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Quinta-feira, 28/6/2007
As mulheres de Rubem Fonseca
Gabriela Vargas

Nascido em Minas Gerais no ano de 1925, Rubem Fonseca se formou em Direito e exerceu várias funções antes de dedicar-se inteiramente à literatura. Em 1952, iniciou sua carreira na polícia do Rio de Janeiro, no 16º Distrito Policial. Essa vivência fez com que ele se inspirasse e abordasse em seus livros muito dos fatos vividos naquela época, ficando famoso por uma ficção descontínua e agressiva, povoada de anti-heróis impulsionados por desejos carnais e efêmeros sendo, na maioria das vezes, movidos pelo ódio.

No seu mais novo livro, Ela e outras mulheres (Companhia das Letras, 2006, 176 págs.), Rubem Fonseca segue com sua temática violenta, sexual, compulsiva e forte, abordando um cotidiano cruel; porém, não tão distante da nossa realidade. Entretanto, cabe-se dizer aqui que o autor tem como forte característica a originalidade, não deixando seus contos caírem na mesmice, tornando-os muito bem sucedidos com suas típicas reviravoltas.

Nesse livro, são as mulheres as principais geradoras de tramas que, normalmente, sucumbem em finais pesados; ora infelizes, ora perversos. São 27 contos breves, cheios de impetuosos finais. Começamos a ler e é como se ficássemos presos a cada página do livro, em que o léxico nada rebuscado e pesado junto a cenas fortes aumenta intensamente o realismo dos contos, nos fazendo querer saber o final de cada um, como se deles participássemos.

Cada um dos contos leva o nome de uma mulher, que participam da história como protagonistas, vilãs, vítimas ou meras coadjuvantes. O conto "Ela" é o único que não leva nome, sendo um breve relato sobre o começo e o fim de um relacionamento, marcado pelo desejo carnal e que tem como frase principal e arrebatadora: "Na cama não se fala de filosofia".

O primeiro conto já chega como exemplo de uma série de ótimas construções, cheias de muitas surpresas, impulsos, e mulheres, é claro. A narrativa começa muito tranqüila. Um garoto gago e pobre, aluno exemplar em todas as matérias, com exceção do português. Uma nova professora, Alice, se dispõe a ajudá-lo. O garoto muda completamente, deixa de gaguejar e até Machado de Assis começa a ler. Com direito a aulas à noite na casa da professora. Tempos depois o pai do garoto recebe um telefonema de um comissário de menores dizendo que a professora fora acusada de abusar sexualmente de um menino de outra cidade. Surpresa! O comissário quer falar com o garoto, e se este confessar que a professora abusa dele, ela será processada. O pai busca o filho no colégio e o leva para conversar com o tal homem. Depois da conversa de quase duas horas o comissário diz que conforme sua experiência em interrogar menores, o menino falava a verdade quando dizia que a professora nunca havia sequer tocado nele, e vai embora. Pai e filho ficam sozinhos. O menino diz para o pai que seguira suas instruções, que gostava da professora e que não era nenhum pecado o que eles faziam na cama. Os dois se abraçam e não falam mais no assunto. E eu quase caio pra trás da cadeira ao ler esse final. Simplesmente brilhante, obra digna de um grande autor.

A temática de matadores de aluguel, presente em outros livros do autor, também aparece aqui, com um mesmo assassino em alguns contos. Ele primeiramente aparece como um namorado bandido, louco por sexo, que mata sem escrúpulos segundo as ordens do Despachante - o grande chefão -, até a namorada rica de dezoito anos pedir para ele matar o pai dela para eles ficarem com a herança do velho. Então ele mata a menina e acaba o conto dizendo: "Como alguém pode querer matar o pai ou mãe?". Aí notamos, mesmo que infimamente, algum tipo de ética, mesmo que suja.

Em outro conto, o mesmo homem aparece querendo deixar o trabalho de assassino profissional e o despachante manda uma mulher em um restaurante para seduzi-lo e depois matá-lo, mas ele acaba matando-a primeiro. No seguinte ele "salva" uma velhinha do seu prédio dos filhos interesseiros de seu falecido marido, e o final é a morte, novamente. No último conto o mesmo despachante envia uma matadora disfarçada de garçonete para tentar matá-lo, mas nunca dá certo. Ele sempre acaba matando alguém, mas diz que não gosta de fazê-lo com mulheres, embora seja seu ofício e tenha de cumpri-lo.

Os outros contos também são povoados de pessoas doentias, infelizes ou rancorosas: uma cleptomaníaca que começa roubando folhas de papel e acaba na prisão, um pai e um tio que torturam um bandido friamente após ele ter estuprado uma menina e a espancado até a morte, um homem que por um impulso sobrenatural abusa sexualmente de uma garota estrangeira até matá-la, além de muitas outras histórias surpreendentes.

Tudo isso, de certa forma, faz lembrar o real-naturalismo (movimento literário da segunda metade do século XIX), pois o autor usa bastante do psicologismo e de personagens patológicos, além do determinismo do instinto, em que o instinto está sempre a frente da razão, como nos casos de estupros, vinganças, assassinatos.

Essas são apenas algumas das muitas surpresas que esse livro pequeno; porém, denso, nos trás. Com uma capa verde e um design simples, mas sedutor, Ela e outras mulheres foi publicado no final de 2006 causando grandes rumores entre resenhistas, críticos, comentaristas, entre outros, não diferente de outras obras do autor como Feliz Ano Novo, por exemplo, que foi proibido de 1976 a 1989, sendo liberado somente após uma cansativa ação judicial.

Muitos dizem que Rubem Fonseca abusa de narração e linguajar com doses cavalares de brutalidade; entretanto, creio que essas sejam apenas técnicas para aproximar o leitor, fazendo-o andar conforme os passos da história, em que o desfecho dá sentido a tudo que o antecede. Além do mais, lembro aqui que o autor ganhou em 2003 dois prêmios de grande importância pelo conjunto de suas obras: o prêmio Camões e o prêmio Juan Rulfo de Literatura Latino-Americana. Com certeza, vale a pena conferir esse instigante livro tomando uma boa xícara de café num dia frio de inverno.

Para ir além





Gabriela Vargas
Porto Alegre, 28/6/2007

 

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