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Quarta-feira, 18/7/2007
Qual é O Segredo?
Tais Laporta

Um livro em capa dura, com textura dourada, ocupa duas prateleiras em uma livraria paulistana. "Vende horrores", informa o lojista. É The secret - O segredo (Ediouro, 2007, 216 págs.), da australiana Rhonda Byrne, criadora e produtora do filme que leva o mesmo nome - e o mesmo sucesso de público. O livro de auto-ajuda estreou, de cara, na primeira posição dos mais vendidos no Brasil. Impossível não questionar o "segredo" de tanto sucesso.

A indústria bilionária da auto-ajuda oferece montanhas de títulos, todos com a promessa de entregar a receita da (F)elicidade, da (S)aúde e do (S)ucesso. Valores intangíveis, que, nas mãos de estrategistas - vamos admitir - talentosos, transformam-se em cifras generosas. Eles não são, contudo, estreantes nessa arte. A auto-ajuda sempre existiu na história ocidental, mascarada no pensamento de muitos gurus, curandeiros, escritores, cientistas e até filósofos. O que mudou foi que, na era do capital, aprendeu-se a lucrar com isso. E muito.

Nicolau Maquiavel não ajudou apenas os governantes em seu O Príncipe quando recomendou: "Não seja bom. Pareça". Os marketeiros também beberam dessa fonte, e como. Sabem de cor que nada é novidade no campo da auto-ajuda, embora tudo deva parecer inédito. Em The secret não é diferente. Mas que "segredo" é esse? Está naquela famosa frase em latim: "Quidquid latine dictum sit, altum sonatur". Tradução: "Tudo o que seja dito em latim soa profundo". Interpretação: não importa o quê se diz, mas como se diz.

De fato, nada em The secret é novo - nem no ramo da auto-ajuda, muito menos no científico que, aliás, é a base do "segredo" revelado pela autora. Ela viajou para os EUA e colheu depoimentos de metafísicos, teólogos e psicólogos que compartilham de uma mesma teoria conhecida como a "Lei da Atração". Caiu como luva no gosto de um filão de céticos, para quem a religião e mensagens de otimismo não são suficientes para suprir seu apetite espiritual. Mas esse é o detalhe mais leve. Diversos membros da comunidade científica ficaram desolados com as conclusões equivocadas dos entrevistados, já que nenhuma delas foi cientificamente comprovada e, por isso, deveriam pertencer às "pseudociências".

The secret não é a primeira obra que usou a ciência para atrair um público mais crítico em relação à auto-ajuda. O documentário Quem somos nós? (What the bleep do we know?) já havia explorado esse nicho, com grande sucesso comercial. A produção lembra uma aula sofisticada de física para leigos, mas uma pesquisinha no Google já mostra que o filme tem pretensões extra-científicas. Os três diretores, William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vincent são devotos de uma seita, da qual uma das entrevistadas é a fundadora - uma médium que diz ser Ramtha, o espírito de um guerreiro da Lemúria. Daí entende-se porque os créditos das conceituadas fontes não aparecem durante o filme, apenas nas legendas finais, quando todo mundo já saiu da sala.

Usar referências de peso é uma velha tática. Em The secret, Rhonda Byrne se apropriou das idéias de Da Vinci, Galileu e Einstein para fundamentar a tese de que a mente humana é capaz de "mudar" a matéria. Segundo ela, seríamos poderosas torres transmissoras de ondas. Nossas "antenas" seriam capazes de atingir as mais distantes estrelas do universo. Para provar isso, ela se baseou em recentes teorias científicas sobre física quântica (um poço de perguntas ainda sem respostas). Enfim, algumas constatações sobre o universo subatômico sugeririam que podemos "alterar" a freqüência dessas ondas que passeiam por aí conforme nossa vontade.

Ciente disso, o ser humano seria capaz de irradiar ondas de amor, sucesso e otimismo mundo afora, através de seu cérebro. Não só irradiar como receber tudo de volta. Esse é o mecanismo da "Lei da Atração", segundo a qual atraímos o que emitimos (ou, ainda, como diz a lei do bumerang: "tudo que vai, volta"). Por esta tese, basta imaginar-se na cadeira do presidente ou no traje da rainha Elizabeth que lá estará você, brevemente. O discurso é atraente porque utiliza conceitos científicos que nós, leigos, não temos propriedade para questionar. Nem os físicos quânticos conseguiram provar que a tal lei funciona. Mas já foram feitas centenas de experimentos no intento de provar que o pensamento transforma a matéria.

A tentativa mais "feliz" neste sentido foi a do pesquisador japonês Masaru Emoto, que fotografou amostras de água congelada depois de submetê-las a emissões mentais da palavra "amor". Segundo ele, as gotículas influenciadas pelo pensamento amoroso ficavam mais bonitas. Ao rotular garrafas de água com tais palavras e regar as plantas, elas durariam muito mais tempo, segundo o estudioso oriental. Como a água entende fonemas em japonês, ainda é um mistério científico. Outro, ainda mais enigmático, é o conceito de beleza, que nem os mestres da arte sabem definir.

Experiências mais confiáveis sobre o suposto poder da mente mostraram que a probabilidade de o pensamento interferir em algum evento físico não ultrapassa 0,3%. A explicação é mais lógica do que técnica: as ondas cerebrais não são concretas como o movimento de uma mão, portanto, a freqüência de um pensamento otimista é demais insignificante para provocar uma mudança perceptível na matéria.

Notícia triste para quem apostava algumas fichas em The secret. Talvez, o "segredo" seja bem mais simples. Não a pseudociência, mas o mesmo mecanismo que a arte utiliza para alimentar a esperança nas pessoas. Não é por acaso que a magia é uma ilusão autocompensadora. Imaginar que é possível obter qualquer coisa num estalar de dedos, sem a ajuda de terceiros, é o sonho humano. Somos facilmente seduzíveis por promessas de um mundo impossível. A esperança em alcançá-lo já basta, e isso explica porque desejamos aquilo que não podemos ter - e normalmente desprezamos as conquistas disponíveis.

Os heróis continuam vivos nos quadrinhos, no cinema e na literatura para nos embriagar com uma sensação de poder. Precisamos de uma ilusão para respirar - de preferência em capa dura e com textura dourada. Não é segredo.

Para ir além





Tais Laporta
São Paulo, 18/7/2007

 

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