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Quinta-feira, 20/9/2007
Telemarketing, o anti-marketing dos idiotas
Diogo Salles


"Só um momento, que eu vou estar passando para o setor de relacionamento"... Eis que surge a musiquinha irritante que vai te perseguir por horas a fio. Ao final de incontáveis musiquinhas e gerúndios, não só seus problemas não foram resolvidos, como você acumulou mais alguns. É preciso tempo, paciência e, principalmente, estômago para lidar com essa legião de jecas chamada "operadores de telemarketing". Na melhor tradição brasileira de importar o que há de pior dos Estados Unidos, o telemarketing ativo e o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) lideram absoluto no ranking de reclamações.

Tudo bem, não quero cometer injustiças. Sei que os "profissionais" do telemarketing são treinados dessa forma, só cumprem as ordens que lhes são passadas, trabalham sob forte pressão, ganham pouco e ainda são obrigados a ouvir desaforos dos clientes. Mas eles também não ajudam. A falta de jogo de cintura dessa gente para se adaptar às necessidades do cliente e o comprometimento fiel à linguagem robotizada desafiam qualquer tentativa de se encontrar o bom senso. Com isso, o telemarketing se consolidou como uma das maiores anomalias do mundo corporativo. É fruto legítimo do casamento entre o despreparo dos operadores com o desrespeito das empresas frente ao consumidor. Dentre os campeões do terrorismo telefônico, figuram as empresas de TV a cabo, banda larga, cartões de crédito e operadoras de telefonia (fixa e celular).

A começar pelo insulto à nossa inteligência. Nessa categoria, o telemarketing ativo (aquele que te liga) é quem dá as cartas. A ordem é empurrar qualquer porcaria ao cliente para fazê-lo gastar. Nem que para isso seja preciso inventar algum sorteio ou concurso, no qual "seu nome foi selecionado" para receber "uma série de vantagens". Querem que pensemos "Meu Deus, serei um idiota se não aceitar". Mas o tal milagre de vantagens é desmascarado no momento que se descobre o valor das mensalidades. Aí é cada um por si. Você pode descobri-lo durante a ligação ou quando chegar a primeira fatura. Não é difícil entender de onde veio a idéia do tal sorteio miraculoso. Em um país de "jeitinhos", onde todos querem levar vantagem em tudo ("certo?"), imagine quantos otários já não devem ter caído nesse conto do vigário, imaginando que fizeram um ótimo negócio...

Sai o 1-7-1, entra a invasão de privacidade. "Mas qual o motivo do cancelamento?". Será mesmo que ele(a) está me perguntando isso?, penso eu. Sim, ele(a) está. Surpreendido por esse assombroso descaramento, eu, pacientemente, ainda me dou ao trabalho de explicar os motivos, antes que a fúria me faça xingá-lo(a) até a quinta geração. Aqui entre nós, sem telefones ou musiquinhas, isso é da conta de quem? Eu pensei que fosse minha, oras. Pelo jeito não é. Agora eu tenho de ligar para a empresa e ficar horas pendurado ao telefone me justificando. É quase uma súplica, um pedido de desculpas por eu ser tão insensível em não querer mais contribuir com os lucros da empresa.

Uma outra modalidade que encontramos nos telemarketeiros é a determinação infinita em se fazer ouvir, mesmo diante de constantes negativas de seu interlocutor. Para essas pessoas, não existe a palavra "não". Por mais que o importunado diga que NÃO está interessado, eles vão até o fim e não há nada que os faça parar. Pra que ouvir se só o que eles sabem fazer é falar, não é mesmo? No fim, se o pobre coitado que recebeu a ligação insistir em ser educado, será vencido pelo cansaço. Meu conselho: seja mal educado.

Mas a situação se agrava mesmo quando o sujeito já está ligando pela enésima vez, depois de ouvir mais de meia hora de musiquinha infame, sendo transferido por todos os departamentos e tendo de repetir o seu problema pela enésima vez. Aí o coitado perde o controle e começa a vomitar na cara do operador todas as suas frustrações, até que o operador desliga o telefone na sua cara. Se o infeliz ainda tiver estômago (porque a paciência já foi pro espaço), ligará no setor de reclamações e ouvirá uma desculpa bastante conveniente: a linha caiu.

Chegamos ao pior dos mundos? Ainda não. Nessa amazônia de bestialidade, a estupidez atinge o clímax com esta nova forma de se mostrar verborrágico: o gerundismo.

