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Quarta-feira, 15/8/2007
Ofício x Formato
Rafael Fernandes

Qual a coisa que um jornalista mais teme, mas finge desprezar? Um blogueiro. E o dono do jornal/revista? A Internet. Pois não deveriam nem de longe ter medo de blogs, muito menos da rede virtual. Esperneiam contra isso quando não deveriam; estão confundindo ofício com formato: o ofício de jornalista não vai acabar, o que muda é a forma como ele é feito e consumido. Em primeiro lugar porque, ao menos no Brasil, ainda não há muita gente "bombada" nesse formato. Segundo, um "reles" blog pode oferecer muito a um nicho, mas um jornalista bem preparado pode oferecer muito mais, se entender sobre as ferramentas blog e Internet. Acredito que blogs estão sendo ligeiramente superestimados, não são necessariamente, sozinhos, o futuro e não substituem, claro, uma opinião bem fundamentada, como provam o finado NoMínimo, este Digestivo, entre outros - ainda que, comercialmente, sites de cunho jornalístico não sejam viáveis. O futuro ainda é a Internet, que veio para mudar, sim, mas também para ajudar.

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Acredito que blogs são acessados por quem está à procura de algo que os jornais não têm nem nunca conseguirão sozinhos: uma visão única, diferenciada, como disse no parágrafo anterior, de um nicho. Têm certas informações que não vão aparecer no jornal. Eu acesso o do Edu Carvalho não porque ele faz reportagens fantásticas, mas sim porque consegue fazer comentários precisos e de temas que nunca vou achar em outro lugar, como a cauda longa, diversos posts de negócios, ou restaurantes japoneses. Leio também o Dagomir Marquezi. É jornalista e escritor, colabora ou colaborou com revistas (impressas!) como a extinta Revista da Web, Vip, Playboy, Placar, InfoExame entre outras. Mas em nenhuma delas vou conseguir ler sobre o roteiro de uma peça que escreveu ou sobre o registro de um texto. Gosto ainda do blog do Fred Wilson. Ele é um venture capitalist. Eu não tenho nada a ver com capital de risco, mas gosto de ler a visão dele sobre música, tecnologia, negócios, Nova York e blogar. Já no do André Rizek (comentarista do Sportv) posso ler opiniões que ele não pode dizer no ar, por limite de tempo ou pauta. Também tenho um, que uso simplesmente como exercícios de escrita, digamos assim, e pela necessidade de organizar opiniões, coisas que não conseguiria de outra forma. Um blog tem uma carga de despretensão, informalidade e diversidade que dificilmente seriam atingidos nos meios "tradicionais".

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Falando sobre a imprensa mais tradicional, acho que o Estadão pode ser um exemplo de tentativa de buscar uma "cara" na Internet. Seu site até pouco tempo atrás (e no ar até o momento) era assim: horroroso, muito confuso e não conseguia, ainda, unir de maneira eficiente conteúdo impresso com conteúdo on-line. O que era exclusivamente on-line se resumia muito a notícias, não havendo nada realmente diferenciado. Agora, a mudança: o layout está muito mais agradável, chamativo, há anúncios de formas diferentes - tanto publicidade direta com links patrocinados, há podcasts, fotos, vídeos, blogs; notícias "quentes", conteúdo do jornal. Perceberam que não dá para apenas reproduzir exatamente o que vai no impresso, pois a rede tem sua própria dinâmica. Está tentando incorporar os tais nichos à sua tradição de confiabilidade e profissionalismo (ideologias e partidarismos à parte). Acho que o que eles estão fazendo pode, realmente, ser o início de um caminho interessante. Pelo menos, é o embrião do que eu considero ideal como consumidor: conteúdo farto e diverso, numa interface limpa, elegante e na qual seja fácil fazer uma busca, com precisão de resultados.

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A mais prestigiada revista do mundo, The Economist, continua em papel, mas já vê outros mercados, tanto que caprichou no site: coloca conteúdo da versão impressa, mas também assuntos exclusivos on-line; teve atenção com as newsletter, que são de vários tipos: divididas por assuntos, novidades, sugestões do editor e um guia mensal sobre diversas cidades do mundo. Inteligentemente busca a especialização, então o leitor pode escolher se quer receber novidades de negócios, tecnologia e outros ou informes de Nova York ou Berlim. Tudo isso sem abandonar sua cara, ou melhor, incorporando-a a novas oportunidades. E numa atitude visionária, disponibiliza na web sua revista declamada, em áudio: está de olho em iPods e celulares. Ou seja, quer evoluir com seus consumidores.

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A Internet também tem como grande vantagem a liberdade, esse conceito tão volátil. A cada compra de um Wall Street Journal por um Rupert Murdoch, a cada Silvio Berlusconi, a cada Rede Globo, a cada pessoa ou empresa que detenha um monopólio ou faça parte de um oligopólio de comunicação, surgem milhões de sites, fóruns, blogs, overmundos, creative commons e afins em diversas partes do mundo. Eles irão divulgar uma enorme variedade de notícias, análises, manifestações artísticas como contraponto a essa mídia estabelecida, dominada por um número cada vez menor de empresas. E a livre troca de informações na Internet não tem limites.

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Há quem diga que o formato físico de jornais e revistas ajuda, de certa forma um argumento próximo à defesa do livro em papel: o ato de pegar o livro e cheirar não pode ser repetido. Bem, há quem goste do ritual de colocar um vinil para tocar e ouvir os seus chiados, mas nem por isso o MP3 - um formato não físico - foi impedido de se disseminar. A música não acaba. Nem o jornalismo. O que muda é como são utilizados. O consumidor não parece muito disposto a pagar. Além disso, os grandes jornais perdem no impacto de notícias do dia-a-dia (não o furo, diga-se), já que ela não é mais o diferencial - estão à disposição gratuitamente, em tempo real e sem muita diferenciação nos mais diversos portais. E acho que aí há uma lacuna. Sinto que falta algo na Internet. Além de opiniões, notícias e blogs. Faltam as boas reportagens. Lá fora há o Edge, algo diferenciado - é opinião, ensaio, reportagem, de diferentes áreas do conhecimento. E acredito que não seja simplesmente mera reprodução do que é feito em papel. Talvez um mescla entre a reportagem tradicional, um blog, interatividade, vídeos, não sei, falta surgir algo assim. Ou eu que estou com pensamento de 30 anos atrás.

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O importante é que jornais, revistas e os próprios jornalistas incorporem hábitos da Internet em seus próprios hábitos. Não há porque brigar: a Internet é apenas mais um - importante - meio de informação, com chances de se tornar o mais relevante. E no Brasil estamos prestes a ter uma explosão no acesso, pois está cada vez mais fácil de comprar um computador e navegar pela rede virtual mundial. Assim, devemos ter, para muito em breve, um impacto ainda maior no comportamento das pessoas frente ao consumo de informação. As boas reportagens, comentários, análises e afins vão continuar. Os bons jornalistas têm o principal: formação, experiência, verve; só falta achar a melhor forma de se manifestarem na rede. O ofício de escrever, de apurar fatos, de emitir opiniões nunca vai acabar. O que vai mudar é a forma como isso é feito, disseminado e consumido. Os jornais e revistas devem sobreviver, talvez não com a importância de hoje. E realmente espero que consigam. Como? Acho que ninguém sabe ao certo.

Rafael Fernandes
São Paulo, 15/8/2007

 

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