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Segunda-feira, 17/12/2007
Por onde andam os homens bonitos?
Verônica Mambrini

Só faltou ele citar: "As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental". Os homens - ok, não todos - têm um jeito específico de falar sobre as mulheres que beira a canalhice, mas flutua em encanto. O próprio Vinícius, de novo... "Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza, qualquer coisa de triste (...). Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e para ser só perdão". De um machismo impressionante, mas fazer o quê? A sina das mulheres é se derreter por poetas. O Rubem Braga, nas crônicas, era outro especialista em dizer coisas terríveis de um jeito apaixonante.

Não que o Braga tratasse mal as moças nos seus textos, nada disso. Gentilhomme esparramando delicadezas pela imprensa por décadas, desde os anos 1930, vivia voltando para esse assunto, o que me leva a pensar que ele teria sido um mulherengo (adorável e irresistível comme il faut, mas ainda assim um mulherengo). Falava das mulheres aos pedacinhos, suavemente, e não consigo imaginar nenhuma delas feia. O truque é escolher um detalhe: em "Lembrança de um braço direito", o cronista devaneia na sensualidade velada e involuntária da mulher sentada ao lado, no avião, por breves reações dela e mais ainda pelo braço feminino ao lado dele, fetiche puro. Ou trama, no meio de diálogos, a flexibilidade e os movimentos elásticos e suaves do corpo de bailarina da moça que se espreguiçava em seu sofá jogando conversa fora, em "A Deus e ao Diabo também".

Quando fala, com raiva amarga de ciúme, da Joana, que àquela hora devia estar "no carro com aquele palhaço, toda aconchegada a ele, meio tonta de uísque, vai para o apartamento dele, um imbecil que não fala uma palavra de esperanto!", em "Sizenando, a vida é triste", a gente perdoa toda a canalhice do Braga. Ele trata as mulheres como uma coisa doce de se contemplar e amar, às vezes meio tontinhas. Mas é tanta ternura que a gente finge que nem percebeu o ar protetor e vagamente superior com que o Braga olha para nós. As feministas ressentidas que me perdoem: não consigo deixar de gostar desses textos. É que admiro a honestidade essencial dos homens que falam da beleza das mulheres. Porque, é claro, nem todo mundo é bonito. E relativizar a beleza é mais perigoso do que torná-la um critério absoluto de estética. Muitas obras-primas da pintura e da escultura, mesmo separadas por séculos, têm um fio invisível que liga o que vemos de belo nelas.

Gabriela não podia ser uma mulata desdentada e mal-cheirosa. Nem Anna Karenina deselegante. A exceção me vem com Capitu, que não é excepcionalmente bonita. Mas os olhos de ressaca têm a mesma virtude dos detalhes das mulheres de Rubem Braga: o mistério, o nunca conhecer o todo, o ser tragado por algo desconhecido e atraente. E do outro lado, as alegres mulheres de Mineo, tiradas da realidade dos álbuns do Orkut, das fotos de balada, da delícia de se mostrarem não pensantes, puras e concretas na carnalidade da existência como a poesia de Alberto Caieiro. Prontas para a praia, para a festa, como delicados papagaios coloridos e tropicais.

Os homens têm a enorme vantagem de não vestirem tanta fantasia para sair à rua. Tenho um conhecido que quase não fala. Enigmático, 20 e poucos, mas a idade não faz a menor diferença: é o menos menino dos homens que eu conheço. O que não quer dizer que pareça velho ou maduro; nada disso. Ele é a essência do que é um homem. Imaginava o moço paquerando uma menina com um tacape na mão. Outro dia, jantando com amigos, ele mesmo fez piada do tacape. Bingo! A questão é que, nos últimos tempos, andamos numa escassez de homens verdadeiramente bonitos. Os padrões de beleza andaram mudando bastante mas, graças a Deus, ainda tem salvação. Depois das hordas de metrossexuais roubando nossos cremes e esmaltes, o mundo caminha de volta à sanidade.

Não tem nada pior do que um rapaz que queira ser bonito. Porque, se ele for mesmo, vai dar um jeito de estragar tudo. Nada torna uma pessoa mais feia do que a afetação. É chato, é desinteressante; esteticamente, a afetação perverte a crueza do belo. O que completa a beleza espontaneamente, sem teatralidades ridículas, é o charme. A palavra é aparentada ao fetiche, em sentido. As duas vêm do francês e têm a idéia de coisa mágica, que enfeitiça e encanta. E o homem com charme pode ser um bruto, um poeta, um outsider ou um Adônis (moderno ou antigo, não importa). Mas, acima de tudo, ele dá a impressão de não estar nem aí. A beleza não pode ser perseguida.

Enquanto os mitos femininos de beleza explodem e vão e vêm em ondas e marés, andamos carentes de homens para ver e lembrar. As musas mais recentes parecem ter migrado do cinema para as muito mais rentáveis passarelas e ensaios fotográficos de moda. Paulo Zulu está aposentado e, nos últimos anos, não surgiu um modelinho sequer capaz de parecer menos igual do que os outros. Todos tão parecidos... um exército de beldades com gosto de canja de hospital. Nem me venham falar desses rapazes de novela da Globo. São feios ajeitadinhos e atuam muito mal. Irrita.

Consigo ver num Gael García Bernal (que arranca suspiros até sob chuva de canivete) os cânones modernos da beleza. Mas o Gael parece, não importa em que situação, que passou horas na frente do espelho desajeitando o cabelo. Quer coisa mais insuportável que um homem na frente do espelho? Sejamos poupadas de jantar com Narciso, por favor! Falta aquela coisa que um Jude Law tem, que é estar completamente arrumado e continuar mais interessado no mundo ao redor do que em si. Ou o jeito que Marlon Brando, Johnny Depp e George Clooney têm de magnetizar o olhar em qualquer situação. É o traço do rosto e do corpo, mas é a presença gigantesca sobre um raio enorme no ambiente. A beleza tem uma natureza ambígua de ser física e imaterial ao mesmo tempo.

Os feios (e os poetas) que me desculpem, mas beleza é fundamental.

Verônica Mambrini
São Paulo, 17/12/2007

 

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