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Terça-feira, 8/1/2008
Preconceitos
Diogo Salles

Você é preconceituoso? "Eu não! Imagine!". Ninguém gosta de admitir seus próprios preconceitos, até porque, isso é considerado uma coisa deselegante, ou, em muitos casos, crime. Pois digo com orgulho: não tenho preconceito contra os que mais sofrem desse mal. Não me considero superior ou inferior em relação a ninguém. Respeito a todos da mesma forma, sem julgar as pessoas. Poderia circular com a mesma desenvoltura tanto em eventos formais e pomposos da cidade grande quanto numa comunidade primitiva escondida no interior do Brasil inóspito. Sei falar a linguagem de cada um, mesmo havendo um abismo entre os brasis. Sei respeitar a individualidade, as crenças e as opiniões das pessoas, mesmo que sejam diferentes das minhas.

Posso dizer que quase atingi a plenitude nesse aspecto. Quase cheguei lá. Mas não, eu não consegui. Teria conseguido, não fosse esse desprezo mórbido que sinto pelos políticos. Sim, eu sou preconceituoso. Não tenho como esconder isso de ninguém. Mas seria este preconceito algo parecido com a aversão do Galvão Bueno em relação aos argentinos? Ou talvez uma ojeriza parecida à que existe entre corintianos, palmeirenses e são-paulinos? Uma intolerância semelhante à que vemos entre judeus e palestinos? Nem tanto. Mas vale examinar este sentimento um pouco mais de perto.

Políticos sempre me despertaram os instintos mais primitivos. Sinto náuseas só ao ouvir alguns nomes (que não vale a pena citar aqui). Toda essa repulsa não me chegou por obra do acaso. Quando criança via adultos xingando políticos arrebatadamente. Cresci no meio de um ambiente de indignação. A semente da contestação foi plantada em mim, adicionado a mais dois ingredientes explosivos: a aptidão para desenhar e um ceticismo, que não sei ao certo de onde veio (provavelmente dos tempos de faculdade).

Todos esses elementos se encontraram algum dia, em algum lugar, quando decidi ser cartunista. Ou, especificando melhor, caricaturista e chargista. Retratar essa gente de forma grotesca, humilhá-los pelo traço é redentor pra mim. Mas, como em tudo na vida, isso também tem seu preço. E é alto. Para poder desempenhar meu trabalho, preciso entrar nesse mundo de horror e sordidez em que eles vivem. Preciso ler sobre eles, estudá-los, conhecer suas opiniões, posições políticas e pontos fracos. É como enfiar a cara num esgoto. Nesse terreno de trevas, minhas únicas armas são o lápis e o sarcasmo. E isso não é nada agradável, mas o resultado final de uma charge compensa tudo. Melhor ainda quando vejo as pessoas se identificando, comentando, admirando e, até mesmo, criticando meu trabalho. Mostra que cumpri meu papel. Mostra que esta pequena missão chegou ao fim e que é hora de pensar na próxima charge.

Não consigo me referir aos políticos sem ser generalista, sem falar como se todos eles fossem idênticos. Dizem que políticos são como fraldas, que, de tempos em tempos, precisam ser trocadas, sempre pelo mesmo motivo. Dirá alguém que essa generalização é um mero reducionismo. Engano. Ao generalizar, não enfoco minhas críticas no campo ideológico ou em planos de governo, mas, sim, na nossa máquina da corrupção, que, você há de convir comigo, é apartidária. É claro que eu sei que nem todos os políticos são ladrões. Só 99% deles o são. O outro 1% eu prefiro não comentar. Não quero citar nomes de (possíveis) políticos honestos. Vai que amanhã o sujeito é pego com dólares na cueca ou em um motel vagabundo sodomizando uma menor de idade. Sei lá... Melhor não arriscar.

O político brasileiro, independente do partido ou ideologia, tem sempre a mesma falha no caráter. Sua gula pelo dinheiro público, por cargos comissionados e pelas benesses do poder beira a obscenidade. Nutrem o mesmo desprezo tanto pela população quanto pela democracia como um todo.

