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Segunda-feira, 8/10/2007
A Arte da Entrevista
Verônica Mambrini


Ilustra by Guga Schultze

Ok, agora você é jornalista. Está no final da faculdade, correndo contra o tempo em trabalhos de conclusão de curso, ou é recém-formado e encara diariamente pautas sem pé nem cabeça paridas pelas mentes de editores malucos. Precisa falar com os sem-terra, os sem-teto e os sem noção, ou entrevistar celebridades e sumidades mil, jogadas todas no grande cesto das fontes de quem o jornalista vai extrair a matéria-prima de suas reportagens. Desse balaio sairá de tudo: médicos doutores ultraespecializados, beldades talhadas a silicone, empresários e, claro, as fontes oficiais. Ah, as fontes oficiais... Na maior parte dos casos, os contatos serão intermediados por assessorias de imprensa que vão tentar definir quem diz o quê, sob qual enfoque e quando.

Usar gravador ou não? Se há gente que recrimina entrevista por telefone, por e-mail, então, nem pensar? E quando o entrevistado, na "hora H", trava e mal conversa com o repórter? Para ensinar a enfrentar essa rotina sem perder a pose (nem voltar para a redação de mãos abanando), o Espaço Revista Cult convidou Thais Oyama, editora de "Brasil" na revista Veja, como palestrante do curso "A Arte da Entrevista", no último dia 29. Thais já trabalhou nas redações da Folha de S.Paulo, do Estado de S. Paulo e do Jornal da Tarde, da revista Marie Claire e da extinta República, além de uma passagem de um ano pelo jornalismo da Rede Globo, que diz ter odiado. No momento, está escrevendo um livro de técnicas de entrevista, em que coloca a própria experiência ao lado da de craques do pingue-pongue verbal, como Sergio Dávila.

Prepare-se - A primeira lição que ela deixa aos estudantes é se preparar antes. Muitos focas (jargão para nomear o jornalista em início de carreira) chegam ao entrevistado sem ter feito uma pesquisa, trazendo perguntas que aquela pessoa já respondeu diversas vezes e que estão ao alcance da mão, no Google. Pesquise o que e onde puder, "só não chegue lá burro, estúpido, cru", diz a editora da Veja. "É falta de respeito com seu entrevistado". Além de evitar gafes e perda de tempo com perguntas desnecessárias, ter fatos concretos em mãos permite rebater respostas tendenciosas ou ambíguas. "A entrevista é também um confronto", afirma Thais.

Questão de confiança - Toda entrevista é um jogo de sedução, e será tanto melhor quanto mais confiança o entrevistado tiver no repórter. Vale diminuir a barreira física, sentando de frente para o entrevistado, olhando-o nos olhos, evitando um espaço grande entre os dois se possível (técnica usada e abusada por Marília Gabriela). Outra dica, ótima para entrevistas que prometem ter pontos polêmicos, é escolher o ambiente do entrevistado - casa ou escritório. Ajuda a criar um clima confortável, em que a pessoa fique mais à vontade. Thais só se esqueceu de dizer que muitas vezes quem acaba seduzido é o repórter. Os entrevistados, assim como qualquer pessoa, podem ter alto poder de convencimento e carisma, e há sempre interesses em jogo. Não custa nada se perguntar que interesses são esses.

Estar disponível - Ela criticou fartamente um hábito terrível e generalizado entre estudantes de jornalismo: querer respostas para ontem. Estudantes: ninguém tem obrigação de falar com vocês. O mínimo que se pode fazer é buscar as fontes com antecedência, ser cortês e explicar porque é tão importante que aquela fonte participe da matéria (olha a sedução aí de novo...) e dar tempo para o entrevistado atendê-lo. Thais lamentou as últimas entrevistas que deu a alunos de jornalismo, que chegavam com o bloquinho na mão e, impacientes, já esboçavam a próxima pergunta antes mesmo dela ter terminado a anterior. "Mostrar curiosidade genuína e realmente ouvir o que o entrevistado está falando é fundamental", diz. Muitas vezes o que sua fonte tem a dizer é mais interessante e pertinente do que o que você tem para perguntar. Mas para perceber isso é preciso saber ouvir.

Truques - Outras dicas a granel: deixe as perguntas mais delicadas para o final, e zele por um clima leve e agradável até o momento de fazê-las. Não faça "perguntas enormes, complicadas, chiques, intelectuais e cheias de referências". A tendência de acertar é maior com uma pergunta curta, direta e objetiva. Se mesmo assim o entrevistado não colaborar e der uma resposta curta, grossa e sem graça, responda: "Como assim?", "Por quê?" ou ainda "Dê um exemplo, por favor". Essas expressõezinhas costumam desentocar entrevistados arredios, e puxar exemplos concretos e imagens que vão servir para ilustrar a matéria.

Seja você tímido ou extrovertido, use seu estilo a seu favor. O importante é não chegar "fantasiado de repórter", empurrando o gravador goela abaixo dos entrevistados. Mais um macete: se tiver de perguntar sobre algo desagradável, como uma acusação, evoque terceiros. Por exemplo: "A oposição acusa o sr. de corrupção nas licitações. O que o sr. tem a dizer a respeito?", em vez de "O que o sr. tem a dizer sobre o escândalo das licitações em quer o sr. está envolvido?". Parece óbvio, mas como todo ser humano tem opiniões pessoais, às vezes é preciso ser um pouco ator (ou ter sangue de barata) para ser um bom repórter.

