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Sexta-feira, 28/12/2007
E-mails a um jovem resenhista
Rafael Rodrigues

Volta e meia puxo uma conversa, quase sempre sobre literatura e relações pessoais, com uma das pessoas mais sensatas que conheço. Ela sempre me dá bons conselhos e nossos e-mails rendem boas conversas. Dessa vez não resisti, e pedi a ela que me deixasse reproduzir um trecho da nossa correspondência eletrônica. Mas a conversa foi tão boa que aproveitei mais de um trecho.

O primeiro é sobre as panelinhas no meio literário. Já fui acusado, há alguns anos, de participar de uma panelinha. Um absurdo, visto que a maioria dos conhecidos que tenho no meio são apenas conhecidos virtuais. Fiz algumas amizades, claro, mas nunca tirei proveito de nada. Eu digo que tudo o que tenho são minhas referências, meus escritos espalhados por aí. Sempre corri atrás de minhas coisas. Óbvio que, se algum dia surgir uma oportunidade por indicação de alguém, não vou recusar. Nem é nada desonrador pedir ajuda a um amigo mais bem relacionado (no sentido de pedir o contato de alguém, ou que ele faça a ponte entre você e outra pessoa). Mas isso não é participar de panelinha. Isso é reconhecimento de esforço e capacidade.

"Existem sim as tais panelinhas. E como. Você não faz idéia da podridão que reina no mundo literário, sobretudo na nova geração de autores. A verdade é que o mundo literário é uma ridícula guerra de egos. Cada um se acha dono da verdade e, o pior, se atribuem uma importância irreal e disparatada. E a verdade maior ainda é que essas pessoas têm muito pouca projeção no mercado em geral (falo do conjunto de leitores) e quase nenhuma influência no que é vendido e no que se lê pela maioria."

O problema das panelinhas é que, no geral, todos os participantes são medíocres, no sentido de serem medianos. Décadas atrás as panelinhas também existiam. Mas uma panelinha constituída por Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Murilo Rubião, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector e outros tantos, que liam e elogiavam os livros uns dos outros é muito diferente de uma panelinha constituída por escritores que escrevem livros, na melhor das hipóteses, "mais ou menos".

Eu, como aspirante a crítico literário e escritor, não posso me deixar seduzir por uma dessas panelinhas. Os amigos que fiz, fiz por gostar verdadeiramente deles. De alguns até me afastei, justamente para não correr o risco de ser considerado integrante de determinado grupo. É uma pena, pode ser bobagem, mas é verdade.

"Existe uma prática muito comum entre jornalistas-escritores que é a seguinte: 'escreva uma resenha falando bem do meu livro que eu escrevo outra falo bem do seu'."

Eis algo que realmente acontece. Essa troca de favores é abominável. E não é camaradagem, é picaretagem mesmo. Isso explica, em parte, o fato de alguns livros ruins serem tão elogiados por aí. E lá vamos nós de volta à discussão sobre as panelinhas, dos parágrafos acima. Quando algum amigo ou conhecido meu lança um livro e ele não é bom (para não dizer que é ruim), eu prefiro não escrever sobre o livro. Pro autor, eu digo o que achei. Por mais chato que seja fazer isso. Perco a amizade, mas não deixo de dizer a verdade. Se for amigo mesmo, vai entender que aquela é apenas a minha opinião. Não significa que o livro é ruim. Leitores diferentes fazem leituras diferentes, como bem diz o experiente José Castello.

"Quanto à sua relação, enquanto crítico, com os autores amigos, ela será sempre problemática. Porque é um terreno em que é preciso estar sempre pisando em ovos. Faça uma escolha. Você pode optar por não resenhar livros de amigos, o que é válido. Agora, como crítico, você terá sempre desafetos, a menos que seja um vaselina total. E mesmo esses viram alvo de ressentimento por parte de escritores que se enfurecem por seus livros não terem sido mencionados ou criticados (afinal, não se pode escrever sobre tudo o que é lançado e na literatura brasileira atual há muito lixo)."

Justo o que eu disse acima. Mas não posso deixar de resenhar bons livros de amigos por conta da possibilidade de alguém dizer que é um elogio gratuito, que só estou elogiando porque é o livro de um amigo meu, esse tipo de coisa. Por mim, podem falar até cansar. Não vou jamais me justificar ou pedir desculpas por elogiar um amigo.

"Volta e meia, acontece um briga pavorosa em torno de um assunto, em geral, besta, uma bobagem. Eu me pergunto: para quê? Ninguém toma conhecimento daquilo. É pura guerra de egos. Perda de tempo e de energia total."

O engraçado é como essas bobagens, essas picuinhas ganham tanto tamanho e espaço. A literatura é importante para quem faz, para quem ama, para quem gosta. Mas são tão poucas pessoas que fazem, amam e gostam de literatura, que chega a ser ridícula a proporção que alguns autores dão às más críticas de seus livros, por exemplo. São ridículos também comentários do tipo "ah, só publicaram porque ele é amigo de fulano". É verdade que isso ocorre, mas reclamar e choramingar vai adiantar? Não vai. Então. O melhor é esquecer as reclamações e trabalhar, ou seja, escrever.

O leitor que sustenta o mercado não está interessado em polêmicas entre escritores ou entre críticos e escritores. O chamado "leitor de fim de semana" deve achar um porre dois escritores brigando, ou um escritor e um crítico discutindo. Às vezes até que é bom, pra animar o ambiente. Mas de uns tempos pra cá, de quinze em quinze dias temos uma discussão boba no "meio literário", e isso enche o saco. Da mesma maneira que a "briga" pode fazer o leitor comprar o livro, pode fazê-lo jamais comprar o livro. Polêmica e discussão não são garantia de vendagem. Garantia de vendagem e de público leitor é qualidade. Seja o retorno imediato ou a médio-longo prazo. E o escritor de verdade, que prima pela qualidade, não se importa muito se terá retorno agora ou depois de morto. Ele quer escrever, só isso. E é isso que ele deve fazer. Não que polêmicas não sejam válidas. Algumas são. Mas nem todas.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 28/12/2007

 

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