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Sexta-feira, 26/10/2007
O Brasil pode ser um país de leitores?
Ana Elisa Ribeiro

Este é o título da obra esclarecedora de Felipe Lindoso, ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro. Com projeto gráfico simpático e tamanho "de bolso", a obra, cujo subtítulo é Política para a cultura, Política para o livro, ajuda o leitor a entender as engrenagens do mercado editorial neste nosso país. Sem exibicionismos acadêmicos e nem berros apocalípticos, Lidoso mostra, em três seções, que, sim, nós temos livros.

Começando com um pouco de história editorial, passando pela indústria do livro no século XX, sobrevoando a edição em algumas partes do Brasil e traçando panoramas críticos e políticos das ações (?) do Ministério da Cultura (e do Ministério da Educação também), Felipe Lindoso dá um quadro de nossa situação. Livro é caro? Diz ele que nem tanto. Depende do ponto de vista, não é mesmo? Mas os argumentos são bons. Para o leitor desavisado, é bom lembrar que Lindoso foi diretor de relações institucionais da Câmara Brasileira do Livro. É claro que a nota do editor/empresário é tônica em todo o discurso dele.


Para não "pegar o bonde andando", é importante ler um outro livro, desta vez traduzido por Felipe Lindoso, do crítico mexicano Gabriel Zaid. Ambas as obras são publicadas pela editora Summus, que fez um simpaticíssimo trabalho gráfico.

O livro de Zaid é Livros demais! - Sobre ler, escrever e publicar, em que se discute se livro é caro ou não, a circulação desse produto, a circulação mais específica de poesia e a eterna busca pelo leitor. Os entraves e as delícias do mercado editorial descrito por Zaid não são os brasileiros, mas o tradutor fez questão de escrever notas comparativas esclarecedoras.


Por que, ainda hoje, esta coluna trata de livros sobre mercado editorial? Porque parece que esta discussão só se inflamou mais depois da Internet e de outras formas rápidas de comunicação à distância. Nunca houve tanta discussão acalorada sobre livros, publicação e acesso à informação. E o que ocorre é que as pessoas "chutam" demais. São "chutes" sobre mercado, percepções vagas, descrições impressionistas, empolgações em preto-e-branco, apocalipses, fanatismo e deboche. Também os "críticos" propõem ações pouco esclarecidas ou não propõem nada. Muita qualificação dos meios, pouco interesse pela formação do leitor (que fica sendo preocupação de "professorinha"). Como sempre, tudo falso. As pessoas querem falar, fazer, ganha quem grita mais alto, mas, como sói ser no Brasil, ninguém estuda. Ninguém se aprofunda, ninguém faz uma incisão responsável no tema. Estas obras, embora nem sempre escritas por cientistas, podem dar ao leitor mais lentes por onde olhar. A conversa de boteco fica só para o boteco. Formar leitores é a preocupação de qualquer agente cultural. A "professorinha" é só mais um deles.

E já que falei em cientistas, duas obras têm esse caráter mais acentuado. Formando leitores de telas e textos é um livro organizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, os professores Anderson Higino, Clarisse Barbosa e Maria Antonieta Pereira, coordenadora de um grande programa de pesquisa chamado A tela e o texto. Na obra, vários autores discutem a formação de leitores (no sentido mais amplo possível, inclusive para telas de cinema e de celular), matam a cobra e mostram o pau. Dão depoimentos sobre projetos ocorridos ou em andamento a partir do programa.


Com característica semelhante, a obra Leitura e animação cultural - Repensando a escola e a biblioteca, organizada por Tânia Rösing e Paulo Becker, mostra ações bem-sucedidas na biblioteca, no livro, no acesso ao conhecimento. O nome de Tânia Rösing lhes parece familiar? Ninguém a viu dando entrevista no Jornal Nacional? Pois tanto a obra quanto ela são parte da Jornada Literária de Passo Fundo, belíssima iniciativa de formação de leitores e mudança do valor da leitura no Sul do Brasil. Rösing e colegas tiveram essa idéia, com a verdadeira finalidade de integrar e intervir na comunidade próxima, mas acabaram alcançando o país inteiro. Muito antes da glamourosa FLIP, a Jornada de Passo Fundo já era um sucesso, só que sem tanta purpurina e sem tanta repetição do hype. Só agora é que o evento de Passo Fundo pôde ser compreendido. Pelo menos o hype ajudou a dar visibilidade a uma iniciativa de formação leitora. O Sul do pais tem seus bairrismos, mas vale a pena ler a obra (e o evento) como um bom exemplo.


A casa da invenção, sem subtítulo nem nada, é o nome da obra de Luís Milanesi, pela Ateliê Editorial. Belo livro, belo texto. O autor passa 272 páginas explicando por que as bibliotecas são tão distantes da vida cultural brasileira. Além disso, ele explica por que os "centros de cultura" são tão hype e servem tão pouco, tão desalinhados, sem objetivo e sem objeto. Moda para político se reeleger. Casas bacanas com um acervo mal-cuidado de qualquer coisa. Sobre as bibliotecas públicas, quem nunca foi atendido, em algumas delas, por um funcionário mal-humorado, chateado porque alguém tirava um livro da ordem imposta? Quem nunca se viu diante do atendente ansioso pelo dia de se aposentar, desviado de sua função normal por conta da licença médica? Onde colocá-lo? Na biblioteca, ora. Servicinho tranqüilo, fácil, pouco. Quase não aparece ninguém lá. Enquanto isso, os centros de cultura estão "bombando": instalação, café, tomates secos com orégano, performance e inauguração da "placa". Milanesi não deixa nada de fora do assunto.


Já com caráter de manual, os editores Maria Esther Mendes Perfetti e João Scortecci oferecem o Guia do Profissional do Livro, cujo subtítulo é Informações importantes para quem quer escrever e publicar um livro. Os autores fornecem ao leitor informações sobre legislação do livro, ISBN (International Standard Book Number), técnicas e tecnologias de edição e impressão, associações e entidades do livro no Brasil. Foi lendo esse livro que descobri Gabriel Zaid, que me levou a Felipe Lindoso. E quem foi que disse que, antes da Internet, o "hipertexto" não existia?


O leitor é que não podia ser tão preguiçoso. Era preciso tirar a buzanfa da cadeira e circular. Os livros acadêmicos foram descobertos em garimpagens mais cuidadosas, mas é preciso gastar energia se a meta é entender um assunto, discutir um tema, escrever uma idéia, compreender um aspecto de algo ou solucionar um problema. É preciso estudar. Talvez tenha sido isto que o Brasil ainda não entendeu direito. Com tanto noveau-rich servindo de exemplo, fica difícil convencer alguém de que ler e participar de fóruns de discussão inteligentes e bem-fundamentados seja investimento. Soa, quase sempre, perda de tempo. O bacana mesmo é fazer efeito, mesmo que seja só fachada. Estudar para quê? Ler é divertimento. Mas, quem quiser se abrir para a experiência de conhecer alguns pontos de vista e alguns discursos sobre a leitura e a formação de leitores no Brasil, esteja servido. Dei aí minhas sugestões, mas elas haverão de gastar tempo, um dos aspectos mais caros da vida contemporânea.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 26/10/2007

 

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