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Terça-feira, 10/7/2007
Dez obras da literatura latino-americana
Marília Almeida

Não é demais afirmar que a literatura latino-americana está no auge: muitas obras de seus principais autores estão sendo relançadas pela Companhia das Letras e Alfaguara, editora espanhola que se uniu à Objetiva e desembarcou no Brasil para ocupar um nicho carente, pois muitas delas não eram reeditadas no Brasil com novas traduções desde os anos 70, o que é surpreendente se tratando de um país no centro do continente e que tem essa literatura como a mais próxima de sua realidade.

Ao contrário do que muitos pensam, não é somente de histórias fantásticas, que teve seus máximos representantes no argentino Jorge Luis Borges e Gabriel García Márquez, com seu já clássico Cem Anos de Solidão, que essa literatura é composta. Mesmo Márquez tem seus momentos de puro realismo, como no surpreendente Notícia de um seqüestro. Fazem ainda parte desse grupo que retrata a realidade e diversidade da região autores peruanos como Mario Vargas Llosa e Alonso Cueto. Possui até mesmo uma raiz existencialista, com autores como Ernesto Sabato e Mario Benedetti.

Para se embrenhar nessa literatura que está se renovando com novas vozes, a exemplo do chileno Roberto Bolaño, confira a lista de dez livros que procura abranger todas as suas ramificações e dar um panorama geral de sua história.

Conversa na Catedral — Mario Vargas Llosa
Escrito em 1969 e reeditado pela editora Arx, o livro é permeado por um tom épico, esse livro do escritor e também jornalista, que esteve recentemente no país para promover a reedição de dois de seus livros, A cidade e os cachorros e Pantaleão e as visitadoras, ambos pela Alfaguara, e que lançou seu novo romance no ano passado, Travessuras da menina má, conta a história do Peru em plena ditadura de Manuel Odría (1948-1956) apenas a partir de um diálogo entre dois personagens de realidades distintas que, muitas vezes, se cruzam: o motorista Ambrosio e Zavalita, um jovem jornalista. O primeiro trabalha e o segundo é o filho de um empresário influente que tem negócios com o governo.

A história se destaca pela amarração de narrativas: em tom de suspense, vai delineando aos poucos os personagens e histórias de um cenário desolador e corrupto e, mais do que isso, a exemplo de Balzac, de Ilusões Perdidas (aliás, é em autores franceses, como Flaubert e Sartre, que reside a maior inspiração de Mario), consegue resumir o fim das utopias não só de um país, mas de um continente com uma permanente crise de ideais.

Cem anos de solidão — Gabriel García Márquez
Agora relançado também pela Alfaguara em parceria com a editora Sudamericana, em uma edição especial em sua língua original que comemora seus quarenta anos, não há mais o que discutir e falar dessa obra-prima após 25 anos do Prêmio Nobel de seu autor e 60 anos de sua carreira literária. Apenas que ela é uma obra que deve ser degustada aos poucos, nos mínimos detalhes de seu universo, a saga da família Buendía em Macondo, uma cidade imaginária isolada, que pode contar anos em apenas uma página.

São encontros, desencontros, mortes, nascimentos, violência, guerra, misticismo e amores, muitos amores. Algumas vezes pode ser difícil ligar os personagens, que podem possuir o mesmo nome que seus pais e desaparecerem e reaparecerem mais adiante na narrativa. Mas isso não faz falta, pois logo percebemos que estamos sendo carregados e novamente envolvidos por mistérios mágicos que rondam o destino de seus protagonistas. E somente um autor como Márquez, enfático e que não faz rodeios, poderia ter a habilidade de costurar diversos mundos e épocas em apenas um livro. No final, a única coisa que transborda em Cem anos... é uma saborosa riqueza de detalhes.

Notícia de um seqüestro — Gabriel García Márquez
Este é um livro para encarar a outra face de Márquez, sem metáforas da realidade e baseada em uma apuração extensa. Ele conta a história do seqüestro da jornalista Maruja Pachón, em 1990, por traficantes, chefiados por Pablo Escobar e temerosos pela extradição para os Estados Unidos. Podendo ser incluído no jornalismo literário, ele mostra como se pode contar a vida em um cativeiro em seis meses e elevá-lo ao patamar de uma perfeita literatura policial. Muitas vezes, ao lê-la, nos perguntamos até que ponto a guerra descrita é verdadeira. O fato é que é, completamente, e ocorre bem do nosso lado, senão em nosso próprio país. A sua última reedição foi lançada em 1996 pela Editora Record.

Todos os fogos o fogo — Júlio Cortazar
A literatura do argentino Cortazar, apesar de falecido em 1984, respira modernidade, tanto na linguagem como em seus enredos. Apesar de seu romance mais reconhecido ser O jogo da amarelinha, essa coletânea de contos de 1966 contém histórias marcantes, como "A ilha ao meio-dia" e "A auto-estrada do sul". O primeiro dá arrepios ao contar uma história de destino surpreendente e o segundo descreve perfeitamente a fragilidade das relações humanas em um improvável congestionamento que dura dias. Aliás, o universo fantástico de Cortazar é delicado e possui imagens tão fortes que só podem ser produzidas por uma narrativa que revela, mas não entrega o ouro de cara e sempre surpreende, característica, enfim, essencial de contos.

