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Sexta-feira, 28/9/2007
A Poli... - 10 anos (e algumas reflexões) depois
Julio Daio Borges

* Em setembro-outubro de 1997, eu escrevi um texto chamado "A Poli como Ela é..." - uma crítica à faculdade pela qual eu então me formava, que acabou indo parar na coluna do Luís Nassif na Folha, e que me estimulou a continuar escrevendo - dando, por conseqüência, origem a uma newsletter (1998), depois a um site pessoal (1999) e, em última instância, ao próprio Digestivo (2000). Nestes anos todos, mantive contato quase nenhum com a Poli, mas o texto continuou vivo por conta da internet - o que trouxe, até mim, e-mails de jovens politécnicos solidários à "causa". Não tenho a menor idéia se as minhas reclamações continuam valendo para a Poli, mas eu achei por bem aproveitar a efeméride - justamente "histórica" na minha guinada para a internet -, a fim de discutir algumas noções (erradas? certas?) sobre ensino superior, vida universitária e formação profissional. Como me frustrei - e a "A Poli como Ela é..." é incontrastável nesse aspecto -, confesso que a universidade, seu lugar e sua função, foi um tema que me perseguiu um tanto, nos anos posteriores. Desde "A Poli...", o objetivo - até aqui - é clarear o caminho para as gerações vindouras.

* Se vale a autocrítica tardia, um erro comum a mim e a muitas pessoas é esperar demais do intervalo de tempo que vai da saída da escola até o início da vida adulta (até o "primeiro emprego", vamos considerar assim). São, em média, cinco anos em que esperamos resolver pelo menos três grandes coisas: as lacunas da nossa formação; as dúvidas vocacionais e a questão do "nosso lugar no mundo" (ou no mercado de trabalho, em tons mais pastéis); e as vastas emoções da nossa vida sentimental. Não há, obviamente, faculdade (ou universidade) que dê conta, sozinha, dessa problemática ampla. Até porque: 1) dadas as quantidades de conhecimento hoje disponíveis, qual formação não será, para sempre, "lacunosa"?; 2) quando a estabilidade se foi, os empregos (e as profissões) não são mais o que eram antes (e as dúvidas existenciais estão presentes como um mantra), quem vai nos mostrar "nosso lugar no mundo", além de nós?; e 3) numa época em que a felicidade deve ser suprema, a "aventura" constante e o prazer sem limites, como não se frustrar se a felicidade, de repente, for parca (ou nenhuma), a aventura não for lá essas coisas e o prazer, simplesmente, fragmentado ou passageiro?

* Se as nossas expectativas são desproporcionais, qual será o resultado do "choque", inevitável, com aquilo que, na faculdade (ou universidade), vamos encontrar? Falando por mim, não encontrei a formação de meus sonhos - se é que encontrei alguma formação (pessoas próximas me consideram "engenheiro" para algumas coisas, mas parece uma constatação mais subjetiva do que objetiva). Ainda na faculdade, não considero que "descobri" minha vocação (nem "por vias tortas"); descobri, no máximo, aquilo de que não gostava, ou o que não me interessava naquele momento, ou, ainda, o que talvez viesse a me interessar algum dia mas não apresentado daquele jeito. Depois, saí e arranjei um emprego (e, depois, outro) - mas me senti eternamente deslocado até "jogar tudo pro alto" e, de certa forma (bem particular, eu concordo), "começar tudo de novo". Hoje, sei que tenho um lugar ao sol - mas a Poli, especificamente, não me deu indicações em que pudesse confiar. Muito menos na minha "vida sentimental". Os politécnicos (e as politécnicas)-padrão atrapalharam meu desenvolvimento nessa área, creio. Se encontrei a Carol (logo depois da formatura), foi por conta de "processos" outros - que aconteceram fora da Poli.

* Continuo reclamando, é verdade, e continuo igualmente longe de enxergar uma solução satisfatória, para encurtar a distância entre o "ideal" (de todo candidato a universitário) e a "realidade" (de toda, ou quase toda, universidade). Naturalmente, não queria estar na pele de professores, chefes de departamento ou reitores. É provável que se tivesse me engajado nesse ambiente (não politicamente, mas profissionalmente), talvez enxergasse melhor o papel de cada um (os alunos também têm o seu, é claro) sob um prisma menos teórico, menos ligado à minha experiência (não exatamente bem-sucedida) na Poli e, portanto, mais proveitoso para todas as partes. Tentando agora evitar a generalização, a leviandade e a arrogância, solidarizo-me com os "acadêmicos" (as aspas são para soar o menos pejorativo possível), como profissional do conhecimento - numa era em que a informação não está mais concentrada em nenhum "lugar", não é mais "propriedade" (ou privilégio) de nenhum grupo e, logicamente, coloca desafios para todos.

* No meu tempo de Poli, o approach "de cima para baixo" de professores, chefes de departamento e até de reitores (com quem tive algum contato) nunca me cheirou a boa coisa - hoje, se continua, é algo totalmente anacrônico. Num país em que a educação ou é inexistente ou é falha, o diploma universitário continua valendo mais para fins protocolares - na prática, não é, numa "crescente" conforme o tempo passa, garantia de nada. Se as universidades não serão mais "ilhas de conhecimento", nem o diploma uma espécie de salvo-conduto para poder trabalhar, então precisam, urgentemente, se reinventar. Se na minha época de estudante universitário, eu sentia que não era ouvido e que freqüentemente estava falando com as paredes, hoje, paralelamente, ainda constato que os acadêmicos mantêm uma distância regulamentar da vida social (real?). E penso que frustrar levas de estudantes, soltar papers no vazio e produzir artiguetes para a mídia impressa (ou regurgitar comentários como "especialistas" na-hora-do-desastre) seja muito pouco para quem se julga, normalmente, tão importante...

