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Quinta-feira, 18/10/2001
À luz de um casamento
Adriana Baggio



Nada mais prosaico do que falar sobre casamento. Talvez seja até piegas, nos dias de hoje. Mas sábado fui a uma cerimônia que me fez voltar a acreditar nos aspectos mais essenciais deste sacramento. Eu, particularmente, adoro casamentos. Acredito que é uma ocasião muito especial mesmo, e que nós, os convidados, devemos nos preparar de acordo com a importância do evento. Seremos testemunhas da união. Ao participar de um casamento, penso que as pessoas devem sentir o quanto é fundamental celebrar. Tudo bem, há casamentos e casamentos. Existem aqueles onde não somos muito íntimos dos noivos, somos apenas agregados de algum outro convidado. Ficamos pensando se temos o direito de estar ali. E existem casamentos que parecem uma farsa, que acontecem por motivos diversos, menos por aqueles que justificam a união.

Pois bem, o casamento de sábado não era nem uma coisa, nem outra. Era o casamento do meu chefe, e apesar de conhecê-lo há pouco tempo, já gosto muito dele e da noiva, quer dizer, esposa. Eu sei que o sentimento entre eles é autêntico, e a vontade de estar junto também. Fiquei muito feliz ao ser convidada para cerimônia. Passei por todos os momentos de ansiedade pelos quais passam os convidados mais empolgados, como é o meu caso. Mas minha situação ainda tinha um agravante, que me deixou mais entusiasmada ainda. Como sou “estrangeira” em João Pessoa, ser convidada para uma cerimônia tão importante, de pessoas tão bacanas, foi marcante para mim. Senti-me aceita e participante da comunidade.

A primeira novidade do casamento foi o horário - às 11 da manhã. Nunca tinha assistido um casamento durante o dia. É impressionante como as coisas parecem mais “honestas” à luz do dia. Normalmente as cerimônias de casamento à noite têm um componente muito fake, quase de disfarce. As mulheres usam maquiagens e penteados inadmissíveis para outro horário ou situação (eu sei disso, porque já fiz um negócio no meu cabelo que não usaria nem em um baile de carnaval). As roupas são, ou pretendem ser, suntuosas, tanto que a gente se espanta ao ver como as pessoas ficam diferentes do habitual. As mulheres e seus longos, os homens e seus ternos. Alguns mais à vontade nos saltos e paletós, outros parecem que estão amarrados ou pisando em bolinhas de gude. Mas, faz parte do show.

Pois bem, em um casamento de dia não tem isso. Primeiro, porque o horário não permite muita acrobacia na roupa, no penteado e na maquiagem. Fica ridículo até para as peruas mais assumidas. Todas as rugas e defeitos aparecem, não há preto que afine uma silhueta. À luz do dia, fica difícil se disfarçar. Então, o negócio é assumir. Na decoração acontece a mesma coisa. Não dá para contar com truques de iluminação. Então, já imaginou um casamento que não seja completamente autêntico em seus objetivos ser realizado de dia? Seria um desastre!

Foi por ser tão honesto que o casamento do meu chefe foi lindo à luz do dia. Minha segunda surpresa foi quanto à igreja. Não tinha aquele aspecto gótico ou barroco que às vezes parecem um pouco opressivos nos templos católicos. E também não era um ícone de arquitetura moderna. Era um lugar simples, de chão de pedra tosca. A igreja é pequena e ladeada por enormes janelões, que vão quase até o chão. Esse “quase” permite a formação de muretas, que servem de banco para aqueles que não conseguiram lugar. Não acho que a igreja seja muito antiga, mas os janelões terminavam em uma espécie de arco bem suave, típico de construções coloniais. Seguindo a mesma linha, o altar é muito simples, com só uma imagem. Também é pequeno, permitindo apenas a presença do padre e da mesa. Fiquei encantada com o despojamento da igrejinha, que na sua simplicidade era muito natural, e honesta. Preciso dizer isso mais uma vez, mesmo correndo o risco de ser repetitiva.

Estava tudo muito coerente. Além da luminosidade, o ambiente tinha charme também. A decoração do corredor que leva ao altar, ao invés de flores, tinha frutas. Enormes vasos verdes guardavam maçãs verdes e folhas da mesma cor, só que num tom mais escuro. Não sei se isso é comum, mas para mim foi novidade, e me encantou. Não pude deixar de notar a relação que não aconteceu. Se fosse vermelha, a maçã poderia sugerir erotismo, paixão, até pecado. Mas sendo verde, dava uma sensação de frescor. Fiquei imaginando como é gostoso e fresquinho comer uma maçã verde bem geladinha... Mas voltando à decoração, uma faixa de tecido branco ligava as colunas que seguravam os vasos de maçãs. No berço formado por essa faixa estavam mais folhas verdes, deixando a igreja parecida com um bosque.

Os pais e padrinhos entraram na igreja ao som de Renato Russo: “Ainda, que eu falasse a língua dos homens, que eu falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria”. E, surpresa das surpresas, a trilha sonora para a noiva não foi a Marcha Nupcial. Enquanto ela entrava na igreja, e o noivo lá na frente sorria de orelha a orelha, o conjunto tocava e cantava: “Vem comigo meu amado amigo (...) Sou teu homem, sou teu pai, teu filho, sou aquele que te tem amor...”. Disseram-me que é o tema do desenho “A Bela e a Fera”. Enfim, parecia que era o próprio noivo que cantava para ela. Sei que, a essas alturas, meu romantismo está atrapalhando a objetividade, mas eu juro que foi lindo!

A noiva estava simples, seguindo o estilo da cerimônia. Ela tem um cabelo comprido, meio claro. O cabelo estava cacheado, solto em volta do rosto. Atrás da cabeça um pequeno arranjo segurava um véu curto. Não pude deixar de pensar, enquanto ela entrava na igreja e se ouvia o som suave de um pandeiro na música, que aquilo parecia um casamento hippie, por mais incongruente que possa parecer essa idéia.

Depois que ela já estava devidamente entregue ao noivo no altar, o padre começou a falar. Mais uma grata surpresa foi perceber que o padre não era alienado. Suas palavras foram sensatas e objetivas, mas encorajadoras. Não sei se ele usa o mesmo discurso para todas as cerimônias. Não parecia. Ele passava um visível interesse por aquele casamento em especial. Todos esses elementos contribuíram para deixar um monte de gente chorando, eu e minhas amigas, inclusive. Nessas horas, não tem como não se emocionar.

E o casamento decorreu assim, simples, honesto e charmoso. Deve ter durado 1 hora ou mais, mas não percebi o tempo passar. Para terminar, os noivos saíram da igreja ao som de uma Ave Maria pop, meio gospel, com muito ritmo. Fomos para a recepção em um lugar à beira da praia. Dava para ver o mar e sentir a brisa, que foi muito bem-vinda com aquele calor. Na hora da noiva jogar o buquê, a mesma coisa de sempre: um monte de moças solteiras correram para pegar o troféu. Uma das vantagens da minha altura foi não ter que fazer muito esforço para ficar com aquele arranjo tão desejado. No fundo, no fundo, espero que a tradição se confirme.

Adriana Baggio
Curitiba, 18/10/2001

 

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