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Sexta-feira, 2/5/2008
Jovens blogueiros, envelheçam (extras)
Rafael Rodrigues

Se há alguma coisa na minha última coluna da qual me arrependo ter dito, é o trecho a seguir: "Há, sim, endereços com bom conteúdo. Mas o que vemos entre os 20 primeiros colocados são blogs de humor e de cultura pop ou trash, todos descartáveis". Essa afirmação abriu precedentes para chegarem ao ponto de dizer que não gosto de blogs ou programas de humor, ou que não considero esse tipo de conteúdo relevante. Culpa minha, claro, por não ter dito o que queria dizer de maneira mais clara. Aproveito agora e digo que gosto de programas, livros, sites e blogs humorísticos. Só me incomoda o fato de eles estarem no topo das listas brasileiras de "blogs mais acessados" ou "melhores blogs". Sobre a relevância deles, alguns são, outros não.

Quanto ao resto ― sobre essa falta de relevância da maior parte dos blogueiros brasileiros, seus posts vazios, sem conteúdo e mal escritos ―, não muda nada. Também mantenho a opinião de que existe, sim, bons blogs, de bom conteúdo. Mas, infelizmente, é uma parcela muito pequena da blogosfera brasileira.

Muitas pessoas me disseram coisas do tipo: "relevante é aquilo que você julga?", "se não acha bom, não entra" e me chamaram de "dono da verdade", como se eu estivesse colocando pela primeira vez a questão da relevância e da qualidade. Tudo o que foi dito no meu texto reflete a minha opinião, o meu ponto de vista. Não decretei nada. E, mesmo que decretasse, o texto é meu, eu decreto o que eu quiser. Mas é um decreto pessoal, segue quem quer. E, se falei sobre esses assuntos, foi porque os próprios blogueiros falaram. Foram eles que exigiram respeito da imprensa e, quiçá, da sociedade brasileira. Foram eles que reivindicaram a pecha de relevantes. Ou não?

Isso não acontece apenas com blogueiros. É assim em todas as esferas da arte. Músicos, artistas, escritores, enfim, quase todo artista acha que tem um papel fundamental na sociedade, que sua obra é de extrema relevância e, quando não tem a atenção que acredita merecer, começa a se lamentar, a dizer que ninguém o compreende etc. Acontece que vivemos numa época de banalização da arte. No filme Igual a tudo na vida o personagem de Woody Allen diz o seguinte: "se um cara subir no palco do Carnegie Hall e vomitar, você vai achar alguém chamando isso de arte".

E por aí vai: o cara faz uma musiquinha mais ou menos, e acha que aquilo é música. O cara escreve um livrinho de contos, e acha que aquilo é literatura. O cara empilha umas cadeiras no MAC, e diz que aquilo é arte. Infelizmente, parece que as pessoas, de um modo geral, além de não quererem enxergar isso, ficam com vergonha de admitir e afirmar que as coisas são assim, hoje.

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, em A arte de escrever, diz o seguinte: "Ocorre na literatura o mesmo que na vida: para onde quer que alguém se volte, depara-se logo com o incorrigível vulgo da humanidade, que se encontra por toda parte em legiões, enchendo e sujando tudo, como as moscas no verão. Isso explica a quantidade de livros ruins, essa abundante erva daninha da literatura que tira a nutrição do trigo e o sufoca. Pois eles roubam tempo, dinheiro e atenção do público, coisas que pertencem por direito aos bons livros e a seus objetivos nobres, enquanto que os livros ruins são escritos exclusivamente com a intenção de ganhar dinheiro ou criar empregos. Nesse caso, eles são apenas inúteis, prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura atual não têm nenhum outro objetivo a não ser tirar alguns trocados do bolso do público: para isso, o autor, o editor e o crítico literário compactuam".

Troque "literatura" por "blogosfera", "livros" por "blogs" e suprima a última frase. O resultado disso é o que quero dizer, é a minha opinião.

Quando daquela campanha do Estado de S. Paulo, eu não fiquei cheio de dores, apesar de ser blogueiro. Nem fiquei aqui torcendo pelo time dos blogueiros, quando da Campus Party. Na verdade, achei tudo uma grande bobagem, e vi os blogueiros como macacos, mesmo, fazendo macacadas, divertindo a platéia. E, preciso confessar, me diverti muito. Dei boas risadas com os reclames de "não somos macacos" e com aquela papagaiada toda de se vestir de dinossauro.