Nem seu próprio eleitor escapa desse desdém. Chega a assustar. Tudo se resume à caça ao voto. Nada mais. Depois de eleito, o candidato joga seu eleitor no lixo como se fosse um módis usado. Não é por acaso que o político é sempre acusado de "ficar bonzinho" somente às vésperas de uma eleição. Usando a máquina pública em benefício próprio, fazendo caixa-dois para a campanha, lançando obras eleitoreiras e pacotões de bondade, beijando criancinhas carentes, ele é carregado nos braços do "povo". É o búfalo pastando em seu curral eleitoral. Vale qualquer negócio pra chegar ao poder.

Só mesmo um político pra conseguir ignorar as promessas de campanha com tanto descaro e hipocrisia. Seu descaso frente às calamidades é brutal. A ordem é sempre culpar as gestões anteriores. Nunca assumir a responsabilidade por nada. É um verdadeiro gênio da retórica nas campanhas e um verdadeiro imbecil na hora de por algum plano de governo em prática. Aliás, me enganei. Corrigindo: nunca há um plano de governo, mas sempre há um plano de poder, que esconde um desejo autoritário.

Seu talento é nato para "levar vantagem em tudo". Sabe que será sempre amparado pela impunidade. É o político - mais do que qualquer outro bandido - quem legitima o crime no Brasil. É ele quem mostra ao brasileiro o quanto a malandragem e a corrupção valem a pena.

Mas o político também sabe demonstrar solidariedade. Através do corporativismo. Quando um de seus cupinchas é acossado por denúncias de corrupção, os outros políticos da quadrilha rapidamente se solidarizam com seu companheiro de crimes contra a pátria. As desculpas são sempre as mesmas: intriga da oposição, imprensa marrom, elite golpista... você escolhe. Mas para que a festa da pizza seja completa, é preciso celebrá-la. Entram em cena as CPI's e o Conselho de "ética". São nestes assombrosos freak-shows que os falsos pudibundos brindam seus indultos em meio à apoteose e retornam à vida pública como vestais da ética.

Todos nós conhecemos a premissa de que "todos são inocentes até que se prove o contrário". Para os políticos devemos aplicar o conceito inverso: todos são culpados até que se provem inocentes. Eu faço isso. No meu tribunal superior de humor gráfico, todos eles são condenados pela charge e pela caricatura. Sanciono essas condenações através do traço, como uma canetada peremptória. Não existem habeas corpus, recursos ou apelações. Ninguém tem direito à fiança, relaxamento de prisão ou prisões domiciliares. Os crimes nunca prescrevem. Todos cumprem pena máxima no cubículo impiedoso da minha folha A4. Talvez eu deva oferecer meus mecanismos de punição ao nosso Poder Judiciário, que não apenas se mostra incapaz de punições mais severas, como também é conivente com o Executivo e com o Legislativo, interligados pelo cordão umbilical da corrupção.

O que me deixa exposto a um outro preconceito: contra os advogados e juízes. A diferença aqui é que sei que muitos não são canalhas. São basicamente alguns grotões do Poder Judiciário e outros tantos advogados criminalistas que mancham toda a classe como um câncer maligno. Não sou especialista no assunto, mas me permitam perguntar: não seria parte da mesma escória um advogado que aceita defender um político que desviou milhões dos cofres públicos? Será que seus honorários não são pagos (e muito bem, diga-se) com o próprio dinheiro que o político roubou? É como se eles compartilhassem o crime juntos, não? É como dois amantes compartilhando um adultério, fornicando debaixo dos lençóis da impunidade.

Advogados podem argumentar que essa é a "lei", que todos têm "pleno direito a defesa", seja lá o que isso signifique. Mas difícil mesmo é justificar ladrões e assassinos confessos que, por força da "lei", se encontram longe da cadeia. Podemos chamar de "lei" essa coisa estranha que só consegue punir aqueles que não têm dinheiro para pagar por um "bom" advogado? No fim, ele só será realmente "bom" para manter o modus operandi do nosso secular e irremediável atraso. Posso ser leigo no assunto, mas meu bom senso me diz que algo aí está errado. Muito errado.

Fechando a questão do preconceito, deixo aqui uma mensagem aos verdadeiros preconceituosos de plantão. Mais do que isso. Trago a sugestão: em vez de falar mal de negros, homossexuais, nordestinos e minorias, que tal ocupar seu tempo com os políticos? Vocês seriam muito mais úteis ao Brasil dessa forma. Fica aí a dica.

Diogo Salles
São Paulo, 8/1/2008

 

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