* Nunca dei aulas (nem estou me candidatando, por favor), mas não tenho, evidentemente, ilusões quanto aos "estudantes" - até porque me lembro bastante bem de meus colegas. "Diálogo de surdos" é uma boa metáfora para a "conversa" entre as duas pontas. Quando entrei na faculdade, o mercado estava, coincidentemente, descobrindo o "jovem" como consumidor, e rapidamente começava a colocá-lo num pedestal. De modo que chegamos ao "ensino superior" depois de muita adulação, cheios de idéias próprias sobre o que deveriam nos ensinar e "armados" para rebater contrariedades com críticas salvadoras (preservando sempre a nossa posição). A primeira metade da década dos 2000 não foi tão pujante quanto a primeira da década de 90, mas não tenho esperança de que algo tenha "melhorado". (Falo da postura do jovem de hoje.) Com o sistema ruindo em muitos aspectos - vide a decadência dos antigos "players" da economia cultural (pense, por exemplo, na indústria fonográfica) -, é bem provável que o jovem se sinta ainda mais poderoso do que antes. (De novo, não queria estar na pele de professores, chefes de departamento, reitores...)

* O agravante - meus colegas de jornalismo (que dão aulas) me contam - é a chamada "mercantilização" do ensino. Eu - exemplo recorrente aqui - estudei na USP: reclamava um bocado, mas podiam perfeitamente objetar que eu não deveria reclamar (pois não pagava). Eu não ia necessariamente concordar, mas era um fato ("de cavalo dado não se olha os dentes", não é isso que dizem?). Hoje, para completar, além das crises existenciais de qualquer "profissional do conhecimento", além da prepotência do jovem estudante cercado de "opções mais interessantes", há que se enfrentar a relação cliente-prestador de serviço. O cliente é quem paga a "mensalidade" (o estudante); e, no limite, o "produto" - que, espera-se, seja entregue sem sobressaltos - é o diploma. Se o cliente sentir que está sendo prejudicado - na realização de seu objetivo maior -, pelo prestador de serviço, vai reclamar; e o que será sacrificado, conseqüentemente, é o nível do ensino. Em outras palavras: a autoridade - de quem antes dava formação - agora é subvertida pela força de quem paga a conta.

* E se acadêmicos e estudantes, segundo a minha lógica, têm a sua parcela de "culpa", existe uma tradição muito forte no mercado de trabalho de fazer "tábula rasa" dos conhecimentos previamente adquiridos, mesmo os mais técnicos e de aplicação menos "questionável". Talvez nasça daí uma reação, por parte da academia, de frontalmente contrapor as "exigências" do mercado com um currículo mastodôntico. Ou seja: se estudantes e professores pouco conversam sobre seus anseios e aspirações, a academia e o "mercado" conversam menos ainda. A resistência da primeira é mais orgulhosa que estóica (ou digna de admiração), e termina por afastá-la, ainda mais, da sociedade a que ela, supostamente, "serve". (Raciocínio quase automático: se você não gosta do seu curso superior, espera, pelo menos, que ele te prepare para o mundo exterior - então, qual não será a sua surpresa quando descobrir que, ignorando as demandas do mercado, nem isso ele faz?)

* Para não dizer que não falei das flores, às vezes encontro a academia mais "aberta", e menos "conservadora", em relação as "novidades" do que o próprio "mercado". O mercado - quando confrontado com o novo (com o jovem, se quiserem trocar a palavra) - teme ser condescendente demais, e ceder distraidamente posições. A academia, por outro lado, não se sente ainda ameaçada (possivelmente porque, no Brasil, o negócio do ensino superior siga em expansão...). O mercado não pode "errar", porque, se erra, "perde"; já a academia deve errar (tentando...), até porque faz parte da sua "dialética". Pode soar como ranço paternalista esperar - como estudantes esperamos - que a academia resolva nossas contradições internas; mas, na linha do tempo, essa fase é a "última chance" para arriscar sem perder muito. (Os jovens estão trilhando novos caminhos, cabe à academia compreendê-los, devolvendo-lhes sentido - antes que o mercado devore-os sem que realizem suas potencialidades...)

* É incrível mas, algumas vezes, ainda pensei em voltar a "estudar". Por questões de tempo (e de atribuições diversas), nunca me foi possível. (Embora eu aprenda sempre; e minhas "pesquisas" não cessem jamais.) Como um resquício - análogo ao cristianismo, de nossa primeira formação (Nietzsche) -, parece que vamos continuar acreditando, ainda por muito tempo, que o "verdadeiro" conhecimento está nas universidades, e que só é possível desfrutar dele atravessando as malhas do "ensino superior"... E, por essas e por outras, continuaremos preocupados com os "destinos" dos estudantes e dos cursos superiores... Pelo que vimos aqui, é atribuir muita responsabilidade a uma "instituição" que passa por tantas transformações e que tem, em seu cerne, graves problemas. (Quando me convidam a falar aos estudantes, eu sempre aceito - porque obtive insights valiosos em eventos "off". Meu conselho é: não esperem nada, arregacem suas mangas, ninguém virá nos salvar.)

Para ir além
"A Poli como Ela é..."

Update
A Poli como Ela é... ― O Livro

Julio Daio Borges
São Paulo, 28/9/2007

 

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