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Segunda-feira, 28/5/2007
Exceção e regra
Eduardo Mineo

É curiosa a idéia de um estudante de universidade pública entrar em greve. É como se alguém recebesse todo dia leite de graça e, para protestar contra alguma coisa, a solução mais contestadora que lhe ocorresse fosse a de não aceitar mais o leite. Por que o leiteiro se sentiria ameaçado com esta atitude? Não faz sentido, não faz o menor cabimento. Os estudantes são os maiores beneficiários e quem sai perdendo são eles. E não vejo como uma greve de estudantes pressionaria o governo. Talvez afetasse a opinião da sociedade, mas acontece que a maior parte da população acha razoável cortar verbas das universidades públicas, pois acredita que só vagabundo rico estuda lá. E qual seria a barganha de uma greve de estudantes? Imagine o secretário entrando todo afoito no escritório do governador aos gritos "São os alunos da USP! São os alunos da USP! Eles estão em greve!" e o governador "Foda-se, ué. Um gasto a menos." Provavelmente foi o que o José Serra pensou até agora.

Bom, essa foi minha impressão ao ler os jornais. Senti até ódio dos alunos da USP, badernando e vandalizando o patrimônio público. A questão é que não são os alunos da USP. Tampouco a USP quer greve. Das 66 unidades que a compõem, apenas parte de 3 aderiram. Não chega nem a 5% da USP. E a ADUSP (Associação dos docentes petistas da USP) insiste em agitar uma greve de professores baseada numa votação realizada por apenas duzentos professores, sendo que a universidade tem mais de cinco mil. Houve ainda aquela mega assembléia contra os decretos do governador que contou com exorbitantes 1.500 alunos. É 1% e quebrados do total de alunos da USP. Então, que papo é este de "alunos da USP"? Os sujeitos que invadiram a reitoria estudam na USP, mas estão longe de representar os alunos. Aluno da USP tem mais o que fazer; tem que estudar porque é para isso que a população paga imposto, não para ficar perambulando pelas faculdades vestido de palhaço. Aluno da USP tem que estudar, se não reprova. Reprova porque professor da USP dá aula em vez de ficar se imaginando um carvoeiro do início do século todo zangado com o capitalismo. São exceções virando regra.

Querem fazer greve por causa dos decretos do governo do Estado de São Paulo, que dizem diminuir a autonomia das universidades públicas. Mas onde viram nos decretos alguma ameaça à autonomia das universidades? O assunto estaria encerrado nos primeiros dias se não fosse por causa de uma pessoa: Pinotti, o presidente do Conselho de Ensino Superior. Meu Deus, alguém precisava parar aquele sujeito. Com suas entrevistas inconsistentes, ele comprometeu o governador, os reitores, os alunos, todo mundo perdeu credibilidade e deu espaço para acontecer a invasão da reitoria da USP. E a reitora (Suely Vilela) também não contribuiu em nada, pois quando ela cedeu algumas reivindicações, ela validou a invasão, como se ela tivesse liberado verbas do fundo para melhorias, não porque elas eram necessárias, mas porque invadiram seu prédio. É só invadir a reitoria que se consegue tudo.

Os principais pontos nos decretos que os invasores alegaram influenciar na autonomia das universidades dizem respeito à subordinação da USP à Secretaria do Ensino Superior e à prestação de contas ao Siafem, o órgão responsável por isto e que também recebe prestação de contas do Legislativo e Judiciário, instituições cuja autonomia é consagrada. E como era de se esperar os três reitores das universidades do Estado de São Paulo (Unicamp, Unesp e USP) desmentiram a influência na autonomia de suas universidades de forma sucinta e ainda esclareceram que a USP já prestava contas ao Siafem mensalmente desde 1997. Com os decretos, esta prestação de contas passou a ser diária. Apenas isso. Sobre a subordinação das universidades à Secretaria do Ensino Superior, não há por que acreditar que isto influenciará a autonomia, pois a USP, desde 1989, sempre esteve subordinada a alguma secretaria, seja a da Casa Civil, seja a da Ciência e Tecnologia. E nunca houve qualquer ameaça de interferência do governo na universidade. Por que agora existiria tal ameaça?