É provável que este texto não chegue a levantar uma nova discussão sobre o assunto. Afinal, estou aqui somente reafirmando o que disse anteriormente. Mas, no final daquela coluna, falei sobre esta entidade chamada "leitor". E, depois de alguns comentarem que o leitor é quem decide o que vai ler ou não, que é ele quem decide o que é bom (pra ele, claro) ou não, me peguei pensando um pouco no assunto.

O que eu disse: "Seria injusto terminar este texto sem citar o principal personagem desta 'briga': nós, leitores. Afinal, somos nós que compramos os jornais e revistas, e acessamos os blogs. Nós é que decidimos quem são os 'melhores'. Precisamos ter também um pouco mais de maturidade, critério e bom senso, separar o que é importante do que não é, saber a diferença entre um comentário mais longo e uma matéria bem feita, distinguir um blog de um site de entretenimento em formato de blog".

O que eu penso sobre o que eu disse: fui condescendente demais. Farei agora como os blogueiros e não tomarei como base nenhum dado, não usarei nenhuma fonte. Mas, se pararmos para analisar, somos um país de poucos bons leitores. Somos um país, na verdade, de poucos leitores. Ler, bem ler, não é apenas decifrar o que está escrito no papel ou na tela. É interpretar, entender, perceber as intenções do autor (nenhum texto é puro de intenção, nenhum texto é 100% imparcial), comparar com outras opiniões e, depois, se possível, tirar suas próprias conclusões. O fato é que a maior parte do público que acessa a internet não faz isso, nem procura informação e conteúdo relevante. Basta ver quais são as palavras que os brasileiros mais buscam no Google, por mês (não vou relacioná-las aqui, para não atrair algum desavisado; até porque elas variam de acordo com a época e o que está em evidência), para entender o que estou dizendo.

Em entrevista ao jornal Rascunho, o escritor Enrique Vila-Matas, ao responder a pergunta "Em O mal de Montano, o narrador fala sobre os 'inimigos do literário'. Em sua opinião, quem são os maiores inimigos do literário na literatura contemporânea?", diz:

"Os diretores das editoras que já não são leitores de literatura e programam livros como se fossem camisas ou qualquer outro produto que se possa vender. Os escritores que, atentos a atender uma clientela imediata, buscam fórmulas prontas para seus livros e, além disso, renunciam a ser exigentes consigo mesmos. Os leitores ― com estes ninguém se mete, como se fossem santos ― que compram livros-lixo sobre o Santo Graal e outros romances de qualidade ínfima e, ainda assim, crêem que lêem."

Vila-Matas não é o primeiro a dizer isso sobre os leitores. Vejamos o que Arthur Schopenhauer disse sobre:

"É inacreditável a tolice e a perversidade do público que deixa de ler os espíritos mais nobres e mais raros de cada gênero, de todos os tempos e lugares, para ler as besteiras escritas por cabeças banais que aparecem diariamente, que se espalham a cada ano em grande quantidade, como moscas."

Como bem diz Vila-Matas, a culpa é de todos e ao mesmo tempo não é de ninguém. Schopenhauer joga a culpa para o público, mas também não podemos determinar isso. A questão do leitor e suas escolhas perpassa vários outros fatores: situação econômica, histórico cultural, possibilidade de acesso a cultura, educação escolar, enfim, uma série de pontos. Aí alguém grita, dizendo que, então, a culpa é do governo. É, mas não só. Um outro alguém diz que a culpa é dos portugueses, que só mandaram gente ruim pra cá, quando do "Descobrimento". Não acho que chega a tanto.

Mas é inegável que nós, leitores, e, principalmente, os que querem ser lidos, precisamos tomar uma atitude, nem que seja uma atitude mínima: a de desprezar conteúdos que não sejam realmente relevantes ou importantes. Melhor dizendo: dar menos atenção a eles. Porque a mídia (e agrupo nesse termo jornalistas e blogueiros) dá ao povo o que o povo quer. Se continuarmos a ler bobagens, mais bobagens aparecerão. Então, tentemos ler, ver e ouvir mais coisas boas, coisas que têm conteúdo, que agregam valor. E o que é uma coisa boa? Algo que "passe uma mensagem", talvez? Algo "edificante", não sei. Uma vez eu disse que sei quando um livro é bom e quando não é. Vou mudar um pouco a frase, de modo a ficar menos arrogante: eu acho que sei quando um livro é bom e quando não é. A isso se chama bom senso, aliado a alguns fatores ― no meu caso, muitas leituras e algum estudo. Tentemos seguir pessoas de bom senso, de bom gosto. Acredito que assim as coisas seriam bem melhores.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 2/5/2008

 

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