Sobre heróis e tumbas — Ernesto Sabato
Não é possível esquecer a imagem surreal e aterrorizante de Escolástica, que não sai do seu quarto há oitenta anos e guarda o cadáver de seu noivo, ou os ataques angustiantes de Alejandra, membro de uma família de aristocratas decadentes da Argentina da década de 50. A melancolia de Sabato é demasiada densa no começo, mas acaba por nos envolver em três narrativas diferentes: a história de amor de Martín e Alejandra, os bastidores de uma seita e uma história de um soldado que se confunde com a do próprio país. Sua mais nova reedição data de 2002, pela Companhia das Letras. Em 1963, Sabato publicou O escritor e seus fantasmas, no qual analisa a literatura, especialmente a tantas vezes anunciada morte do romance, além de explicar para que resolveu escrever ficção, boa dica para iniciantes.

Pedro Páramo — Juan Rulfo
Colocado na mesma corrente fantástica de Gabriel García Márquez, o mexicano Juan Rulfo se diferencia bastante de seu estilo, a não ser pelo tom místico e fantástico de suas histórias. Nesse seu único romance, de 1955 (Rulfo apenas publicou contos, talvez daí venha sua narrativa curta e condensada), inexiste o tom épico. Ele é muito mais uma história intimista onde o protagonista retorna a um vilarejo em busca de seu pai e logo descobre que ele está povoado por fantasmas. Com imagens poéticas, Rulfo inovou e deu a base para a consagração do realismo fantástico. Daí sua importância nesse cenário.

O Aleph — Jorge Luís Borges
Compilação de 17 contos do escritor argentino que tratou de temas como filosofia, crítica e até metafísica em suas histórias cheias de experimentalismo, que exploraram o fantástico. Contos como "O Zahir", "Os Imortais" e o que leva o nome do livro, uma história de um homem que não irá conseguir terminar um poema se sua casa ser demolida porque nela há um Aleph, um dos pontos de um espaço que contém todos os pontos, e no qual o narrador é o próprio Borges (essa coletânea, aliás, o próprio autor disse ser autobiográfica), é uma chance de conhecer a obra em prosa de um dos mais homenageados escritores latino-americanos, que também tem uma vasta produção de poesia, com destaque para Fervor de Buenos Aires, seu primeiro livro, publicado em 1923.

A Trégua — Mario Benedetti
Com nova reedição pela Alfaguara, o romance narrado em forma de diário consagrou o escritor uruguaio. Ele conta a história de Martin Salomé, viúvo com três filhos que está prestes a se aposentar aos cinqüenta anos e que se defronta com a tristeza e tédio que as lembranças e o envelhecer suscitam. Mas sua vida mudará de rumo quando conhecer a jovem Laura. Com uma linguagem informal e limpa, Benedetti faz uma crônica do cotidiano e, apesar de publicado originalmente em 1960, parece incrivelmente atual. Além de romances, publicou ensaios e poesias.

A hora azul — Alonso Cueto
De uma geração mais jovem que a de Mario Vargas Llosa, a quem dedicou um livro, o também peruano herdou o seu realismo. Nesse romance baseado em fatos reais, conta a história do advogado Adrián Ormache, que descobre os crimes de seu pai no exército, durante o conflito contra a guerrilha do Sendero Luminoso, nos anos 80. Sua vida vira de ponta cabeça quando descobre a existência de uma índia, que seu pai estuprou e se apaixonou. Contada em primeira pessoa, com referências modernas de um ambiente do começo dos anos 90, Cueto, assim como Benedetti, é informal e realista tanto na linguagem como nos elementos de sua história, atendendo a uma tendência autobiográfica e com tom de confissão da literatura contemporânea. O livro foi reeditado pela Objetiva no ano passado.

Os detetives selvagens — Roberto Bolaño
Morto em 2003, o chileno vem sendo elogiado e colocado no patamar de maior escritor da nova geração latino americana. Assim como só está sendo novamente homenageado após sua morte, mesmo em vida demorou a ser descoberto, o sendo apenas aos 40 anos. Vale conferir se toda essa homenagem tem eco nesse romance, que narra a busca dos poetas Ulisses Lima e Arturo Belano por uma poeta mexicana, desaparecida no século passado. Um enredo sob medida para produzir metáforas e traçar um panorama do continente em diversas épocas, além de analisar criticamente a produção literária de outrora, sem meias palavras, que atinge até postulados como Borges. A reedição mais recente do livro é da Companhia das Letras, que também lançou recentemente outra obra do autor: A pista de gelo.

Marília Almeida
São Paulo, 10/7/2007

 

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