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Segunda-feira, 28/1/2008
Boas histórias — e de verdade
Verônica Mambrini

Você gosta de uma boa história? Paco Sanchez, jornalista galego que volta e meia aparece aqui pelas terras tupiniquins para dar seminários, vive contando o causo de um matuto espanhol que foi atropelado por um avião. Isso mesmo: o avião teve que fazer um pouso forçado por ali, em um pueblecito muy hermoso no meio do nada, na Espanha, e arrebentou com a propriedade. A companhia aérea fez uma generosa proposta, cobrindo o custo das vaquinhas e benfeitorias detonadas pelo avião, mais uma quantia em dinheiro, e apenas uma contrapartida: o sujeito tinha que silenciar sobre o incidente. "Pero no voy a poder contar la historia a la gente? Gracias, entonces. No me interesa."

Ouvir e contar boas histórias. É por aí que segue a proposta do jornalismo literário, polêmico desde sua nomenclatura. Nasceu como New Journalism, pelas mãos de talentosos escritores como Truman Capote, Norman Mailer e Gay Talese, alguns dos nomes mais famosos, disponíveis em livros. A proposta era quebrar novamente um ciclo do jornalismo. Depois da modernização americana, lá pela década de 1950, que transformou artigos longos e cheios de opinião em textos informativos curtos e ágeis, o New Journalism trouxe técnicas da literatura para as páginas de revista, nas décadas de 1960 e 1970.

No Brasil, o nome pegou como Jornalismo Literário. Inspirada nessa onda, em 1966, a editora Abril criou a revista Realidade, que fez escola com grandes reportagens. Pautas grandiosas, textos ambiciosos, fotos impressionantes, tudo inspirado na cartilha do New Journalism. Até hoje, a revista deixa um rastro de nostalgia nos bancos de faculdades. Recentemente, ressurgiu a aposta de que há um mercado de leitores ávidos por histórias bem contadas. As revistas Brasileiros e piauí tentam resgatar o formato de grandes reportagens, textos longos, autorais (se conseguem, é outra história). E há, claro, pitadas aqui e ali nas páginas de jornais e revistas tradicionais.

O livro Jornalistas Literários ― Narrativas da vida real por novos autores brasileiros (Summus, 2007, 320 págs.) traz dezesseis histórias contadas em outro ritmo. Com mais calma, olho nos detalhes, clima. O apaixonante perfil que abre a coletânea é o do jornalista Marcos Faerman, escrito por Isabel Vieira. Faerman começou a carreira no extinto jornal gaúcho Última Hora e foi repórter especial no Jornal da Tarde, numa época em que havia muito mais tempo e dinheiro para reportagens de fôlego. Muita apuração, e um equilíbrio delicado entre a personalidade agitada e humanista de Faerman, a carreira cheia de projetos idealistas e marcantes e o contexto da época dão vida ao perfil.

Há textos de vários gêneros: reportagens, narrativas pessoais, ensaios. Sobressaem reportagens como "Pasta & Passione", de Lorena Tovil Schuchman, sobre um pastifício artesanal e a família que o conduz, ou "A Clarividente Neiva", de Isabel Fonseca, sobre como começou e cresceu uma seita espiritualista em Brasília. Histórias que não cabem no noticiário ― muitas vezes, o texto transbordante de informação e interesse não tem nada nem próximo de ser notícia. Muitas vezes, as histórias são de anônimos, de personagens brechitianos como os do poema "Perguntas de um operário que lê": "Quem construiu Tebas, a das sete portas?/ Nos livros vem o nome dos reis,/ Mas foram os reis que transportaram as pedras?". E um olhar sobre os personagens que flerta com a Nova História, que busca sinais do registro de uma época nas casas dos vizinhos, na rua que é caminho da escola em que se estuda, no pescador que é um artesão com o no sangue. Possivelmente a importância do Novo Jornalismo é a mesma da nova história: ignorar a história de governantes, mandatários de guerras e chefes de Estado é um fator que limita a compreensão de mundo. Mas o mundo em que a história é contada apenas pelas decisões de poucos homens, e ignorando os gostos e o trabalho do homem comum, é inútil. E na retomada da narrativa como ponto fundamental, e da oralidade, os dois campos de conhecimento também se cruzam.

As reportagens são o resultado das primeiras turmas da pós-graduação em jornalismo literário da Associação Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL). O organizador do livro é Sergio Vilas Boas, um dos fundadores da ABJL e professor do curso de pós-graduação. Ele comenta que o caminho para esse tipo de narrativa no Brasil se consolidar é longo. Não há tradição e poucos profissionais têm fôlego para encarar um texto menos técnico, com mais arte. "Simplesmente Mulata" é quase um conto, uma história de amor que podia ser ficção. Contada no clima de causo que pedem os personagens, se mostra no caminho de um jornalismo mais novo e fresco, em que o compromisso maior é entre leitor e autor. Que não precisa ter a cara sisuda do jornalismo tradicional para ser tão claro e preciso quando uma matéria de jornalão. Pela falta de profissionais que tenham cacife para se enveredar nesse tipo de empreitada, a coletânea tem textos que ainda não acharam o tom.

Mas ainda assim, "Tantas histórias/ Quantas perguntas", como lembra o poema de Brecht.

Para ir além





Verônica Mambrini
São Paulo, 28/1/2008

 

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