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Quarta-feira, 9/1/2008
High School Musical e os tweens
Rafael Fernandes

BLOCO 1 ― Os tweens e seu impacto
Há alguns anos os marqueteiros americanos descobriram um mercado fenomenal: os pré-adolescentes, lá denominados "tweens" ― junção de teens com between (entre). Quem o mercado não quer chamar de criança, mas ainda não chegou à adolescência ― embora com comportamentos cada vez mais próximos disso. Um grupo que tem opiniões relevantes nas escolhas familiares, com um poder de compra de US$ 39 bilhões só nos EUA. Uma pesquisa (necessário cadastro gratuito para ler) indica que os tweens atuais se desenvolvem mais rápido que outras gerações tanto no nível físico quanto no emocional e não gostam de referências infantilizadas. No Brasil o grupo é representado fortemente pelas classes A e B. Recentemente foi lançado aqui o primeiro aparelho celular desenvolvido especialmente para crianças e adolescentes. O mercado de celulares para esse público cresceu 33% entre 2005 e 2006.

Sua força é percebida com clareza quando há um "fenômeno" de vendagem, sejam Os Menudos, Harry Potter, Backstreet Boys ou RBD. Muitas vezes não são apenas os pré-adolescentes que aderem à moda, mas também as ditas crianças, adolescentes e em certos casos até adultos. Mas o foco de atuação das campanhas publicitárias está mesmo nos tweens. Um dos mais recentes estouros de consumo e exposição é o filme High School Musical (HSM, daqui para frente), que explodiu pelo canal por assinatura Disney Channel, nos EUA, depois passando a epidemia ao resto do mundo. Lá na terra do tio Bush a parte dois bateu vários recordes em seu segmento: foi visto por 17,2 milhões de pessoas no horário nobre (que lá corresponde ao horário das 20hs às 22hs) e se tornou o filme de maior audiência dos canais a cabo básicos.

Essa é a geração do tudo ao mesmo tempo agora, da urgência. Nasceu e está crescendo num mundo em que a troca de informação de forma massiva e rápida é modo de vida. De uma só tacada podem ver TV, vagar pela Internet, ouvir música, conversar via MSN, jogar on-line etc. Estão sendo educados assim, é dessa forma que consomem informação. E o fazem não só de forma multimídia, mas também "multi-produto": o filme não é só cinema. Ou TV. É cinema e TV, brinquedos diversos, YouTube, site de relacionamentos, DVD, MP3, jogos, camiseta, celular, e o que mais vier. Isso é de um grande impacto mercadológico, cultural e comportamental. São pessoas habituadas a consumir vorazmente os mais diversos produtos, tornando-se público-alvo relevante para as empresas. Uma geração na qual cultura e entretenimento não se diferenciam.

BLOCO 2 ― High School Musical 1 e 2

Tanto o HSM 1 quanto o 2 não apresentam nada de novo. São bem feitos e têm qualidades se levarmos em conta seu público. Apresentam estética de TV, afinal foram feitos para tal. Utilizam os clichês de filmes colegiais dos EUA: a nerd tímida, o atleta popular, a patricinha, o bobo, a impermeabilidade dos grupos, dificuldades com mudanças, embate entre arte e esporte, a trama surrada do amor impossível que se torna possível etc. Tudo isso agrupado de maneira quase didática e com resoluções dramáticas banais, mas edição ágil, diálogos espertos, boa dose de humor e alguns ótimos momentos. Utilizam um artifício comum em campanhas publicitárias: o conceito "aspiracional" ― o que os espectadores querem ser. O público-alvo é até os 14 anos. Mas o universo do filme retrata garotos de 17, 18 anos. Um expediente semelhante é usado em diversas séries americanas como The OC, Barrados no Baile, One Tree Hill, entre outras, em que adultos de 20 a 25 anos interpretam papéis de colegiais. Nesses casos, é possível atingir tantos os adolescentes, que se vêem retratados por pessoas mais velhas, até jovens de vinte e poucos que se enxergam na figura dos atores representando um tempo que já passou. No final das contas fica a intenção de se ter certos comportamentos próximos de adolescentes, até de adultos, mas sem suas preocupações e responsabilidades.

