/5/2007
O bit, o papel e você no meio
Ram Rajagopal

Uma discussão bastante acalorada foi levantada pelo nosso editor - que ao contrário do que aqueles que o atacam imaginam, é uma pessoa bastante tranqüila e aberta ao diálogo: será que realmente é necessário publicar em papel? A pergunta poderia ser feita assim também: será que não podemos preservar algumas árvores evitando publicar livros que não serão lidos mesmo? As pessoas têm encarado o debate, e o artigo do Júlio em especial, como impondo uma espécie de dilema entre o bit - que representa publicar on-line - e o papel. Que ele quer prever o "fim do papel", e tomar de assalto a literatura mundial com livros em PDF. Não imagino que tenha sido esta a intenção dele, e nem do debate mundial que está acontecendo ao redor do futuro das publicações impressas. Vou dar alguns exemplos de consequências práticas deste debate, para ilustrar como eu vejo esta questão.

Obviamente, o custo de publicar em papel é muito maior que o custo de publicar em bit, mas, por outro lado, a conveniência e a tradição do papel, do livro em particular, fazem dele ainda o canal que dá uma grande exposição ao autor, especialmente em países com menos acessos a recursos eletrônicos. Mas ao contrário do que muitos imaginam, o embate bit-papel, não é um embate, e sim uma colaboração. A solução que mais se observa na prática parte da idéia que bit e o papel são complementares. No entanto, isto exige editoras e autores abertos ao diálogo e as possibilidades, que no fim das contas servem para lhes aumentar o público leitor.

Aqui em Berkeley muitos professores vêem a publicação em bit como forma de difundir seus livros. Meus professores tomaram uma decisão alguns anos atrás: só publicam seus livros por editoras que aceitem disponibilizar gratuitamente a PDF do livro na Web. E, ao contrário do que se imagina, a vendagem aumentou consideravelmente. Qual a razão deste fenômeno? O livro eletrônico grátis tem um baixo custo para o usuário, e funciona como um grande atrativo. Uma vez que o usuário - seja ele um engenheiro, outro professor, ou especialmente os estudantes - se acostuma a consultar o livro eletrônico, ele se tornar cada vez mais indispensável. Até que o usuário decide que a conveniência e as facilidades do livro de papel são necessárias, e compra uma cópia, mesmo a um custo de 50 dólares! Essa é minha experiência e também a de vários amigos.

O único problema dessa abordagem: livros ruins não vendem. Mas isso é verdade de qualquer maneira, porque, hoje em dia, se seu livro não é oficialmente liberado para consumo eletrônico gratuito, alguém toma o tempo para scanear, ou para tirar xerox. Especialmente os livros populares ou aqueles adotados em cursos universitários. Eu acho que, para a maioria das pessoas, um bom livro justifica seu preço justo. Com os romances, que são consideravelmente mais baratos, ainda assim um livro é um investimento de 3 idas ao cinema, com a inconveniência de que você tem que ler para descobrir se é bom ou ruim. E se você reparar, os romances piratas disponíveis em PDF são sempre de livros populares. Ninguém vai perder seu tempo scaneando um Ulisses, exceto se tiver que usá-lo para algum curso universitário...

Novamente, por que autores e editoras em geral têm resistido a esta mudança? Porque livros ruins passam a vender absurdamente menos. Esta observação é confirmada por relatos de vários professores com quem tenho conversado sobre o assunto. Ao disponibilizar gratuitamente o livro, você incorre o risco de que o leitor se desestimule a usar seu produto, antes de se animar a pagar por ele. O livro ruim e pouco popular - ao contrário do bom livro pouco popular - só vende porque o leitor tem informação incompleta. Antes que vocês me crucifiquem por essa afirmação, deixo claro que bom e ruim é um gosto pessoal. No entanto, toda a teoria e prática econômica diz que o mercado é muito mais eficiente quando tanto aqueles que compram quanto aqueles que vendem têm acesso a informação completa. Hoje muitos autores lucram em cima da informação incompleta que provêem a seus prospectivos leitores...

Por isso que muitos destes mesmos autores temem e desvalorizam o tradicional boca-a-boca. O boca-a-boca é uma maneira de compensar esta ausência de informação completa. Você pode aprender um pouco mais sobre o livro antes de comprá-lo. Só que neste caso, você tem um problema. A informação chega a você processada por uma terceira pessoa. Não importa quantas opiniões você ouve, ainda serão as opiniões dos outros, e não a sua. E você estará usando este conjunto de informações incompletas para tomar uma decisão. Quem sai perdendo é exatamente o autor, porque ele maximiza a chance de vender um livro para você caso ele seja do seu gosto, e não caso ele seja do gosto do seu melhor amigo...

