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Quinta-feira, 8/11/2007
Casa cor-de-rosa
Elisa Andrade Buzzo

Não pode passar em branco o que aconteceu na Casa das Rosas. Com decoração de bico fino, altas-rodas - que ainda não conheciam o imóvel arquitetado na década de 1930 pelo escritório Ramos de Azevedo -, caíram de pára-quedas na história da Avenida Paulista, e contemplaram, enfim, o elefante sentado em pleno coração financeiro do país.

Da entrada à saída respirava-se um ar perfumado, naquela que foi a primeira edição no Brasil do evento internacional CAD - Casa, Arte e Design. A Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura desde 2004, teve 39 ambientes decorados por 54 arquitetos. De quebra, ganhou elevador, rampas de acesso, uma reforma na estrutura elétrica e hidráulica.

Além das noites paulistanas terem ficado mais iluminadas com os 116 projetores de lâmpadas halógenas, instalados sem qualquer tipo de incisão que danificasse a construção. Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada.

Um portentoso carrilhão em piso revestido de carpete escuro recebia os visitantes de tapete vermelho. A bilheteria teve ingressos variando de R$ 12,50 a R$ 30,00 durante a exposição, que permaneceu entre os dias 04 de setembro e 07 de outubro deste ano.

Para quem não conhecia as atividades culturais da Casa, como é afetivamente chamada por seus freqüentadores, ficava difícil imaginar que o quarto e a sala íntima do casal, por exemplo - ricamente decoradas com gravuras inglesas de 1731 -, são utilizadas como salas de aula. Tudo geometricamente ornamentado: abajur à direita, abajur à esquerda, sofá ao centro, um tapete creme felpudo, ideal para se andar descalço. Um pequeno buquê de rosas para quebrar a disposição friamente calculada.

Direto das lojas chiquitriques da França chega o servil hoteleiro que oferece revistas e folders, as cadeiras com forros customizados e divertidos. Marilyn Monroe não está nua, mas seu espírito resplandece serigrafado em algum encosto almofadado preso na alfândega. Já Fernando Pessoa não chegou a render visita, mas psicografaram versos seus n'alguma parede nuazinha de tão branca.

A biblioteca circulante, quem diria, transformou-se em sala de jantar com mesa vermelha "ultramoderna" e um belíssimo espelho... de que nacionalidade? Ah, sim, francesa. Espelho, sub-reptício espelho, meu professor de disfarce. Quem poderá disfarçar-se sem recorrer ao seu conselho? Antigüidade anacrônica desajustada em terras tupiniquins.

O grande terraço, irreconhecível, ganhou cobertura abrigando spa com direito à cabine de sauna, ofurô e estúdio de dança. Um piano elétrico Roland. Mármore egípcio no projeto de lavanderia. E a impressão de que tudo ficou maior, mesmo mobiliado. Aqui as regras de arquitetura se esqueceram de entrar - casa absurda, surreal.

Funcionárias dedicadas aguam as plantinhas do restaurante fictício decorado com grades, portas e janelas que pertenceram a velhos casarões da avenida. Depois mostram o banheiro químico de cheiro pouco agradável (coisa que não combinou com o evento) de um dos ambientes do exterior. Da madeira certificada dos bancos até o cartãozinho da arquiteta responsável em papel reciclado, a moda ecológica provou que veio para ficar, seja por pura necessidade, seja para fazer charme.

Aos poucos os guias vão explicando como foi feita toda a montagem dos cômodos de maneira a não danificar os pisos originais e outros detalhes da Casa, como a louça dos banheiros, as torneiras da cozinha, o piso. Como o imóvel foi tombado em 1985 pelo Condephaat, há mais lírios nos vasos, há menos gente do que antes. Tudo continua visível e intocado. Há também o famoso jardim, resistente, engrossando suas raízes. Rosas, rosas, rosas: avisam os arranjos semióticos dos canteiros ao ar livre, perto da edícula restaurada.

Impressionaram no CAD as tentativas de conter o ruído, qualquer que seja sua origem... a tampa da privada, projeto de banheiro público, se fecha em fases... a fonte da varanda tenta em vão acalmar o movimento da Avenida Paulista. Tapumes não funcionam em certas ocasiões, e o que foi um dia não voltará a ser como antes. Que o diga a antiga proprietária da Casa, Lúcia, filha do arquiteto Ramos de Azevedo.

Não importa, porque chegou o dia da glória. Escritores finalmente aparecem nas colunas sociais. Textos de poetas consagrados decoram/estampam/servem de papel de parede para os ambientes, antes relançam a tendência da caligrafia na decoração de interiores. Além do velho diálogo entre o clássico e o contemporâneo. Pesadas cortinas de tecido fosco e muitos, muitos lustres de cristal são as peças-chave na maioria dos ambientes.

Mas agora chega de tendências, que já aterrissam velhas de cansaço depois de 12 horas de vôo. Como a Casa deve voltar à ativa em novembro, com sua vocação de espaço reservado à literatura? Algo do CAD deverá ser mantido? A escada espiralada em mármore, meu tobogã; os lustres da escada de serviço, bordel de luxo; a arte de Sorgenicht, Eu, moça-vitral, fruta cristalizada. Será que sou amada? Mistérios...

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 8/11/2007

 

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