O gerundismo representa um linchamento sem precedentes na história da Língua Portuguesa. O "vamos estar fazendo" ou o "posso estar solucionando" podem estar sendo o que de pior já foi absorvido pela nossa língua desde o latim. Na tentativa desesperada em demonstrar eficiência, imitamos mais uma vez os americanos ("We will be solving your problem as soon as possible"). Mas as duas línguas são estruturalmente diferentes e incompatíveis em traduções literais. Mas isso não representou nenhum obstáculo aos idiotas do anti-marketing, claro que não. Ao contrário, eles conseguiram até exportar seu linguajar jeca para outras esferas da sociedade. A praga já se disseminou para fora das salas de Call Center há tempos e atingiu a população menos avisada, principalmente aos desesperados em demonstrar a mesma pseudo-eficiência.

Não é à toa que o corretor do Word me avisa o tempo todo dos erros do gerundismo enquanto escrevo este texto. Mas, analisando um pouco mais de perto a sintaxe dessa grotesca sequência de verbos, o "vamos estar fazendo" poderia ser facilmente substituído por "vamos fazer", ou, num tom mais minimalista, "faremos". Mas não podemos exigir tanto deles. Eu já ficaria contente com o "vamos fazer". Estaria de bom tamanho. Mas será que eles vão estar conseguindo falar certo algum dia?

Quando comprei a minha linha telefônica, logo percebi que ela pertencia anteriormente a uma tal de Josefa. E o povo do telemarketing ficava louco atrás dessa mulher. Todo o dia tinha alguém procurando pela dita cuja. Cheguei ao meu limite. Precisava encontrar uma saída:

- Alô, boa tarde, eu gostaria de estar falando com a Dona Josefa?
- Isso é alguma brincadeira? - respondo eu.
- Não é brincadeira, senhor. A Dona Josefa está?
- Não estou gostando dessa brincadeira, mocinha...
- Por favor, senhor. Não estou brincando com o senhor. Só gostaria de estar falando com a Dona Josefa.
- A Dona Josefa morreu! Pronto... Você conseguiu estragar o meu dia! Satisfeita? Era isso que você queria?
- M... Me desculpe, senhor. Eu não sabia...
- Pode apagar esse telefone da sua lista e nunca mais ligue aqui outra vez.

Alguns ainda faziam menção em transferir a mim o teor de sua ligação, com suas inúmeras vantagens e serviços. Nessa situação, eu dava uma resposta ainda mais cortante e emendava uma lição de moral, fazendo com que a pessoa se sentisse um verme asqueroso por ter se aproveitado da morte da Josefa para tentar me vender seus serviços. Alguns meses depois e vários telefonemas parecidos com o descrito acima, eu estava livre do efeito Josefa. Que descanse em paz.

O maior problema do telemarketing é que ele não conseguiu justificar até hoje a sua própria existência. Podem argumentar à vontade, mas no fim não conseguirão esconder os fatos: eles te ligam para oferecer serviços dos quais você não precisa e não quer, e, quando é você quem liga, precisando de algum serviço, eles quase sempre te deixam na mão. Diante desse impasse, só vejo dois caminhos a seguir. O telemarketing ativo precisa ser extinto - e isso é pra ontem. Já ao SAC (telemarketing passivo) não resta outra alternativa, senão começar a oferecer um bom serviço e trazer soluções para os problemas - apenas quando for solicitado. Muito me admira as empresas, que tanto prezam pelo lucro, cultivarem uma imagem tão negativa, trazendo prejuízos para si mesmas e, principalmente, para seus clientes. Claro que os empresários sabem de toda a situação, mas qual deles realmente se importa? Os consumidores que arquem com as conseqüências, afinal de contas, as empresas precisam fisgar otários para continuarem lucrando, certo?

Quais são, então, as opções em nosso menu final? Ah, são muitas. Olha só. Para receber uma série de vantagens inúteis, tecle 1. Para tentar cancelar algum de nossos serviços, tecle 2 e espere deitado. Para ouvir sobre todos os nossos serviços, promoções, descontos, mensalidades, conhecer o nosso programa de fidelidade, ser um cliente smart, ou gold, ou premier ou o raio que o parta, tecle 3. Para fazer reclamações e desligarem na sua cara, tecle 4. Para estar sabendo como estar recebendo notícias sobre nosso gerundismo, você deve estar teclando 5. Para continuar ouvindo a minha voz sensual de disk-sexo e voltar ao menu inicial, tecle 6. Que maravilha. Estou pegando o telefone agora.

Diogo Salles
São Paulo, 20/9/2007

 

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