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Sexta-feira, 29/2/2008
A literatura e seus efeitos
Rafael Rodrigues

Um livro pode causar as mais diversas sensações em uma pessoa. Inclusive sensação nenhuma. Mas não vale a pena falar desse caso.

Acho que já falei isso em algum lugar: um livro pode divertir, fazer chorar, sentir raiva (muitas vezes de você mesmo, por se ter deixado enganar por uma capa bonita ou resenha elogiosa, e ter comprado o maldito livro ruim). Um livro pode, inclusive, mudar a vida de uma pessoa. Fazer com que ela veja de uma maneira mais clara as coisas ao seu redor. Pode fazer com que uma pessoa aprenda mais sobre si mesma e encontre finalmente o seu caminho. Ou pode, e muitas vezes é bom que isso aconteça, fazer com que uma pessoa perca completamente seu rumo e repense toda a sua vida até ali. Um livro pode fazê-la perceber quão incompleto fora sua trajetória até o instante em que finalizou a leitura daquela obra.

Não, não estou exagerando. Não são devaneios. Tudo isso é possível e já aconteceu com alguém. Eu que o diga.

O escritor argentino César Aira disse, na Flip do ano passado, que não aconselha ninguém a se aproximar da literatura. Muito pelo contrário: ele gostaria que as pessoas se afastassem dos livros, da literatura, porque ela, a literatura, faz com que o homem mergulhe em si mesmo e se torne um ser solitário, recluso e, até mesmo, triste, melancólico.

(Não, ele não disse tudo isso com essas palavras. Mas foi praticamente a mesma coisa.)

Quando ouvi a declaração de Aira, fiquei incomodado. A literatura, para mim, é justamente o contrário disso. O ato de ler, no caso. Porque quando você lê uma obra, você quer comentar com alguém, recomendar ou tentar encontrar o motivo que te fez não gostar dela. O fazer literatura, concordo com ele, provoca mesmo tudo aquilo num homem.

(Em uma mulher também, mas não são tantos os casos. Como disse um amigo meu, "elas adoram oficinas literárias e a possibilidade da literatura ser uma conversa no salão de beleza, com palpite voando pra todos os lados enquanto se escreve alguma coisa... mulheres gostam de rituais, associações e, muito especialmente, rituais de associações ― cerimônias de aniversários, cerimônias de formatura, cerimônias de casamento ―, embora raras vezes se suportem umas às outras...")

Ouvi a declaração de Aira e pensei em mim. A literatura me fez acordar, me fez descobrir o que realmente eu quero para a minha vida. A literatura me deu bons amigos, me deu vontades e ambições concretas (algumas nem tanto) e fundamentais na vida de um homem.

Depois da mesa, que também contou com o brasileiro Silviano Santiago, houve a velha sessão de autógrafos. Munido de um exemplar de As noites de Flores, aboletei-me na fila. Quando chegou a minha vez, eu disse, gaguejando e tentando ser o mais simpático e bem-humorado possível, que a literatura me fez sair da Bahia e ir a Parati, e agora estava ali, pedindo um autógrafo a ele. Ele sorriu, agradeceu, e não lembro se disse que só queria provocar um pouco. Acho que não, mas é bom lembrar desse jeito.

A literatura e os seus defeitos
Não, a literatura não tem defeitos. Ao menos ainda não os encontrei. Livros ruins têm, sim, muitos defeitos. A literatura, não.

Era sobre isso que queria falar, quando comecei a escrever o texto acima. Seria sobre os efeitos que a literatura tem sobre certas pessoas. Os efeitos colaterais, no caso.

Este é um recado para os Mestres dos Magos da literatura brasileira, que é como batizei uma espécie de leitor que está aparecendo em tudo quanto é canto, disseminando besteiras em blogs e sites por aí.

Essa espécie de leitor tem muitos defeitos. Que nada têm a ver com a literatura, aliás. O leitor ao qual me refiro é do tipo que deseja saber mais que todo mundo, quer ter razão a todo custo e não mede esforços para isso. Ele leu uma porção de livros ― bons, é verdade ―, muitos deles até clássicos da literatura, escrevem bem e teriam uma boa retórica, isso se não exibissem constantemente aquele tão conhecido "ar superior" e aquela arrogância excessiva e maligna (contrário de "benigna", porque existe a boa arrogância) que não leva a lugar nenhum.

Este texto é dirigido a você, Mestre. Você, sabichão, que tudo leu, tudo sabe e a todos os cânones cita. Vamos, confesse, pode usar a caixa de comentários do site para isso: você pensa que é um especialista, certo? Que você detém o conhecimento literário que todos deveriam ter. Que você leu os livros e autores que ninguém leu, correto? Sim, você começou a ler bem cedo, sempre teve acesso aos melhores livros, aos melhores colégios e à melhor cultura. Você ouve música clássica, sabe tudo sobre vinhos, mulheres e física quântica, e ainda por cima entende de artes plásticas.

Ó, sim, você é quase um deus. Você tem o direito e o dever de dizer que tal obra é ruim, que tal autor é um merda e que eu e outros tantos deveríamos nos calar. Que não deveríamos elogiar certos autores nem ler certas coisas. Tudo bem, eu entendo.

Mas você, Mestre, tem transformado as discussões sobre literatura em grandes discussões idiotas e sem graça. Quando você despeja por aí todo o seu conhecimento, toda a sua cultura, você pensa "ó, como sou humilde, estou compartilhando meu saber com esses pobres miseráveis". Mas não, Mestre. Você está mesmo é enchendo o nosso saco, torrando a nossa paciência. E isso nos faz perder todo o tesão na conversa. Estamos lá, conversando animadamente sobre algo, e então aparece você: um balde de água fria. É como se eu estivesse sonhando com a minha noiva e acordasse ao lado de um moreno alto e forte de nome Paulão.

Eu já falei de você antes, Mestre. Mas não fui tão direto. Agora sou, porque estou mesmo de saco cheio.

Lembra, Mestre, do "por qué no te callas?". Pois.

***

P.S.: O termo "Mestre" não faz referência a alguém em específico.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 29/2/2008

 

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