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Terça-feira, 11/9/2007 Um ano de reflexões na Big Apple Luis Eduardo Matta Há exceções, é lógico. Sobretudo quando essas impressões partem de alguém com inteligência e senso crítico, imune a sectarismos e com a mente aberta para o pensamento e familiarizada com a multiplicidade humana. Era o caso, por exemplo, de Paulo Francis em suas, muitas vezes, demolidoras crônicas publicadas semanalmente na imprensa brasileira. É o caso, também, de Campos de Carvalho nas suas divertidíssimas Cartas de viagem, republicadas, no ano passado, pela José Olympio, e de João Ubaldo Ribeiro nas antológicas Crônicas de um brasileiro em Berlim, escritas durante o tempo em que o escritor baiano radicado no Leblon viveu na capital alemã. E é, igualmente, o caso de Paulo Polzonoff Jr. no seu A face oculta de Nova York (Globo, 2007, 128 págs.), que acaba de chegar às livrarias. Paulo Polzonoff Jr., titular de um dos mais tradicionais e inteligentes blogs em atividade no Brasil e crítico literário de primeira estirpe, viveu um ano no coração de Nova York, entre 2006 e 2007 e aproveitou esse período para desbravar a cidade. Munido de um olhar atento, sarcástico e implacável, desnudou detalhes interessantíssimos do seu cotidiano que, à maioria das pessoas, certamente, passariam despercebidos. O resultado foi uma reunião de crônicas que, mais do que nos conduzir pela intimidade de uma Nova York despida do glamour de sua fama e de seus cartões-postais, nos abre uma importante porta para a compreensão da nossa própria existência. É como se a face oculta de Nova York revelasse a face oculta que habita cada um de nós, com a qual, por incontáveis razões que vão desde a autodefesa até a ilusão de estabilidade que a rotina nos traz, evitamos nos defrontar. Isso acontece porque Paulo Polzonoff Jr. não se limitou a descrever mecanicamente as experiências vivenciadas durante a temporada na cidade e, sim, em fazer de cada uma delas objeto de reflexões bastante pertinentes, que fariam um bem enorme a boa parte dos brasileiros. O livro é, para usar um clichê, um balde de água fria tanto nos deslumbrados por tudo relacionado aos Estados Unidos, quanto nos adeptos de um patriotismo verde-amarelo empedernido, que adotam uma indiscriminada postura antiamericana. Uma das primeiras conclusões a que Polzonoff chega, logo nos seus primeiros dias em Nova York, é a de que a vida lá nada tem de extraordinária e que a excitação de se viver na metrópole mais importante do mundo logo é dissipada pelos rigores de um cotidiano que não difere muito do das grandes cidades brasileiras. A percepção de Polzonoff sobre Nova York é ácida e crítica no melhor sentido, embora, em nenhum momento, ele deixe de admirar e louvar as suas inúmeras belezas e qualidades, como a intensa vida cultural, o incomparável cosmopolitismo - que a torna um verdadeiro enclave babélico dentro dos Estados Unidos -, e, sobretudo, o Central Park que, a seu juízo, é o lugar mais bonito de toda a cidade. O humor também é outra característica marcante do livro e está presente em, praticamente, todas as crônicas, ainda quando ele não é de todo evidente e encontra-se oculto nas filigranas do texto. É impossível conter a gargalhada quando Polzonoff descreve a ida ao lançamento de um livro de Paul Auster, no quarto andar de uma megalivraria em Manhattan. Era uma terça-feira e fazia um frio inclemente de dez graus negativos. Apesar de não ser um grande entusiasta da obra do escritor americano, Polzonoff foi assim mesmo e ao chegar ao local e deparar com o público pretensamente hype que aguardava Auster, deixou a livraria com a mesma presteza, ciente de que "estava no lugar errado". Também um evento com outro escritor, desta vez Dennis Lehane, autor de romances policiais como Sobre meninos e lobos e Paciente 67, mereceu espaço no livro, mas o que surpreendeu Polzonoff neste caso foi a quase ausência de público e a aparente falta de importância de um escritor de sucesso, que vendeu centenas de milhares de exemplares de seus livros mundo afora e teve uma de suas obras adaptadas para o cinema pelas mãos do mais do que consagrado ator e diretor Clint Eastwood. Praticamente não havia pessoas presentes na livraria, onde Lehane deu uma palestra e autografou algumas poucas cópias de seu novo trabalho, Coronado. Apesar de desconcertante, a ocasião não deixa de funcionar como um consolo para muitos autores brasileiros, eternamente acometidos por uma vaidade desmesurada e por um rancor primitivo, alimentado pela escassez de leitores e pela ausência do reconhecimento do qual julgam ser mais do que merecedores. Pois se Dennis Lehane, escritor consagrado mundialmente pelo público e pela crítica, passou pela constrangedora situação de falar para uma platéia quase vazia em plena Nova York, não será vergonha alguma se o mesmo se der com algum autor brasileiro que, numa sessão de autógrafos ou palestra, for, por uma circunstância qualquer, surpreendido pela baixa afluência de público. Escrito num texto ágil, fluente e muito bem construído, A face oculta de Nova York é um livro que se lê num só fôlego em menos de uma tarde. Quem esperar da obra um guia turístico cool com pátinas literárias sobre a grande metrópole norte-americana, vai se decepcionar. Embora ele possa, sim, orientar um potencial visitante da cidade a conhecer o seu outro lado - a tal "face oculta" do título - o grande mérito do livro, a meu ver, é nos fazer refletir sobre o nosso papel nos dias de hoje, sobre a nossa pouca relevância, sobre como o nosso ego é capaz de nos iludir, impedindo-nos, muitas vezes, de enxergar a nossa pequenez diante de um mundo vasto, complexo e esmagador. Como bem afirma Polzonoff, Nova York, com a grandiosidade de seus arranha-céus, com o frenesi diário dos seus oito milhões de habitantes oriundos do mundo todo, nos obriga a aprender que não somos importantes. Não sei quanto aos demais, mas essa noção, para mim, é um alívio. Uma benfazeja constatação da realidade, que torna a vida mais leve e menos dramática e ajuda a nos trazer a reconfortante certeza de que somos não mais do que um entre bilhões de habitantes mortais deste planeta que pode, perfeitamente, prescindir da nossa presença. Para ir além Luis Eduardo Matta |
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