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Segunda-feira, 3/12/2007
A comédia de um solteiro
Eduardo Mineo

Na semana passada conheci uma garota quase bonita. É, quase, quase mesmo. Faltou muito pouco, tadinha. Tinha tudo para ser linda, mas esta Deus mandou na trave. Acho instigante porque é até agradável olhar para ela, mas é óbvio que algo deu errado ali, que alguma coisa não funciona nela direito. Como se Deus tivesse caprichado pra burro mas, no último segundo, um espirro!

- Ah, porra! Agora foda-se, vai assim mesmo -, Deus deve ter dito meio apressado pouco depois de fazê-la.

Coitada, estou exagerando.

Quer dizer, não estou, mas não quero parecer tão indelicado, entenda. Aliás, vamos falar sobre garotas? Um dos meus esportes favoritos é trocar perfis de garotas no Orkut com amigos e falar sobre elas por tempos. Sei que usar Orkut é falta de modos demais, uma maneira muito bruta de encarar a vida, mas é divertido, principalmente para se recriminar quem aceita depoimentos embaraçosos de amigos retardados. Nem todo mundo é assim, eu sei. Eventualmente achamos garotas até sensatas e realmente lindas naquele lugar, mas jamais tentaria qualquer coisa com elas porque, convenhamos, usar internet para conseguir relacionamentos não é ser um mau perdedor? Uma apelação muito vergonhosa, como aqueles encontros de casais na Tailândia? Pode ser intransigência minha, mas prefiro acreditar que guerras já foram perdidas para se evitar uma vitória ridícula...

Mas juro que existem garotas sensatas e lindas no Orkut. Estão lá, posso provar. Estão sempre comprometidas ou morando a mais de dois mil quilômetros, é verdade, mas existem. Algumas são bonitas até demais, o que as classifica praticamente como seres inatingíveis para pessoas como eu, de extremo bom senso. Pobres pessoas de extremo bom senso. É ruim ter a absoluta consciência do que representamos socialmente porque cria-se este vício de achar que a única possibilidade para uma garota excessivamente bonita se interessar por nós é a de que ela não seja muito, digamos, perspicaz, mas felizmente Sophia Loren está aí para provar que é tudo bobagem nossa.

Muito embora eu admita ter uma tendenciazinha deprimente em me interessar por garotas um pouco tontas - ou de alma crua, como digo aos meus amigos que ouvem rindo às lágrimas -, mas eu não me importo muito porque, bom, sou homem e a gente nunca se importa muito com este tipo de coisa, não é? Homem é um troço estritamente estético e, vocês sabem, nunca ter ouvido falar em Flaubert jamais seria relevante para Kate Beckinsale. Como exigir qualquer coisa da Kate Beckinsale além de que ela seja a Kate Beckinsale?

Claro que tem limite pra tudo, suponho, mas a princípio minha tolerância é infinita em se tratando de garotas bonitas. É verdade que é preferível uma garota vazia a uma garota que carrega um monte de tranqueira dentro da cabeça, mas ainda assim não relevo. Como uma garota na faculdade que, embora trotiskista, me deixa na eminência de pedi-la em casamento toda vez que a vejo. Me sinto tão imbecil quando isto acontece. Como eu me sinto besta quando meu corpo resolve se lembrar que é homem! Mas o que eu poderia fazer? Ela é linda em toda parte, é um milagre da forma, uma pintura impressionista. Até seu sotaque caipira e a incidência de uma risada pornográfica soam adoráveis aos meus ouvidos tão bem tratados com os duetos de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald. Afinal, o que é esta pequena feiúra comunista perto de um rostinho que carrega nada menos que a prova irrefutável da existência de Deus?

Acontece às vezes de alguém me dizer que, veja, também não é assim, né, meu, existem gostos e tal. Puxa, o palhaço descobriu a América. É óbvio que existem gostos: bom gosto e mau gosto. Posso dizer isto porque sou quadradão e acredito em valores absolutos, em bonito e feio. A questão, entretanto, é que uma coisa não tem a ver com a outra. Não existe uma necessidade estética para se gostar de algo. Acontece também de gostarmos de coisas feias, ué, e nem por isto ela se torna absolutamente bela. É perceptível a diferença, você é que não quer admitir.

Por exemplo, a mulher mais bonita do mundo é a Alessandra Ambrosio e quem discutiria isto comigo? Filho, padrão de beleza imposto pelo mercado my ass. Não dê ouvidos a quem usa a oratória, a retórica e a dialética hegeliana para fortalecer a concepção estética pobrinha e escusa de quem discorda que a Alessandra Ambrosio é a mulher mais bonita do mundo. Ela é e pronto. Posso ser ruim em muitas coisas, e até sou, mas meu senso estético é muito bom sim senhor. E afirmo tudo isto com a autoridade de quem já viu Karajan regendo a primeira de Beethoven e sabe muito bem das coisas.

Eduardo Mineo
São Paulo, 3/12/2007

 

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