Como um aparte, isto também explica a grande importância dada nos meios editoriais para criar certas figuras cujos gostos são apresentados como tendo grande importância... A eles é dado espaço na mídia e compensações financeiras para emitir opiniões sobre os livros. Muitos são patrocinados diretamente ou indiretamente pelas editoras. Quanto mais ineficiente o mercado de livros, maior a importância destas figuras, e mais suporte eles receberão de todos aqueles que partcipam do mercado do lado vendedor (editores, autores, e livreiros).

Qual a solução? Para livros texto uma ótima solução é disponibilizar o livro gratuitamente na Web sob o formato PDF. O bom livro texto será invariavelmente comprado pelos leitores se estiver a um preço justo (se não estiver, e se não houvesse PDF, o livro invariavelmente vai para a Web via cópia pirata). O leitor compra o livro texto porque pode consultá-lo com mais facilidade, e é bem mais fácil e prazeroso ler no papel que na tela do computador. Estudos recentes indicam que artigos disponibilizados na Web sob formato PDF, acessíveis gratuitamente, são citados três vezes mais que o restante. Então, provavelmente, seu livro texto ficará bem mais popular com esta medida. Você será mais citado e, como autor, poderá ter outros benefícios econômicos imediatos além da vendagem dos livros.

Já para romances, não sei ainda exatamente qual é a solução. Imagino que disponibilizar gratuitamente o PDF na Web, mesmo do livro publicado em papel, não seja má idéia. Já li vários livros disponíveis em PDF, e quando comecei a gostar do livro fui lá e comprei, porque é muito mais fácil ler em papel. Uma outra prática talvez fosse vender cópias eletrônicas a preços módicos (5 a 10 reais, menos que um cinema), e caso o leitor deseje comprar o livro em papel, oferecer o abate do preço pago pela cópia eletrônica (que tem custo zero de reprodução). Uma terceira alternativa é oferecer uma versão resumida do livro gratuitamente (em inglês se usa o termo abridged edition). Num suspense, por exemplo, o resumo poderia conter boa parte da estória, exceto pelos capítulos finais. Editores e autores terão que experimentar para descobrir a fórmula correta.

Mas eu acredito que qualquer solução pacífica, e financeiramente efetiva, da convivência entre o bit e o papel passa por autores e editores serem mais conscientes deste problema de assimetria de informação, e procurarem ganhar dinheiro com vendas de livros não porque o leitor não conhece bem o material, mas sim porque o material é intrinsecamente bom e agrada a aquele leitor específico. Gananciosamente vender para todos, indiretamente fazendo com que aqueles que não gostem do livro a posteriori o comprem, ou vendendo o material a preços que o leitor não esteja disposto a pagar, só acarretarão perda de lucro. Cobrem o valor justo pelo seu material, e procurem vender da maneira mais honesta possível, efetivamente só cobrando daqueles leitores que gostaram do livro. Caso isto não seja feito, cópias piratas e outras abordagens mais danosas acabarão por prevalecer fazendo com que o lucro seja bem menor, ao invés de bem maior.

Post Script
Muitos escritores dizem que seus livros não são caros e, portanto, tão acessível quanto um filme. No entanto, o valor do livro será determinado por cada leitor individualmente, por cada comprador, obra a obra. O leitor irá precificar o livro relativo aos outros prazeres da sua vida. Infelizmente, é assim que funciona o mercado livre. Mas como conquistar mais leitores, então? Primeiro, escrevendo livros que desejem ser lidos. É a criação de um mercado de leitores, como defende o Luis Eduardo Matta. Segundo, é oferecendo ao leitor o maior número de oportunidades para conhecer a obra, a um custo que seja atraente para ele. Sem o primeiro, não haverá pessoas suficientes nem para experimentar a versão gratuita on-line. Sem o segundo, mesmo que hajam pessoas suficientes, poucas irão comprar a obra.

Editores, autores e livreiros devem começar a tratar nós leitores como adultos, e respeitar nossos gostos, idéias, e noções de valor. É isso que fará com que eles, editores, autores e livreiros tenham muito mais sucesso.

Ram Rajagopal
Berkeley, 28/5/2007

 

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