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Sexta-feira, 15/6/2007
Obsessão por livros
Rafael Rodrigues

Minha quase-obsessão por livros não me permite sequer considerar a possibilidade do fim do livro impresso, coisa que alguns chegam a profetizar de vez em quando.

Sou do tipo que pega o livro e o aperta como se fosse uma nova paixão — ou uma paixão já antiga. Não foram poucas as vezes em que me vi olhando para um lado e para o outro da livraria, abaixado entre as estantes para que ninguém me visse, para poder abrir um livro, colocar meu nariz entre suas páginas e respirá-las profundamente. Gosto de sentir cheiro de livro novo. Mas não de qualquer um. Somente daqueles pelos quais me interessei, dos que comprei ou quero comprar. Essa é uma de minhas manias, como leitor.

Para mim, o livro é, além de conhecimento, um objeto, um bem material sagrado. Posso não ter os meus livros organizados em um local e de forma adequada — estão uns por cima dos outros, na minha estante, de maneira desordenada —, mas tenho muito zelo com eles. E, exceto para algumas pessoas que enumero nos dedos de uma mão, não empresto meus livros a ninguém. Eu os trato com muito carinho e respeito. Cada livro que tenho tem uma peculiaridade, uma história. Se algum deles não tem, invento uma.

Se tenho todo esse cuidado com os livros escritos pelos outros, já dá pra imaginar o cuidado que terei quando publicar meu primeiro livro (oremos, todos, a favor disso) e todos os outros que se seguirem a ele (oremos, mais uma vez).

Faço questão de ser publicado no papel. Não existe nada de complexo, social, econômico, político ou filosófico nisso. Ser publicado em papel, para mim, é uma conseqüência natural das coisas. Além de ser uma vaidade minha.

Meses atrás o Julio me perguntou o seguinte: "Para os autores jovens, como você, o reconhecimento em livro ainda é imprescindível? O que acha disso?"

Respondi dizendo o seguinte:

"Bom, não posso mentir: é, sim, imprescindível. Quero ver meu nome na capa do livro, poder ler nele as palavras que agora estão nas folhas de velhos cadernos, amontoados no meu quarto. Quero folhear minhas próprias palavras em tipologia Elegant Garamond, corpo 12, impressas em papel off-white... Quero poder entrar numa livraria e ver alguém comprando meu livro. Quero ler um crítico literário detoná-lo em um jornal ou site cultural (mas um só, dos outros quero elogios), para eu dar boas gargalhadas.

Enfim. Querendo ou não, é um orgulho ser publicado em livro. E é o desejo da maioria dos que se dizem escritores. Quem escreve, escreve porque gosta, porque tem vocação, porque não consegue não escrever. Mas escreve também por vaidade, porque quer ser lido."

E acho que isso resume bem meu ponto de vista.

Não sou, de forma alguma, contra a digitalização dos livros. Podem digitalizar o que quiserem. É até bom, vai facilitar a vida de muita gente. Só não inventem de digitalizar o meu, quando sair, por favor. Quem fizer isso vai ter sérios problemas judiciais.

Minha única consideração a respeito da digitalização é a seguinte: o que é mais fácil: minha casa pegar fogo (Deus nos livre!) e meus livros queimarem, ou o meu computador ter um problema e eu perder meus arquivos? Eu moro na mesma casa há bem mais de 15 anos e nunca tivemos problema com fogo aqui (sem contar aquela vez em que toquei fogo num arranjo de minha mãe, mas isso não vem ao caso agora). Mas computador aqui já deu pane várias vezes, e nem sempre tive como fazer um backup antes de formatar. Gravar dados em CDs não é uma saída perfeita, pois até mesmo as mídias têm vida útil. O papel também, mas ele dura bem mais. Até hoje descobrem pergaminhos enterrados em tanto lugar...

Confesso que não gosto de ler livros no computador. Até já li, mas não foi uma leitura proveitosa. É engraçado eu dizer isso. Minha experiência na rede mostra que eu leio bastante no computador — não livros, mas leio. Aliás, falar disso me fez lembrar de um recente acontecido.

Meses atrás, para adiantar a revisão de alguns textos a serem publicados aqui no Digestivo, resolvi imprimi-los pra poder lê-los quando estivesse no horário de descanso do trabalho. Além de ter demorado bem mais tempo os lendo impressos, percebi que a revisão feita no papel não foi tão boa. Vi isso quando fiz uma segunda leitura deles na tela do computador.

Talvez seja o costume de ver os textos do Digestivo na tela. Mas talvez seja meu inconsciente fazendo com que eu entenda como coisas diferentes o texto impresso e o "texto virtual". Outra coisa que não consigo é ler, apenas no computador, citações de livros que tenho. Quer dizer, leio. Mas sempre pego o livro para reler o trecho no papel.

Além de ler bastante na tela do micro, escrevo para quem "lê virtualmente". Mas, para mim, como para muita gente, a Internet é um "rito de passagem" para o papel. Aqui, na rede, se escreve, se aprimora. Mais à frente, no papel, se consolida, se entra para a História da Literatura.

Escrever e ser publicado na Internet não é ruim, de maneira alguma. A interação que existe entre escritores e leitores é sensacional. Você acaba de ler este texto e já pode me enviar um comentário, que pode ser respondido em menos de 10 minutos, se eu estiver on-line. Isso é incrível. Amanhã meu texto pode estar lincado em um ou mais blogs. E mais gente pode ter acesso a ele. Isso é excelente.

Mas nem todo o público leitor virtual do mundo paga a vontade que tenho de ver as provas do meu primeiro livro (e dos livros seguintes). De vê-lo na estante de uma livraria, e de ver, pouco depois, alguém o comprar. Nem todo o público virtual do mundo paga minha vontade de entregar meu primeiro livro impresso à minha avó, que mora lá no interior da Paraíba, e dizer que o neto dela acabou mesmo se tornando um artista, exatamente do jeito que ela queria.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 15/6/2007

 

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