Houve ainda duas reclamações dos invasores quanto a uma contingência de verbas e sobre a alteração no Cruesp (Conselho dos Reitores das Universidades de São Paulo). Hoje, o Cruesp é formado por dois secretários e pelos três reitores das universidades de São Paulo. Com a mudança, o presidente da Secretaria do Ensino Superior passaria a presidir o conselho e seria incluído mais um secretário. Com os protestos, esta medida foi prontamente cancelada e o Cruesp não foi alterado. Mesmo se tivesse sido alterado, as universidades são autônomas e o conselho não interfere em suas decisões. É apenas um mecanismo de diálogo entre as universidades e o governo. Cada reitor continua sendo o responsável por sua universidade. De qualquer modo, isto não importa mais: o assunto morreu.

Já a contingência de verbas que ocorreu no começo deste ano foi uma questão técnica. As três universidades têm direito a 9,57% do ICMS (principal imposto recolhido no Estado de São Paulo) e quando acontece de o governo arrecadar mais do que o previsto, a diferença precisa ser aprovada pela Assembléia Legislativa. Foi o que ocorreu. Em dezembro, a arrecadação foi maior do que o previsto e o Orçamento precisava de aprovação antes de ser repassada às universidades. O Orçamento foi aprovado e pronto. Outro assunto que morreu.

Entretanto, não vejo os decretos como algo bom pois eles causam um aumento desnecessário de burocracia. A prestação de contas ao Siafem mensalmente me parece o suficiente. Uma prestação diária aumentaria gastos ao invés de diminui-los. É a mesma questão com as mudanças do Cruesp. Não vão melhorar em nada. Talvez, com uma secretaria específica para o ensino superior, algumas questões sejam agilizadas, porém nada que justifique os gastos. Mas mesmo assim, mesmo não concordando com estes decretos, não vejo motivo suficiente para sustentar uma greve ou uma invasão à reitoria. É desproporcional.

E conforme as questões que levaram à invasão da reitoria foram caindo, os invasores passaram a procurar outras motivações para validar sua baderna, como falar em reformas estruturais na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e no CRUSP (centro de moradia universitária). Tenho amigos que estudam na FFLCH, freqüento aquela instituição e sei de seus problemas, mas tenho de falar que foi uma opção da FFLCH. Na semana passada, um grupo invadiu uma aula da minha turma, na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), para fazer o discursinho fajuto de acesso universal ao ensino superior, o mesmo discurso que está arruinando não só a estrutura da FFLCH, mas também seus cursos. É uma política que apela para a democratização do ensino, mas que acaba generalizando o analfabetismo, diminuindo a qualidade dos alunos (se um aluno cotista tem a mesma capacidade de acompanhar um curso superior, por que não teria a mesma capacidade de passar no vestibular?), ou aumentando a quantidade de vagas para um número acima do suportável (só a carreira de Letras recebe 850 novos alunos por ano), o que demanda gastos fantásticos e que precisa sair de algum lugar do orçamento, ou seja, das reformas e da manutenção dos cursos.

A proposta de acesso universal ao ensino superior tem uma boa intenção, mas o Estado não tem capacidade de atendê-la e forçá-la apenas prejudicará ainda mais o nível das instituições. Nem nos países desenvolvidos acontece desta forma. E também a resistência às fundações (entidades privadas vinculadas às faculdades) contribui para este colapso da FFLCH, numa crença caipira de que dinheiro limpo é dinheiro do Estado, embora a FFLCH tenha muito potencial para ser usado por fundações, como sugeriu o Reinaldo Azevedo, por exemplo, uma parceria entre o departamento de sociologia e o IME (Instituto de Matemática e Estatística) que desbancaria qualquer Data-Ibope por aí.

O cômico é que esta parcela da USP contra as fundações argumenta que as faculdades seriam guiadas pelo mercado, mas eles não se encabulam com faculdades guiadas por partidos políticos, por ideologias políticas, guiadas por qualquer coisa que não o mercado. De qualquer forma, as faculdades não trabalham em função destas entidades, mas o contrário. As fundações são uma importante ferramenta para a manutenção do funcionamento das instituições de ensino sem a dependência exclusiva do Estado. É assim nos Estados Unidos, onde as universidades públicas cobram mensalidades, são apoiadas por fundações e são as melhores do mundo. Que mais vocês querem?

Eduardo Mineo
São Paulo, 28/5/2007

 

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