Os dois filmes são comédias românticas moldadas para pré-adolescentes. O primeiro é uma versão turbinada e atualizada de Nos tempos da brilhantina (referência citada no segundo filme), em que um amor de verão ressurge nas aulas, mas esbarra no problema de "castas" da escola. No segundo são retratadas as férias de verão, com o chefe inescrupuloso, a armação da riquinha, preocupações com o futuro, deixar ou não os amigos, a indicação de que a divisão em grupos de amizades pode ser uma bobagem, o fato de aquele cara bobo se mostra alguém nem tão bobo assim, a inevitabilidade de mudanças e o final feliz, claro. Não posso acreditar que, afora os excessos consumistas da criançada (ops, dos "tweens"), os pais possam achar ruim um filme cujas mensagens principais são respeito, honestidade, valorização do trabalho e do esforço, e que ainda prega a boa relação e diálogo com os pais. Se alguns desses pais reclamarem demais, podemos lembrar que alguns momentos do filme são até melhores do que muito material "adulto" por aí ― menos por mérito, mais por nivelamento por baixo.

As músicas, trejeitos e coreografias remetem a boy bands, R&B, hip-hop e artistas pop ― aqui, basicamente Michael Jackson na época boa. Apelam a clichês melódicos, rítmicos e harmônicos dos estilos citados e também, claro, de vários musicais. Alguns dos compositores e produtores da trilha sonora têm participação em outros filmes musicais do próprio Disney Channel ou em discos de artistas-produto como Bratz, Christina Aguilera, Aaron Carter, The Calling, Everlife e de Jesse McCartney, outro candidato a galã juvenil, que chegou a ser colega de elenco de Zac Efron (o moçoilo do HSM) na série Summerland.

BLOCO FINAL ― Quanto mais produto, melhor
O filme não basta por si só. Não é uma obra de cunho exclusivamente musical e/ou cinematográfica. É ― repita-se ― um produto, ou melhor, o centro do "multi-produto", que vai desde o programa em si e suas seqüências a DVDs, cinema (em 2008), discos, MP3, camisetas, canecas, jogos ― coloquemos diversos etceteras aqui. E não esqueçamos das carreiras-solo: Zac Efron apareceu no mais recente blockbuster de John Travolta, Hairspray. Vanessa Hudgens, a moçoila do HSM, já tem disco-solo, com abordagem musical de quem aspira ser Beyoncé um dia. Sua antagonista, Ashley Tisdale, também gravou um disco, numa mistura light de Britney Spears e Christina Aguilera ― não à toa estas duas começaram a carreira no Mickey Mouse Club, também da Disney. Afinal, a intenção não é ser original: é parecer alguém que já fez sucesso.


Deja Vu 1: Vanessa Hudgens no video Come back to me, de seu disco solo


Deja Vu 2: Ashley Tisdale em He said, she said

Antes de qualquer novo lançamento do entretenimento vem a definição do público-alvo, que deverá ter seus desejos atendidos ― a satisfação do "cliente" antes da relevância artística. Ou melhor, não há relevância artística, já que tais lançamentos se tornaram produtos como sabão em pó, relógio, roupas, cosméticos, carros ou uma jujuba. Antes do HSM 2 ser feito houve uma enquete na Internet para saber o que o público queria ver no filme. Foi divulgado o número mundial de 45 milhões de acessos, que opinaram em temas como qual frase deveria estar na camiseta de um certo personagem ou qual o sanduíche os protagonistas deveriam comer. Esse tipo de promoção, além de ser uma fonte de pesquisa para os produtores, dá a idéia de inserção dos espectadores no filme, aumentando sua sensação de experiência ativa. Os filmes também geram consumo e comportamento indiretos: as roupas das personagens, seus celulares, atitudes etc. É uma tendência: os produtos não se sustentam sozinhos: há todo um esforço conjunto, que ocorre amarrado ou paralelamente a eles. O mercado dos tweens é um poço quase sem fim. Eles crescem, viram adolescentes, adultos, mas não deixarão de comprar ― e novos consumidores vão surgindo nas gerações seguintes. Para quem acha que ao menos a febre do HSM passou duas más notícias: a terceira versão do filme estréia em 2008, dessa vez nos cinemas. E Globo e Record disputam a exibição da seleção do elenco para realização da versão brasileira.

Rafael Fernandes
São Paulo, 9/1/2008

 

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