Partindo para o ataque - Vale a pena brigar com o entrevistado? "Raramente, em uns poucos casos - estou frisando que é uma exceção -, o embate pode fazer a entrevista ficar melhor". Para ilustrar, Thais conta que, em um encontro com Adriane Galisteu, na época do casamento-relâmpago da loira com o empresário Roberto Justus, a conversa não rendia. Galisteu respondia todas as perguntas com frases feitas e script decorado. Depois de tentar todas as técnicas de empatia que conseguiu lembrar, Thais partiu para a provocação: "Você gosta de dinheiro?" Foi o turning point do dia. A platinada respondeu: "Claro que eu gosto de dinheiro! Gosto de voar da primeira classe, gosto de luxo. Não vou dar meu dinheiro para essas ONGs, meu dinheiro é meu!". Daí para a frente, estava salva a entrevista.

Meios e métodos - Thais adora gravador. Leva dois, caso um dê problema durante a conversa. Apesar de usar sempre que possível, diz que são fundamentais mesmo em três casos: quando há risco do repórter ser desmentido, quando a entrevista é muito longa, e quando é feita em outra língua. Há críticos do uso irrestrito do gravador, que alegam que, no mínimo, o equipamento cria uma barreira entre entrevistado e repórter. Mas, para ela, "as vantagens são imensamente maiores do que as desvantagens". Entrevista por e-mail, só em último caso. Cá entre nós: em alguns casos, pode até ser melhor mesmo, dando tempo para o entrevistado articular as respostas e responder no horário em que bem entender. Mas geralmente é pura preguiça do repórter.

Uma outra visão - Competente, articulada e solícita, Thais deu um excelente painel de suas técnicas de entrevista preferidas. Na véspera, José Nêumanne comentou com um grupo de estudantes de jornalismo em São Paulo as suas. O editorialista do Jornal da Tarde e comentarista político da rádio Jovem Pan e do SBT começou com um grande elogio a Truman Capote. O autor de A sangue frio mudou a história do jornalismo e a forma de escrever com sua reportagem sobre a chacina da família Clutter, no Kansas, em 1959. O making of dessa reportagem feita para a revista New Yorker, que acabou se tornando o livro, ganhou uma excelente versão cinematográfica. Capote dispensava não apenas o gravador, mas também o bloco de anotações. Memorizava o que seus entrevistados diziam e, assim que possível, transcrevia para o papel. A tática exige muito mais treino do que talento e traz o ganho de deixar o entrevistado nitidamente mais à vontade. Para Nêumanne, o gravador cria um "clima de formalidade, que põe o entrevistado contra você". Outro ícone do jornalismo literário que o descarta é Gay Talese. Reza a lenda que, se Talese precisava anotar algo, para não tirar a naturalidade do entrevistado, soltava algo como: "Que bela frase, preciso anotá-la!".

Intimidade - Se, para Thais, certas fontes não merecem o tempo gasto com elas em entrevistas que não renderam, apesar do esforço do repórter, para Nêumanne, "quando a entrevista é fraca, a culpa é do entrevistador". O caso incontestável tinha acontecido na mesma semana: o jornalista foi convidado a participar da banca de entrevistadores do Roda Viva, da TV Cultura, cujo convidado da semana era o rapper Mano Brown, conhecido por ser avesso a entrevistas e preferir fazer shows na periferia. Para Nêumanne, "uma pessoa absolutamente impenetrável". A banca toda, formada por Nêumanne, pelo jornalista Paulo Markun, a psicanalista Maria Rita Kehl, o escritor Paulo Lins e os jornalistas Renato Lombardi, da TV Cultura, Ricardo Franca Cruz, da revista Rolling Stone Brasil e Paulo Lima, da revista Trip, tinha pouca ou nenhuma intimidade com esse mundo. As perguntas estavam fora de lugar. Não é preciso ser especialista para perceber a absoluta falta de empatia entre entrevistadores e entrevistado, que tirou todo o brilho que a entrevista poderia ter. Faltou clima. Ao contrário do que é comum nos bastidores do Roda Viva, dessa vez o silêncio foi regra. Nos minutos que antecederam o programa, ninguém disse uma palavra.

"É preciso ter proximidade suficiente da fonte para conseguir a notícia e distância suficiente para poder publicá-la", disse Nêumanne. Próximo de muitas fontes políticas, defende que é imprescindível "não depender da fonte nunca, para nada. Não permitir que ela faça favores". Os riscos de construir uma relação de respeito e de errar na dose da proximidade são os mesmos. O jornalista José Roberto de Alencar, veterano com passagem nas mais importantes redações de veículos impressos do País, tinha um verdadeiro arsenal de técnicas para arrancar informações preciosas de suas fontes, que acabavam pedindo para ele não publicar o que haviam dito. Ele publicava, sob risco de perder a fonte. "Prefiro o leitor", dizia.

Costumo dizer para minha mãe que as piores profissões são os "psicopatas" (uma brincadeira entre nós, para nos referir aos psiquiatras, psicólogos e psicoterapeutas), os advogados e os jornalistas, porque vivem de explorar a miséria alheia. Mas, dos três, o pior é o jornalista. Os primeiros são procurados pelas pessoas em desespero, enquanto os jornalistas, se precisarem, vão até o inferno atrás dos desgraçados.

Para ir além
Espaço Revista Cult

Verônica Mambrini
São Paulo, 8/10/2007

 

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